Extrema ignorância

Internautas ironizam ‘nível’ de membros da Fiesp, que confundem Burle Marx com Karl Marx

Confundir obra do paisagista com autor do Manifesto Comunista ilustra pobreza ideológica que move disputa na Fiesp liderada pelo golpista Paulo Skaf

Everton Amaro/Fiesp
Everton Amaro/Fiesp
Destituição de Josué Gomes da presidência da Fiesp foi vista como um "golpe" pelo advogado e professor Miguel Reale Jr. Executivo sempre foi visto na entidade como um nome próximo ao de Lula

São Paulo – A divulgação, ontem (17), de que integrantes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) confundiram o nome do paisagista Burle Marx com o do filósofo Karl Marx, autor de O Capital e do Manifesto Comunista, provocou reações nas redes sociais. Internautas ironizam o “nível intelectual” dos empresários da entidade. 

De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, em outubro do ano passado, um projeção colorida do terraço do antigo Ministério da Saúde e Educação, no Rio de Janeiro, idealizada pelo artista, foi exibida no prédio da Fiesp, na Avenida Paulista, em São Paulo. Mas, na ocasião, alguns empresários, além de confudir Burle Marx com Karl Marx, também viram na obra algo como se a bandeira do Brasil estivesse sendo coberta de vermelho. O que, na visão desses integrantes, seria um sinal de que a entidade patronal, “poderia estar sob influência do socialismo”. 

A ignorância levou internautas a comentar nas redes o caso exposto como um “exemplo” de que como “a nossa burguesia é xucra, burra e desinformada”. 

Golpe na destituição de Josué Gomes

A tensão política envolvendo a obra do paisagista foi, no entanto, de acordo com a reportagem, apenas um dos capítulos da disputa na Fiesp entre empresários ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os que transitam no campo progressista. Uma batalha que ficou evidente em assembleia, segunda-feira (16), que destituiu o empresário Josué Gomes da presidência da entidade. 

O executivo sempre foi visto como um nome próximo ao de Lula. Ele é filho de José Alencar, morto em 2011, que foi vice-presidente do petista em seus dois primeiros mandatos. Josué Gomes chegou a ser convidado para ocupar o posto de ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no terceiro governo Lula, mas recusou. Como presidente na entidade, ele enfrentava forte oposição de seu antecessor, Paulo Skaf, que por 18 anos comandou a Fiesp. Os dois romperam de vez em julho do ano passado, quando Josué Gomes organizou um manifesto em favor da democracia. Não foi um manifesto comunista, mas apenas a favor do cumprimento da Constituição, assinado também pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban).

Na época, o documento foi divulgado em paralelo ao manifesto do dia 11 de agosto, a Carta aos Brasileiros, que teve ampla adesão de toda a sociedade, com apoio inclusive da Fiesp, em defesa do Estado democrático de direito, das urnas e do processo eleitoral brasileiro. Parte da entidade, porém, rejeitou o documento por atingir Bolsonaro. O próprio Skaf, no segundo turno eleitoral, declarou voto no ex-presidente derrotado. E desde então passou a estimular um movimento contra Josué Gomes. Em sua gestão, Skaf, fortaleceu os sindicatos patronais de menor porte, que deram votos decisivos para destituir o comando da Fiesp. Por outro lado, usou a máquina da Fiesp para promover não só o golpe de 2016 como também sua carreira política.

O bolsonarismo na Fiesp 

O ex-presidente da entidade também ficou conhecido por liderar, em nome da Fiesp, uma campanha pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), ainda em 2015. Em sua casa, de acordo com o Estadão, foram ainda realizadas três reuniões para construir a estratégia de tirar Josué Gomes da presidência. A articulação para depor o executivo foi vista, porém, como um “golpe” por juristas e parlamentares. Um dos advogados de Josué Gomes, o jurista Miguel Reale Jr., destacou em entrevista à Folha de S.Paulo que foi um “golpe” em letras grandes. “Na verdade, o Josué foi destituído porque fez um manifesto a favor da democracia”. 

O próprio ex-presidente chegou a prever enquanto participava do ato pela democracia, no dia 11 de agosto, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), segundo o jornal, que seria alvo de pressão para ser destituído do posto por apoiar o movimento. Quem o acompanhou até o fim do encontro diz ter ouvido Josué vaticinar, até com ironia, que ele ainda seria alvo de tentativa de impeachment por defender a democracia.

O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) também lembrou no Twitter de Marx – o filósofo – para apontar “golpe” na destituição do comando da Fiesp. Para o parlamentar, o caso pode ser comparado como um segundo ato ao ataque às instituições democráticas realizado por apoiadores de Bolsonaro no dia 8 de janeiro, em Brasília. “O velho Marx nos ensinou que a história se repete como farsa. Bolsonaristas na Fiesp repetiram o golpismo de 08 de janeiro e destituíram Josue Alencar. Um dos poucos líderes da indústria que tem indústria. A entidade mais que nunca se transformou numa farsa!”, contestou Orlando Silva.