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Cinco anos do golpe: a destruição do Brasil em quatro atos

Livro sobre os cinco anos do golpe de 2016 analisa o período da história brasileira. “Há cinco anos o Brasil descarrilou. Saiu dos caminhos da democracia, da soberania, do desenvolvimento, da redução da pobreza e das desigualdades”

ricardo stuckert
ricardo stuckert
"Depois do impeachment ilegal e da prisão sem provas do ex-presidente Lula, a eleição de Bolsonaro, com amplo apoio do campo conservador, foi o terceiro ato do golpe, o ponto culminante do processo iniciado em 2016", disse Dilma

São Paulo – Para fazer um balanço do que ocorreu no país desde o golpe de 2016, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, lançou nesta terça-feira (31) o livro Brasil: cinco anos de golpe e destruição. Foi há exatos cinco anos que se deu o desfecho do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) no Senado. O trabalho, de 320 páginas, aponta a ação com um um desdobramento da não aceitação do resultado das urnas em 2014 pelo derrotado, Aécio Neves (PSDB). E relembra os passos dados pela direita brasileira ao impor um processo de impeachment sem crime de responsabilidade à então presidente. Perseguição esta completada com a prisão arbitrária do ex-presidente Lula, em abril de 2018, abrindo caminho para a eleição de Jair Bolsonaro.

“Todas as áreas do governo do golpe foram analisadas com dados, argumentos e estatísticas que mostram a barbaridade do descaminho que esse país trilhou”, afirma o presidente da fundação, ex-ministro Aloizio Mercadante, que assina o prefácio do livro. “Há cinco anos, um senado acovardado e apequenado aprovava o afastamento definitivo de uma gigante em coragem e dignidade, Dilma Rousseff. Há cinco anos o Brasil descarrilou. Saiu dos caminhos da democracia, da soberania, do desenvolvimento, da redução da pobreza e das desigualdades”, completou.

Mercadante lembrou de atores essenciais deste processo, como “parlamentares comprovadamente corruptos” que conspiraram para levar adiante o impeachment de Dilma. “A oposição derrotada, a mídia partidarizada, interesses econômicos nacionais e internacionais não aceitaram a vitória legítima de Dilma em 2014, tal como Bolsonaro pretende fazer em 2022. A oposição golpista se aproveitou do agravamento da crise internacional para sabotar a recuperação da economia (…) O golpe foi contra o processo de desenvolvimento que conseguiu tirar o Brasil do mapa da fome. Fome que se alastra pelo Brasil de Bolsonaro, filho monstruoso do golpe”.

O golpe de 2016 em quatro atos

A apresentação da obra é da própria Dilma. Na sequência, são abordados o “genocídio do povo brasileiro” durante a pandemia de covid-19, a “farsa do ajuste fiscal” e da austeridade que impede investimentos e o crescimento da economia, os ataques ao SUS, a “reforma” da Previdência, a guerra contra a cultura, a desconstrução das políticas de gênero e o desprezo à comunidade LGBTQIA+, a volta da fome, o desmatamento recorde, o entreguismo do patrimônio nacional estratégico e o desmonte da Petrobras.

Dilma divide o golpe em quatro atos, sendo o primeiro o impeachment propriamente, com consequências imediatas. Por exemplo, a aprovação da Emenda Constitucional 95, do Teto dos Gastos Públicos. “Saúde, educação, saneamento, habitação, ciência e tecnologia, cultura, proteção e direitos das mulheres e dos negros por exemplo, tiveram seus recursos congelados. Deixou, no entanto, sem limites as despesas financeiras, beneficiando os grandes bancos e os grandes rentistas. Retirou o povo do orçamento e retirou a cidadania das decisões sobre a destinação do dinheiro público”, explica Dilma.

Segundo ato

O segundo ato foi o impedimento de Lula de concorrer às eleições em 2018, na condição de favorito para impedir a ascensão de Bolsonaro. “Como acontece com os Golpes de Estado, também o de 2016 começou com o impeachment, mas não parou por aí”, observa Dilma. “Construiu o ambiente político que levou à ascensão pelo voto de um governo radicalmente neoliberal na economia e neofascista na política. Tal fato só se tornou possível por meio da distorção da lei e do uso nefasto de segmentos das instituições do sistema judiciário como arma de perseguição e destruição das lideranças progressistas, em especial, do PT.”

Terceiro ato

Já o terceiro ato corresponde à eleição de um político abertamente defensor da ditadura, admirador de torturadores, negacionista, entreguista, armamentista. “Depois do impeachment ilegal e da prisão sem provas do ex-presidente Lula, a eleição de Bolsonaro, com amplo apoio do campo conservador, foi o terceiro ato do golpe, o ponto culminante do processo iniciado em 2016. Foi uma opção desastrosa dos neoliberais do centro e da centro-direita; dos militares; dos segmentos do mercado financeiro; de empresários e da mídia oligopolizada. A aposta deu errado e a passagem do tempo demonstrou que tal aliança foi catastrófica para o país”, afirma Dilma.

Quarto ato

Por fim, Dilma acrescenta à história a gestão de Bolsonaro diante da pandemia de covid-19, com mais de 580 mil mortos após uma condução sem rumo e fora da realidade. “O presidente e seu governo deixaram as pessoas se contaminarem e morrerem. E, diante da tragédia, saiu-se com um simplório e indecente ‘E daí?’. Há mais de um ano, Bolsonaro incentiva aglomerações e rejeita o uso de máscaras”, finaliza.

impeachment de dilma
Cena do filme “O Processo“, de Maria Augusta Ramos, que reconstitui os passos do impeachment de Dilma (Reprodução)

Irracionalidade

Para Lula, que encerrou o ato de lançamento, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, é difícil discutir de maneira racional “uma atitude irracional de uma parte da dita elite brasileira com muita racionalidade”. O ex-presidente observa que a base do golpe de 2016 e de seus desdobramentos por cinco anos é a mentira. “Tudo foi construído com base em uma mentira. Em 2016, tivemos um momento que culminou, como se fosse o tiro fatal, a consagração da mentira, a perpetuação da mentira. Que só não foi perpetuada porque o partido, seus aliados e nossa militância conseguiu através da imprensa internacional cunhar a ideia de que o impeachment foi um golpe”, disse.

Lula relaciona o golpe com a mentalidade da elite brasileira de perpetuação dos privilégios e desigualdades. “Com 350 anos de mentalidade escravista, não aceitariam que o povo pobre subisse um degrau – não dois, um –, que as pessoas tivessem o direito de tomar café, almoçar e jantar. As pessoas tivessem direito de ter aumento do salário mínimo. Que a empregada doméstica fosse registrada, com direitos, com jornada de trabalho, hora para almoço”, disse.

Igualdade

“A gente queria muito. Queríamos que meninas negras pudessem entrar na faculdade com igualdade através de um vestibular. A gente não queria que o pobre fosse melhor, queríamos que fosse igual. Queríamos estar do lado, o filho do rico com o filho do pobre. Os dois comendo as calorias necessárias. Queríamos o direito de as pessoas terem subsídio para comprarem suas casas. Mas subsidiar pobre é muito difícil, porque o subsídio serve para financiar o agronegócio, a soja, que não paga nem imposto de exportação. Já o pobre tem que pastar. Nós não queríamos isso”, completou o ex-presidente.

Por fim, Lula analisou o impeachment de Dilma como reflexo de tentar mudar esse panorama histórico de domínio. “Não foi por outra coisa, que pedalada? Caçaram a Dilma porque era preciso por um freio na possibilidade do PT continuar governando este país. Eles não aprenderam que para ganhar de um partido político eles deveriam ter a paciência que eu tive. Cansei de perder eleições sem protestar a derrota. Não, o Aécio não se preparou para ganhar, porque o machismo impregnado nele não deixou ele aceitar perder para você e para o Partido dos Trabalhadores”.

O livro foi organizado pela economista Sandra Brandão, analista da Fundação Seade. Sandra foi assessora especial do Ministério do Trabalho e da Casa Civil durante o governo Lula e chefe-adjunta do Gabinete do governo Dilma Rousseff. Foi também assessora especial do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel. A versão em PDF de Brasil: cinco anos de golpe e destruição, pode ser acessada por aqui.

Confira evento sobre os cinco anos do impeachment de Dilma