Cenário

Hostilidade e frustração marcam relação entre Bolsonaro e o Senado

Atualmente mais indócil a certos interesses do governo, Casa tem em Pacheco perfil menos intempestivo e presidenciável

Alan Santos / PR
Alan Santos / PR
Comportamento recente do Senado foge à postura histórica da Casa, tida como mais conservadora e afeita a acordos com os governos de plantão

Brasil de Fato – Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para ocupar a vaga do ex-ministro Mauro Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-advogado-geral da União André Mendonça segue na geladeira (do Senado) do jogo legislativo. Ainda sem data para que tenha sua indicação avaliada pelos parlamentares da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), ele completa três meses de espera nesta quarta-feira (13).

O cenário por trás da demora tem como ponto de destaque um sentimento de revanche do presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em relação ao chefe do Executivo. Frustrado por não ter ganhado cargo de ministro do Executivo em 2021, conforme havia sido prometido anteriormente pelo ex-capitão, o amapaense passou a utilizar a comissão como ringue para cobrar ao presidente a fatura da não nomeação para a Esplanada.

A questão, no entanto, não explica sozinha o gélido cenário em que Mendonça se encontra hoje no Legislativo, apesar das costuras e constantes idas e vindas do ex-AGU a gabinetes de senadores para tratar do apoio à indicação na futura sabatina.

É comum entre analistas e parlamentares a leitura de que atualmente o Senado se mostra menos disposto a atender aos interesses de Bolsonaro. De certa forma, o comportamento foge à postura histórica da Casa, tida como mais conservadora e afeita a acordos com os governos de plantão.

“Vale ressaltar, por exemplo, que a CPI surgiu no Senado. Em outros tempos, a Câmara é que seria um terreno minado para ele, mas hoje a Câmara é uma extensão do governo – claro, dentro dos limites oferecidos pelo centrão. Quem manda no governo, no orçamento, no Brasil é o centrão-Câmara. E o Senado, por incrível que pareça, é um lugar absolutamente complicado para o Bolsonaro”, observa Marcos Verlaine, analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Para o cientista político Leonardo Barreto, diferentes fatores concorrem para a composição desse novo cenário da relação. Ele destaca a “coalizão de oposição” que inviabilizou os interesses do governo na Casa por meio do xadrez instaurado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, promotora dos principais estragos à imagem de Bolsonaro no Senado.

“A própria agenda do Senado ficou congelada por bastante tempo enquanto a CPI da Covid tinha o seu prosseguimento. Houve uma contaminação dos trabalhos”, resume. No meio disso, diferentes pautas da cartilha de Bolsonaro encontraram na Casa um destino inesperado ou mesmo amargo para o governo.

É o caso da Medida Provisória (MP) 1045, apelidada de “minirreforma trabalhista” e um dos pontos da agenda neoliberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, que foi derrotada no plenário no início de setembro por 47 votos a 27.

Apesar do apoio presidencial à candidatura de Pacheco ao Senado, auxílio não é visto por analista como sustentáculo da jornada que levou o novo presidente da Casa ao posto / Alan Santos/PR

Outras pautas de interesse da gestão naufragaram já no nascedouro. Foi o que ocorreu com a impopular Medida Provisória do Marco Civil da Internet (MP 1068), que conquistou a antipatia de parlamentares dos mais diferentes matizes e terminou rejeitada por Pacheco em meados de setembro.

Houve ainda as propostas governistas que foram aprovadas na Câmara, mas que perderam o ritmo ao darem entrada no Senado. É o caso do Projeto de Lei (PL) 2159/2021, que fragiliza o licenciamento ambiental e por isso encontra adversários entre parlamentares de oposição, ambientalistas e outros especialistas da sociedade civil.

Aprovada rapidamente pelo plenário da Câmara em maio, a proposta chegou ao Senado em junho e teve apoio de governistas e ruralistas para que pulasse diretamente para o plenário da Casa. O ímpeto, porém, acabou freado por Pacheco, que definiu um rito um pouco mais compassado à medida, atualmente sob avaliação das Comissões de Meio Ambiente e Agricultura.  

“O Senado é hoje um terreno hostil ao Bolsonaro, embora não seja exatamente um terreno de oposição. É por isso que não vejo crise, e sim confronto. Não dá pra negar a hostilidade da Casa hoje com o presidente da República”, pondera Marcos Verlaine, do Diap.  

“Um termômetro interessante para se medir isso é a postura da Simone Tebet (MDB-MS), uma senadora de centro-direita que não tinha oposição ideológica ao governo e hoje não fecha com o Bolsonaro em praticamente nada”, ressalta o analista.

Personagem política forte, senadora Simone Tebet (MDB-MS) lidera bancada feminina, tem expressão na CPI da Covid e não passa despercebida no cenário de contraposição de forças do colegiado / Marcos Oliveira/Agência Senado

A emedebista, inclusive, foi uma das que reagiram com vigor aos vetos de Bolsonaro na última quinta (7) ao projeto que prevê distribuição gratuita de absorventes para mulheres de baixa renda e pessoas em situação de rua.  

Os vetos presidenciais estão entre os elementos que concorrem para o cenário um tanto árido da atual relação entre o governo e o Senado. A lista das pautas que provocaram faíscas e mal-estar entre as duas partes nos últimos tempos nesse quesito é farta e tem como um dos motores mais recentes a tesoura do chefe do Executivo no projeto que trata dos absorventes femininos.

“É mais um sinal do menosprezo dele à condição humana”, disparou Tebet (MDB-MS), que lidera a bancada feminina na Casa. Já o presidente do Senado disse que o veto “é candidatíssimo a ser derrubado”.

Lira X Pacheco

O contexto de menor fertilidade para as iniciativas do presidente da República no Senado guarda diferenças aparentemente robustas em relação ao cenário verificado na Câmara. Ao traçar o paralelo, Leonardo Barreto cita, além da atual CPI, o fato de Pacheco não ter contado com apoio substancial de Bolsonaro para sua eleição, em fevereiro deste ano.

“Bolsonaro trabalhou mais alianças e tem mais compromissos com Lira do que com Pacheco. Enquanto Lira era um candidato de oposição [a Rodrigo Maia] na Câmara que acabou derrotando Maia, Pacheco foi uma solução costurada pelo Alcolumbre, que até contou com apoio da Presidência da República, mas sequer se tinha um candidato de oposição. O Pacheco se sente muito menos devedor do governo do que o Lira”.

Pesa também, no comportamento do Senado diante do Palácio do Planalto, o perfil mais litúrgico do senador mineiro. Menos adepto a reações intempestivas, o tom de Pacheco destoa do estilo “rolo compressor” associado a Lira e da conduta de Bolsonaro, que recentemente viveu uma crise institucional com o Judiciário, por exemplo.

Bolsonaro, Pacheco e Lira tem afinidades no que se refere à agenda econômica, mas trio cultiva entre si diferenças de perfil político / Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Os ataques, inclusive, resultaram na apresentação de um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes por parte do chefe do Executivo em agosto, mas a investida naufragou. Além de ter atraído a oposição de boa parte da Casa, a solicitação contou com a rejeição oficial de Pacheco, que alegou falta de adequação jurídica e necessidade de conservação da independência entre os Poderes.

O episódio ajudou a demarcar a maior indisposição do Senado diante dos excessos do chefe da República. “Inclusive, o Pacheco hoje está na condição de presidenciável, e um presidenciável de oposição, uma coisa que nunca aconteceu na história do Senado, pelo menos pensando que o presidente da Casa terá que concorrer com o presidente da República”, resgata Barreto.

Ele assinala que os candidatos ao Planalto tendem a buscar posturas mais moderadas para conquistar maior aceitação entre o eleitorado e que esse caminho não combinaria com a aceitação do impeachment de um ministro do STF. 

Apesar disso, analistas entendem que o cenário entre o ex-capitão e o Senado não configura exatamente uma crise entre a instituição e o presidente. Leonardo Barreto não vê os senadores, em sua maioria, como, por exemplo, atores interessados em um impeachment ou algo mais ousado.  

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“Senado está num passo diferente, sendo liderado por interesses diferentes, mas acho que não é de interesse da Casa criar exatamente uma paralisia. Acho que é interesse deles marcar posição, marcar sua diferença, tentar agir como um poder moderador do Bolsonaro e ser reconhecido por isso, mas sem interesse em paralisar ou derrubar o presidente, por exemplo”, analisa o cientista político.