Haddad diz que ‘obstinação por justiça social’ será a marca de seu governo

Prefeito de São Paulo afirmou que 'fez questão' de tornar posse de secretário de Direitos Humanos seu primeiro ato público

Rogério Sottilli afirmou que é preciso uma interação entre Estado e sociedade civil para acabar com as violações aos direitos humanos (Fotos: Douglas Mansur)

São Paulo – Ao escolher o que chamou de primeiro ato público de seu governo – a posse do secretário de Direitos Humanos, Rogério Sottili –, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT) disse querer que sua gestão “seja marcada por uma obstinação de busca de justiça social”. Defendeu a “convivência entre diferentes” na cidade, lamentou o episódio de agressão a skatistas na praça Roosevelt e propôs uma “agenda suprapartidária” para o setor. A posse de Sottili, no final da manhã de hoje (11), no Pátio do Colégio, marco zero da cidade, foi prestigiada pelo que o ex-ministro José Gregori chamou de “turma da pesada dos direitos humanos”, como o ex-ministro Paulo Vannuchi e o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro. Entre as centenas de presentes, também estavam lá representantes de movimentos sociais, figuras do meio intelectual, como o desenhista Ziraldo e o escritor Fernando Morais, a ministra Eleonora Menicucci (Secretaria de Políticas para as Mulheres) e o interino Diogo Santana, da Secretarial Geral da Presidência.

Haddad citou dois acontecimentos recentes na praça Roosevelt para ilustrar sua concepção sobre o que deve e o que não deve ocorrer na cidade: o ato “Existe Amor em São Paulo”, realizado durante a campanha eleitoral, e a agressão de guardas civis a skatistas, há uma semana. Segundo o prefeito, o que houve foi um tratamento “de forma inteiramente inapropriada” e os responsáveis responderão por isso. “Queremos que a Guarda (Civil Metropolitana) assuma um caráter comunitário, como no mundo desenvolvido. O Roberto Porto (secretário de Segurança Urbana) está fazendo as tratativas com a GCM.”

O prefeito afirmou que a área de direitos humanos atuará conjuntamente com as secretarias de Educação, Cultura e Segurança Urbana, formulando novos temas curriculares e planejando atividades integradas. “O discurso do Rogério expressa uma visão de sociedade que nós queremos em São Paulo”, acrescentou. Ele lembrou que muito do orçamento paulistano se baseia em parcerias que ainda não foram implementadas. “Há muitos programas federais que vão chegar a São Paulo.” Sobre o novo secretário, Haddad lembrou ainda que ele entregou seu plano de trabalho ontem, 20 dias antes do prazo dado a todo o secretariado. Brincando, o prefeito comentou que a agilidade se deve, “certamente, ao estágio de dez anos no governo federal”. Entre outras funções, Sottili foi secretário-executivo na Secretaria Geral da Presidência da República e na Secretaria de Direitos Humanos.

A uma pergunta sobre uma possível atuação na região conhecida como cracolândia, Haddad disse que a administração municipal participará “de todas as ações para as quais formos requisitados”. Fez ressalvas quanto à internação compulsória, lembrando já ter se posicionado contrariamente caso não haja autorização da família e da Justiça.

Ele adiantou que o secretário do Governo, Antonio Donato, já se reuniu com o secretário estadual de Desenvolvimento Metropolitano, Edson Aparecida, para discutir uma agenda de trabalho comum. Segundo ele, isso deverá se repetir nas demais áreas, “pasta a pasta”. Durante a cerimônia, o prefeito assinou duas portarias: uma cria grupo de trabalho para avaliar a adesão ao programa Juventude Viva, do governo federal, e outra forma a comissão organizadora da 17ª edição da Parada do Orgulho LGBT, que será realizada em 2 de junho.

Ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso, o agora ex-presidente da Comissão Municipal de Direitos Humanos, José Gregori, passou o cargo a Sottili defendendo a continuação de um “pacto de defesa dos direitos humanos que sobrepairasse todas as paixões causadas pela luta partidária”. Ele revelou a existência de um pacto nesse sentido com o governo federal, para o qual um dos articuladores foi justamente Sottili. “Em matéria de direitos humanos, não se toca de ouvido nem se improvisa”, disse Gregori, definindo o novo secretário e presidente do conselho como um “combatente sem nenhum compromisso com o sectarismo”.

Sottili também falou da “importância da ação federativa”, com participação conjunta dos três poderes e de organismos internacionais. “São Paulo ainda é cenário de graves violações dos direitos humanos, a vários grupos sociais, à juventude, à comunidade LGBT, pessoas em situação de rua, idosos, usuários de drogas. É preciso um compromisso além das cores partidárias. O caminho para a mudança se dá pela ampla participação social e pela interação entre Estado e sociedade civil.”

Além do ex-secretário José Gregori (centro), a posse do secretário atraiu defensores de direitos humanos e personalidades como Ziraldo (à direita)

Ele destacou a formulação de um Sistema Municipal de Participação Social, com as pastas de Educação e Cultura (“política de educação voltada para a aceitação da diversidade” e projetos culturais para mostrar que “democracia e direitos humanos tem muitas cores e muitos sons”). Defendeu o fortalecimento de políticas para a juventude, o combate à homofobia e o apoio a pessoas em situação de rua. “Não podemos mais aceitar a violência e o abandono que sofre a população que vive na rua. É fundamental um trabalho com o governo estadual e a Guarda Civil Metropolitana para reforçar valores humanistas”, afirmou Sottili, anunciando ainda a criação de uma Comissão da Verdade, “que se debruçará sobre os capítulos tristes da história paulistana”.

 ‘Pisar no barro’

O ativista Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, do Movimento de Moradia no Centro (MMC), disse que, “após oito anos de opresssão e terrorismo (referência às gestões José Serra e Gilberto Kassab) parece ser possível respirar um ar menos pesado”. Criticou o papel da mídia, que segundo ele não apurou nenhuma das denúncias feitas pelos movimentos sociais nesse período. “Será que não eram vistas pela imprensa ou ela não foi omissa?” Ele viu um início da mudança de postura no episódio da praça Roosevelt, com o novo governo reconhecendo o erro de um agente municipal. “Essa Secretaria dos Direitos Humanos tem de trabalhar muito lincada aos movimentos populares, mas também àqueles que hoje não está ligados a ninguém. E os movimentos sociais, populares, têm de continuar atuando.”

Segundo Gegê, nos governos anteriores não se construiu “sequer uma unidade habitacional com dinheiro do município”. Ele espera um “início de resgaste” nos próximos quatro anos, uma “mudança de concepção de trabalho” para que o mandato não seja desperdiçado. “Não basta mudar a concepção, mas a cultura. Queremos técnicos capacitados, para pisar no barro. Isso nós dissemos a Haddad. Se tiver algum que não faça isso, que seja destituído logo.”

O padre Júlio Lancelotti, vigário para o povo de rua da Arquidiocese de São Paulo, disse que este é um momento de “vigor e esperança”. “O que ficou claro hoje é que a luta pelos direitos humanos em São Paulo não está morta”, afirmou.