Nada a esperar

Eugênio Aragão: ‘Janot traiu a imagem que eu tinha dele’

Para ex-ministro da Justiça, procurador-geral da República iludiu a todos e não tem condição de ocupar o cargo. No STF, 'urucubaca impressionante' na cadeira transforma ministros em cães dóceis

Arquivo/EBC

Aragão: “A gente tem de ter mais psicologia para estudar melhor as pessoas. E a gente se iludiu”

São Paulo – Procurador da República e ministro da Justiça de Dilma Roussef, Eugênio Aragão está entre os setores da esquerda que defendem a anulação do impeachment da presidenta destituída. Na sua opinião, a realização de eleições manipuladas pelos golpistas seria mais um passo dentro do golpe. “Para mim, ladrão que rouba ladrão (o golpe dentro do golpe) não merece mil anos de perdão, porque ele torna a recuperação da coisa roubada mais distante do legítimo detentor. É como um ladrão que rouba um carro roubado. O carro vai ficar mais difícil de ser encontrado. Isso vale para os golpistas dentro do golpe, que são golpistas elevados à potência. É por isso que tenho receio de eleições diretas agora. O discurso do golpe vai ficar longe, longe.”

Na semana passada, em ato pela derrubada do impeachment, em São Paulo, Aragão traçou um perfil do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e de alguns integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), onde estão processos que questionam a legalidade da cassação do mandato de Dilma quando a própria perícia do Senado não encontrou provas de crime de responsabilidade.

Reconheço que errei ao apoiar Rodrigo Janot

“É uma pessoa que eu conhecia há 30 anos, com quem eu tinha bastante debate político. Trabalhei com ele em várias circunstâncias. E a gente tinha uma imagem que ele traiu por completo. E para se ter uma ideia, semanas antes de ser escolhido (procurador-geral), ele convidou José Genoino para um jantar em sua casa. Não é invenção minha, tenho testemunhos. Ele (Janot) chegou lá e disse, para o caso de Genoino estar sendo perseguido: ‘se você precisar de alguma coisa, pode ficar inclusive aqui na minha casa’. E uma das primeiras coisas que ele faz como procurador-geral da República foi pedir a prisão de Genoino. Então tem disso. Às vezes, você acha que uma pessoa é uma coisa, mas é outra. E quando assume o poder, vira uma pessoa não diferente: apenas cai a máscara. As pessoas não mudam assim. Elas são o que são. A gente não pode ter ilusão, tem de ter mais psicologia para estudar melhor as pessoas nessas horas.

Como pude ser tão cego?

“E a gente se iludiu. Se hoje começo a juntar as pontas sobre o Rodrigo Janot, eu boto as mãos na minha cabeça: meu Deus do céu, como eu pude ser tão cego? Tem tantos elementos que naquela época eu já poderia ter juntado, ver que esse sujeito não poderia ser procurador da República. Mas tinha essa chance, sim. A gente tinha esse debate de não o aceitar na lista corporativa. E eu sempre briguei contra essa lista. Um dos assuntos que eu discutia com ele era: ‘Olha, eu vou aceitar seu nome na lista só porque ano que vem são eleições. Se colocarem alguém de fora da lista, esse Ministério Público vai fazer um inferno aqui dentro para destruir completamente a esquerda. Então, nós vamos botar você porque a gente confia em você’. Basicamente era isso. Não para beneficiar a esquerda, mas para não deixar fazerem sacanagem. Deixamos isso muito claro na época. ‘Não esperem nada dele. A única coisa que a agente quer é que ele não permita que se faça sacanagem. É só isso.'”

O STF nunca mudou

‘Sempre foi aquilo. Em nada mudou. Está sendo aquilo que ele sempre foi. Quando caiu o Império e foi ‘proclamada’ a República – que na verdade foi um golpe de elites provinciais contra o governo central de D. Pedro II ao derrubar o escravagismo, mas garantindo a exploração por outros meios – os marqueses e os barões que ocupavam as cadeiras no STF foram virar ministros republicanos no dia seguinte. Se o STF não mudou nem do Império para a ‘República’, imagina só se muda alguma coisa agora.”

Urucubaca na cadeira. É impressionante

“Aquela cadeira ali (do STF) tem alguma coisa esquisita, que torna as pessoas mortas. É uma urucubaca. É impressionante. E a urucubaca que nós estimulamos no STF durante os anos que nossos companheiros ficaram no governo foi o processo de recrutamento. Abria uma vaga no STF, mas não abria-se uma discussão. Abria uma correria dos interesseiros para aquela vaga. De repente tinha um monte de gente que você nunca ouviu falar na sua vida sendo especulando. Ele vinha dizer que iria ser ministro. Ligava para jornalista: ‘você diga que vou ser ministro do Supremo.’ E esses indivíduos, munidos de profundo ativo de vaidade, na hora que sentam naquela cadeira, querem ficar bonitinhos na fita. É não é incapacidade de remar contra a maré. Não esperem isso deles não. Não nasceu ministro para isso. Não nasceu ainda um ministro para nadar contra a maré.”

Gilmar é o único

“Aliás, um que nada contra a maré é o Gilmar. É curioso isso. E ele faz marola para a maré ficar do lado dele. Enquanto o governo FHC colocou três pitbulls – Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Nelson Jobim, que não deixavam nada passar –, o conjunto do PT colocou uma matilha de cocker spaniel. Coker é aquele animal simpático, meigo, mas na hora que você é atacado por um bandido, o que ele faz? Faz festa pro bandido. A festinha que faz pra você, faz pro bandido. Não espere que o cocker ataque quem está te atacando, não. Esse é um sério problema. Não podemos esperar nada de uma matilha de cocker. São bonitinhos para falar sobre células-tronco. Agenda sexy é com eles mesmo. Vamos falar sobre casamento homoafetivo? Ótimo. Isso é tema que o (Luís Roberto) Barroso adora. Mas na hora de discutir sobre como é essa história do Moro… Em poucas palavras, esse é o grande dilema do STF. Alguns dos nomes até passaram por um filtro maior, inclusive o (Edson) Fachin. É a urucubaca naquela cadeira. Tem alguma coisa ali, Nossa Senhora, que transforma os caras em cocker.”

Ratos no barco

“Esse discurso – se eu evitaria o golpe ou não evitaria (referindo-se ao ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que deixou a Polícia e a Justiça Federal muito à vontade) – é uma coisa que tem de ser vista dentro do seu contexto. O Zé Eduardo pode ter uma série de características, mas ele foi ministro em um outro momento. É injusto comparar a gestão dele com a minha. Ele estava no momento em que os ratos estavam dentro do barco, estavam fazendo bastante bagunça e ele tinha de manter o barco no prumo. Não dava para fazer muito balanço, estava tudo indo abaixo. Quando eu entrei, os ratos já tinham abandonado. Eu não tinha de levar em consideração os postos do ratos. Isso me permitiu esvaziar o armário e sair. Se ele fizesse um décimo disso que fiz, a Dilma estaria em maus lençóis com a bancada ruralista, que bem ou mal fazia parte da ilusória base de sustentação do governo.”