Deputado aponta prejuízos por atraso das investigações oficiais sobre o Pinheirinho

Comissão de deputados paulistas deve participar de audiência no Senado na próxima semana, para discutir abusos na reintegração de posse em São José dos Campos

Em entrave na Assembleia, CPI investigaria violação dos direitos humanos na reintegração de posse do Pinheirinho (Foto: Anderson Barbosa/Folhapress)

São Paulo – Duas semanas após o pedido de instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para investigar os casos de violência e abuso policial na comunidade Pinheirinho, em São José dos Campos, o autor do requerimento, deputado Marco Aurélio de Souza (PT), demonstra preocupação quanto à demora no início das investigações oficiais. Para a CPI ser protocolada, são necessárias 32 assinaturas, mas só 28 foram confirmadas até agora. Entre os motivos apontados para não se atingir o quórum mínimo, estão as manobras executadas pela base do PSDB. A própria bancada do PT está desfalcada, com o recente falecimento do deputado José Cândido (PT). O processo de empossamento da suplente Bete Saião deverá levar alguns dias.

Em entrevista à Rede Brasil Atual, Marco Aurélio afirmou que os adiamentos dos debates, inclusive na própria Assembleia, devem prejudicar a apuração de um tema de máxima urgência. Na última terça-feira (14), o assunto seria discutido em reunião da Comissão dos Direitos Humanos e Cidadania, postergada por problemas de agenda. “Da mesma maneira que você não pode apurar fatos no calor das emoções, não se pode se distanciar tanto do fato e perder a dimensão daquilo que ocorreu”, disse.

O deputado – atuante na região do Vale do Paraíba, onde está a cidade de São José dos Campos – fez questão de mostrar à reportagem alguns cartuchos de bala de borracha e cápsulas de bomba de gás lacrimogênio recolhidos durante a desocupação do terreno, em 22 de janeiro. “É para não tirar da memória”, pontuou.

Ele ressalta também a presença de uma comissão de parlamentares paulistas em audiência sobre o Pinheirinho que irá acontecer no Senado, no próximo dia 23. Além deles, também estão convidados a prestar sua versão dos fatos o prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury (PSDB), a juíza da 6ª Vara Civil de São José dos Campos, Márcia Loureiro, e o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Álvaro Camilo. A audiência chamada pelos senadores já havia sido adiado na semana passada por falta de quórum.

Leia a íntegra da entrevista com Marco Aurélio de Souza:

RBA – Qual a situação atual das articulações sobre o Pinheirinho na Casa?

Marco Aurélio de Souza – Temos uma dificuldade muito grande. E, paralelo a isso, estamos tentando também fazer uma apuração na Comissão de Direitos Humanos, e que também não está sendo fácil. Temos requerimentos para votação, já atrasados. Ficamos preocupados porque o tempo está passando. Da mesma maneira que você não pode apurar fatos no calor das emoções, não se pode se distanciar tanto dos acontecimentos e perder a dimensão daquilo que ocorreu. Da minha parte, farei de tudo para não me esquecer. Eu ando, inclusive, com algumas lembranças, que é para não tirar da minha memória a maneira como fui recebido pelo governo do estado de São Paulo ao tentar negociar [uma solução pacífica para o conflito]. (O deputado tira cartuchos de bala de borracha de um envelope)

Fico pensando a cada dia que passa no flagelo daquelas famílias, porque elas foram retiradas das casas e não foram alojadas. A impressão que eu tenho é que foi armado um campo de concentração. É uma situação tão difícil, que dá a ideia que aquilo tudo era para ver se elas conseguiam achar uma saída, que não fosse pelo poder público. O que é uma injustiça enorme, aliás.

Na semana que vem, haverá audiência no Senado Federal para discutir tudo o que aconteceu no Pinheirinho. Os parlamentares paulistas vão comparecer?

Estaremos lá. Inclusive já foi aprovada pela Assembleia uma comissão de representação, e me coloquei à disposição para ir. Conversei na semana passada com o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que está conduzindo o caso por lá. Todos os tipos de organizações que puderem fazer algum tipo de apuração dos fatos temos que levar em consideração. As falhas cometidas pelos órgãos públicos foram tão grandes que é necessário que outras entidades tomem suas posições para poder equilibrar o jogo. A situação hoje está muito desequilibrada, em favor da injustiça.

A audiência da próxima semana já foi adiada uma vez por falta de quórum. No caso, o prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury (PSDB), e o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Álvaro Camilo, foram convidados a comparecer e dar seus pareceres sobre os fatos. O senhor sabe se já existe a sinalização de que isso irá acontecer?

Na verdade, tudo é feito por meio de convite e não como convocação porque não há exigência legal para tal. O Congresso só toma poder de Judiciário quando uma CPI é instaurada. Até isso acontecer, é somente um debate. Se aprovar uma CPI, aí sim. Se a pessoa convocada não vier, é considerada desobediência judicial. Eles ainda têm o direito de não comparecer, mas isso não contribuiria em nada para a elucidação dos fatos.

Caso eles não compareçam…

Nada acontece. A não ser a questão da opinião pública. Tem uma frase que diz: “Quem não deve, não teme”, né? Se a pessoa foi convidada duas vezes e não foi, há de se pressupor que alguma coisa tem aí. Qualquer pessoa que está sendo chamada a explicar alguma coisa e tem consciência que não tem há problema algum, para ela é um bem ser convidada. Não ser convidada que é um insulto. Ter a oportunidade de ir lá, explicar e dizer que não foi bem assim. Agora, quando a pessoa tem a temer, já é diferente. Ela vai se esquivar e buscar argumentos jurídicos. A única punição que tem é a moral, de alguém que se esquivou de uma oportunidade de contar sua versão.