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As possibilidades debatidas pela Comissão da Reforma Política

Parlamentares vão discutir temas como implementação de cláusula de barreira, possíveis alterações no sistema eleitoral e no financiamento de campanha. Entenda o que as possíveis mudanças significam

arquivo/ebc

Após diversas alterações pequenas nas legislações eleitorais, comissão pode mudar o sistema proporcional e aplicar clausula de desempenho

São Paulo – A Câmara dos Deputados instalou na terça-feira (25) a Comissão Especial para Análise, Estudo e Formulação de Proposições Relacionadas à Reforma Política. Com a relatoria de Vicente Candido (PT-SP) e presidência de Lúcio Vieira Luma (PMDB-BA), os parlamentares vão discutir temas como a implementação de cláusula de barreira, possíveis mudanças no sistema eleitoral e no financiamento de campanha.

Em 2015, sob comando do então presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hoje cassado, os deputados federais aprovaram algumas mudanças na legislação eleitoral. Entre elas, o fim da reeleição para cargos do Executivo (prefeitos, governadores e presidente), a redução da idade mínima para candidatos – senador de 35 para 29; deputados de 21 para 18; governador de 30 para 29. Também foi aprovada a legalização do financiamento privado de campanha, entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) atuou de forma oposta, proibindo a prática – o financiamento empresarial é considerado lesivo ao princípio constitucional de que todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.

Chamadas de “minirreforma política”, ou ainda de “antirreforma política”, as mudanças foram alvo de críticas de especialistas como o ex-presidente da OAB e membro da Coalizão pela Reforma Política, Marcello Lavenère, que classificou as mudanças como “retrocessos terríveis”. As medidas de reforma atingem pontos relativamente insignificantes na prática. As maiores mudanças ficaram por conta da ação do Supremo, em relação ao financiamento de empresas, e o encurtamento das campanhas que antes era de 90 dias e agora apenas 45.

Esse tema sempre retorna às discussões políticas no cenário brasileiro. Agora, a comissão deve começar as discussões a partir de um projeto que tramita no Senado, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa, que impõe uma cláusula de desempenho partidário. Se aprovada, apenas partidos que alcançarem 2% dos votos válidos em pelo menos 14 unidades da federação a partir de 2018 e de 3% e, 2022 poderão ter candidatos e acessar o fundo partidário, além de pleitear tempo de propaganda em rádio e televisão.

Para o professor de Ciência Política Álvaro Martim Guedes, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a cláusula de barreira tem aspectos positivos. “Este é um primeiro passo para pensar em reformas políticas de forma mais tranquila. É um processo de amadurecimento. A ideia é os partidos representem de fato uma expressão social significativa. Muitos partidos pequenos hoje não tem finalidade a não ser criar um ambiente disperso e facilitar coligações de pouca representação”, disse.

camara dos deputados/arquivo
Comissão que analisa a reforma política foi instalada na terça-feira (25)

Legendas pequenas e ideológicas como o Psol e o PCdoB são contrárias às mudanças, pois não entram no problema citado pelo professor. Entretanto, para Guedes, “se o conteúdo programático for bom eles passam a ganhar expressão com a cláusula de barreira”. Outro ponto destacado é que “eliminar partidos pequenos não significa eliminar as lideranças em suas peculiaridades. Elas podem ingressar em partidos de maior expressão. Os partidos no Brasil não são fechados ideologicamente”, afirmou.

Para o coordenador da pós-graduação de Ciências Políticas da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), Humberto Dantas, os benefícios de uma reforma são relativos. “É possível afirmar que profundas alterações legais no sistema político, eleitoral e partidário resolveriam problemas? Sim, mas sem a força positiva e inquestionável defendida por muitos. Ou seja, é necessário lembrar que incertezas e posições negativas estarão presentes.”

Um dos temas mais complexos versa sobre alterações no sistema eleitoral proporcional. Logo de início, o Senado propõe o fim das coligações em eleições proporcionais. O doutor em Ciência Política pela Universidade de Stanford George Avelino Filho lembra que o sistema proporcional não tem relação com a votação individual dos candidatos, mas sim do partido. Por exemplo, o Enéas teve 1,5 milhão de votos em 2002. Com esses votos, quatro candidatos de sua coligação, e não apenas de seu partido, foram eleitos, todos com votação irrisória”, disse.

No sistema proporcional, os votos são transferidos entre os candidatos de um mesmo partido. Esse fato é natural do modelo, entretanto, a mudança preterida tem relação com as coligações. Na prática, como existe esta transferência de votos, um eleitor pode ter identidade ideológica com um partido, mas ajudar a eleger um candidato de pensamento oposto. Por exemplo, se em alguma cidade, o PCdoB coligar com o DEM (ideologias opostas), os votos de um partido podem ajudar a eleger candidatos do outro. Existe a discussão sobre o fim desta questão.

Sistema proporcional

É importante atentar-se para o fato de que é possível votar em um candidato, ou no partido (voto de legenda). Para compreender como funciona o sistema proporcional brasileiro, é possível pensar nos seguintes passos:

  1. 1 – Total de vagas em disputa (513 deputados federais, por exemplo)
  2. 2 – Votos válidos (todos os votos excluindo brancos e nulos)
  3. 3 – Coeficiente eleitoral (quantos votos são necessários para uma cadeira. Para descobrir, divide-se os votos válidos pelo total de vagas)
  4. 4 – Coeficiente partidário (total de votos nos candidatos, ou na legenda, de um partido dividido pelo coeficiente eleitoral. Assim, é possível descobrir com quantas vagas no Parlamento cada partido ficou – essa divisão tem que resultar em pelo menos 1)

Essa é uma explicação simplificada – ainda existem correções para os votos que sobram. Entretanto, o objetivo é compreender que, após saber quantas vagas cada partido tem direito no Legislativo, esses cargos são distribuídos entre os candidatos mais votados individualmente.

Reforma

Além de acabar com as coligações no sistema proporcional, está em pauta a discussão de um modelo alternativo. Entre eles, destaca-se a lista fechada. “Na lista fechada, os partidos apresentam uma lista ordenada de candidatos na qual os eleitores não podem mexer. Se são 70 vagas, é como se cada partido apresentasse seus candidatos ordenadamente, de 1 a 70. Se o partido obtiver cinco vagas, os cinco primeiros da lista serão eleitos”, explica o professor George Avelino Filho.

Desta forma, o eleitor vota apenas em um partido, que escolhe sua lista em eleições prévias. Para os defensores deste modelo, ele fortalece os programas partidários, à medida que pode aproximar o eleitor das prévias e da formulação da política, saindo apenas da obrigatoriedade do voto. O professor observa que a lista fechada proporciona clareza maior de escolhas em relação aos partidos. “A quantidade de opções afeta as escolhas. É muito fácil decidir entre a e b, mas quando há 1.200 opções, não há condição alguma de se fazer uma escolha abalizada.”

A outra face da moeda, de acordo com o professor, é que a lista fechada resolve o problema de excesso de candidatos, mas, em contrapartida, corre-se o risco de fortalecer as oligarquias partidárias. “Antes que fiquemos caídos de amores pela lista fechada, saliento que a Argentina usa o sistema (…) não me consta que, nos últimos tempos, queiramos ficar com um sistema político parecido com o da Argentina.”

Existe também a possibilidade do sistema de dois turnos, defendido pela Coalizão pela Reforma Política. Neste modelo, o eleitor vota primeiro no partido, para saber quantas vagas cada legenda vai ter no Parlamento. Em uma segunda votação, a população vota diretamente nos candidatos.

Outra opção é o sistema distrital misto, em que metade das vagas é preenchida pelo sistema proporcional e outra metade pela votação direta nos candidatos mais bem-sucedidos. O chamado “distritão” é o sistema que prevê o fim da proporcionalidade, mas ele foi rejeitado em 2015 pela Câmara e não deve voltar a ser alvo de debates. Na época, este modelo era o defendido pelo PMDB de Eduardo Cunha.

Com informações do artigo Sistemas eleitorais: o sistema proporcional, de George Avelino Filho, publicado na Revista Parlamento e Sociedade em junho de 2015

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