Eleições 2014

Marina: personalismo e rejeição a críticas rivalizam com capacidade de liderança

Ex-ministra e senadora, candidata do PSB à Presidência da República tem histórico que mostra dificuldade em conciliar contrários, acatar argumentos que lhe são apresentados e agregar estilos

arquivo abr

Ex-senadora é pessoa extremamente reservada e não permite aproximação nem mesmo de assessores diretos

Brasília – Quando deixou o cargo de ministra do Meio Ambiente por discordâncias com o governo, a acriana Marina Silva disse, no gabinete do ministério, uma frase que, na época, ecoou por toda a Esplanada dos Ministérios: “Prefiro perder a cabeça a perder o juízo”. O ano era 2008 e o período, de confrontos fortes de Marina com governadores, colegas do primeiro escalão (incluindo a então ministra Dilma Rousseff), entidades diversas da agropecuária e instituições de pesquisa interessadas no plantio de produtos transgênicos. Nos últimos dias e diante de várias declarações sobre consensos e formalizar uniões políticas tidas como “exóticas”, com adversários inimagináveis no passado, a frase tem sido bastante lembrada por desafetos.

“Será que ela mudou de ideia e resolveu perder agora o juízo em vez da cabeça”? alfinetou um senador do PT que pediu para não ser identificado. O espanto, conforme justifica o parlamentar, nada tem a ver com a habilidade dos políticos de se adaptarem e transitarem entre opostos, constantemente, no Congresso Nacional. Deve-se muito mais a uma postura pessoal da atual candidata pelo PSB à presidência, há anos conhecida por muitos dos que convivem de perto, mas pouco revelada publicamente: a dificuldade de conciliar contrários, acatar argumentos que lhe são apresentados e agregar estilos.

Isso porque, por trás da aparência frágil, a acriana Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima, de 56 anos, tanto como senadora como à frente do Ministério do Meio Ambiente – que chegou a ser premiada pela ONU e louvada por entidades ambientalistas internacionais – é tida como séria, austera e com bons programas. E essa imagem, mesmo seis anos depois de ter deixado o ministério, continua intacta. No entanto as informações de pessoas críticas à atuação dela são de que a gestão de Marina como ministra deixou de lado articulações consideradas necessárias para o setor.

Isso teria levado a equívocos que provocaram descumprimento de ordens e insubordinação por um lado – sobretudo na ponta dos trabalhos (junto às ações de fiscais do Ibama e outras entidades vinculadas ao ministério, nos estados) – e, por outro, a ações precipitadas da própria ex-seringueira, adotadas sem comunicação prévia com o Palácio do Planalto, a ponto de chegarem a irritar o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Dentre as pessoas mais próximas, a ex-senadora é considerada extremamente reservada, do tipo que não permite grande intimidade, até mesmo para assessores. É também centralizadora e pouco afeita a acatar opiniões recebidas. Marina Silva foi definida por um técnico com quem trabalhou no Ministério do Meio Ambiente como profissional “preparada e cheia de boas ideias, mas que precisa de amadurecimento no tocante à administração, até para dar mais poder aos assessorados e delegar melhor as tarefas para que o trabalho possa ser consolidado.”

Guerra aos transgênicos

A ex-senadora deixou o governo Lula depois que o presidente preferiu transferir da sua pasta para a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) o Programa Amazônia Sustentável. Antes disso, ela se envolveu em polêmicas diversas. Uma dessas foi quando o plantio de soja transgênica foi liberado pela primeira vez por meio de uma medida provisória negociada pelo Ministério da Agricultura, comandado pelo ministro Roberto Rodrigues. A então ministra procurou o presidente e disse que não tinha assumido o cargo de “ministra da jardinagem”. Ela queria que, antes da liberação, tivessem sido realizadas pesquisas diversas, o que terminou não ocorrendo.

Num segundo round com o Ministério da Agricultura, a ex-senadora criticou publicamente outro titular da pasta, Reynolds Stephanes, por estimular o plantio de cana-de-açúcar em áreas degradadas da Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica. “Não nos interessa, em hipótese nenhuma, que os biocombustíveis brasileiros possam ser identificados com práticas ambientais incorretas”, disse, assim que soube da intenção do colega, numa entrevista. Com a confusão criada, Stephanes recuou e afirmou que tinha sido mal interpretado e não tinha mencionado o bioma em si.

Para um parlamentar que foi ministro de Lula na mesma época em que ela, embora Marina Silva estivesse coberta de razão, o episódio provocou uma saia justa que poderia ter sido evitada. “Era assunto para ser discutido num telefonema de um para o outro ou resolvido no palácio com o presidente, não por meio de entrevistas”, observou.

Dentre os governadores, o primeiro ser alvo de Marina foi Zeca do PT, que governava o Mato Grosso do Sul em 2005. Ele apresentou ao governo um projeto para instalação de usina de álcool e cana-de-açúcar no entorno do Pantanal. A ministra disse que isso implicaria contaminação dos rios que correm do planalto para o Pantanal. O governador respondeu que não havia essa possibilidade e apresentou estudos, mas o projeto não andou. Nos bastidores, demonstrou mágoa com a forma como a antiga companheira de partido tratou a questão.

Para antigos companheiros, Zeca do PT disse que o assunto poderia ter sido tratado a portas fechadas, não da maneira como ocorreu. Também se queixou pelo modo como foi usada pela mídia a morte de um militante ambientalista, no mesmo período. O ativista, supostamente, ateou fogo ao próprio corpo argumentando que era em protesto à possibilidade de instalação da usina. “Na ocasião, Marina demonstrou solidariedade ao rapaz morto de um jeito que parecia dizer que estava de um lado e o Zeca do outro”, acentuou o agrônomo Ricardo Valadares, que acompanhou o caso.

Governadores na mira

Já com os então governadores Blairo Maggi, do Mato Grosso, e Ivo Cassol, de Rondônia, a briga saiu das queixas de gabinetes para as páginas de jornais dos dois lados. Maggi teve muitos embates com a ministra e chegou a questionar números de desmatamentos divulgados pelo governo federal. Durante entrevista emblemática concedida à Folha de S.Paulo, ele fez críticas públicas a Marina, falou da crise mundial de alimentos e destacou que não há como produzir comida sem a ocupação de novas áreas e a derrubada de árvores.

A ex-senadora não se fez de rogada e respondeu que destruir ecossistemas para plantar soja só resolve a crise por um tempo, pois a solução está na tecnologia e no conhecimento científico. A resposta foi um duro golpe em Maggi, que  governava o estado e apoiava o PT, mas é considerado até hoje o maior plantador de soja individual do mundo.

Com o então governador de Rondônia, as brigas foram mais fortes e por várias vezes Marina Silva disse que ali “não dava para dialogar”. Cassol também reclamou de números de desmatamento no estado, salientou que tais dados estavam superdimensionados, mandou retirar de Rondônia fiscais do Ibama enviados pelo governo para fazer ações de preservação de áreas devastadas e bradou, por diversas vezes, que considerava a então ministra “uma despreparada.”

Pouco depois, de um jeito mais brando, o governador afirmou, em revistas de circulação nacional, que via a posição da ex-senadora como a de uma pessoa que se acostumou a ser paparicada pelas entidades ambientalistas e que se revoltava com facilidade quando contrariada por um político, demonstrando dificuldade para manter entendimentos com os governantes.

Com Dilma Rousseff, é sabido que as discussões entre as duas então ministras sobre as obras das hidrelétricas de Santo Antonio e de Jirau, no rio Madeira, foram tão intensas e continuadas que levaram a uma interferência direta de Lula. O presidente chamou as duas no Palácio do Planalto para uma conversa definitiva e é conhecido, entre assessores dos três, o teor de uma reunião na qual ele teria avisado que era preciso acabar com a questão de uma vez por todas e alertou a Marina que a política ambiental atravancava obras importantes do governo. Foi depois desse encontro, que o Ibama concedeu licença prévia permitindo a realização do leilão de licitação para as empresas que iriam construir as duas usinas.

O momento de maior desgaste de Marina Silva com o chefe direto quando estava à frente do ministério, no entanto, ocorreu cerca de seis meses antes de deixar o cargo. Foi quando a ministra divulgou a taxa de desmatamento do país. Os dados mostraram que o desmatamento naquele último trimestre tinha sido acelerado numa média de mais de mil quilômetros quadrados por mês. Esse tipo de divulgação é rotina no Ministério do Meio Ambiente, mas ocorre que, conforme afirmou a ministra durante o evento, o ministério tinha sido informado dessa previsão de aumento meses antes. Apesar disso, não fez qualquer comunicação ao Palácio do Planalto a respeito.

Pego de surpresa, o presidente Lula não gostou da maneira como foi feito o anúncio por parte da ministra e convocou uma reunião de emergência no palácio com vários outros ministros e assessores apenas para tratar da questão e estudar formas de implementar iniciativas de controle a esse crescimento tão acentuado de áreas desmatadas. Lula não fez críticas a Marina em relação ao episódio em público, mas, meses depois, tirou dela o que era considerado a menina dos seus olhos: o programa Amazônia Sustentável, que passou a ficar sob a responsabilidade de Mangabeira Unger, na SAE.

‘Limitações como todos nós’

“Marina é uma extraordinária líder popular, profundamente dedicada a uma causa da qual compartilhamos. Possui, no entanto, limitações, como todos nós. Às vezes, falha como operadora política, comete equívocos de avaliação estratégica e tática, cultiva um processo decisório ad hoc (provisório) e caótico e acaba só conseguindo trabalhar direito com seus incondicionais. Reage mal a críticas e opiniões fortes discordantes e não estabelece alianças estratégicas com seus pares. Tem certas características dos líderes populistas, embora deles se distinga por uma generosidade e uma pureza d’alma que, em geral, eles não têm”, colocou o jornalista e deputado federal Alfredo Sirkis (PSB-RJ), em texto escrito no ano passado.

Sirkis já fez parte do grupo muito ligado à ex-ministra, mas o relacionamento entre os dois ficou estremecido com o fracasso da formalização da Rede Sustentabilidade como partido político.

No senado, a posição da ex-ministra não foi muito diferente. Ela sempre foi respeitada pela  defesa da causa ambientalista e, em 16 anos de atuação parlamentar, foi responsável pelo encaminhamento de 125 proposições. Ao longo do tempo em que sentou na cadeira de senadora, matérias como linha de crédito para extrativistas, subsídio para a borracha, o Programa Amazônia Solidária, mudanças no Código Florestal (antes da votação do novo código, mais recentemente), novo modelo para o setor elétrico, diminuição do desmatamento da Amazônia e criação do Serviço Florestal Brasileiro e do Instituto Chico Mendes a tiveram como protagonista forte nas discussões em plenário e nas comissões técnicas.

Como senadora, participou, ainda, de muitas discussões e ganhou várias, embora tenha amargado derrotas contundentes, como o fato de não ter conseguido aprovar um dos primeiros projetos de lei que apresentou, o que instituiria a Lei de Acesso aos Recursos de Biodiversidade. Ela própria, ao se despedir do Senado, disse que deixava a casa com essa frustração. “É uma falta grande, para o Brasil, não ter uma lei para proteger e usar com sabedoria os 22% de espécies vivas que estão em nosso domínio territorial, só para citar um exemplo”, acentuou.

Além do período em que foi ministra e da atuação como senadora, na vida pessoal Maria Osmarina é uma mulher vitoriosa por combater a própria sorte: contraiu malária cinco vezes, teve três hepatites, uma leishimaniose e possui mercúrio no organismo, o que até hoje lhe provoca dores e a obriga a tomar muitos medicamentos. Numa dessas doenças, ainda pequena, quando o médico alertou a família sobre a gravidade do estado de saúde, garantiu aos parentes e a si mesma: “Não vou morrer”. Para o analista legislativo do Senado Jordão Seixas, que atuou junto à ex-senadora nas comissões, Marina sempre foi e será uma mulher valente.

Resta saber se a Marina centralizadora e que não sabe conciliar posições – ao contrário da que diz que há espaço para todos os que são bons no programa eleitoral –  continua presente, ao lado da acriana destemida. São formas de agir que suscitam dúvidas sobre como, de fato, seria hoje a maneira de circular e tomar decisões dentro de um governo, por parte da candidata que se comportou de forma diferente num passado bem próximo.

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