Quem não foi – Análise

A ausência calculada de Lira no ato pela democracia no 8/01 e a estratégia equivocada dos bolsonaristas

Presidente da Câmara evitou ato no Senado depois de receber Bolsonaro em Alagoas dia 3, mas o deputado sabe que seu futuro político depende do governo Lula, que terá ano de “colheita”

Lula Marques e Marcelo Camargo (Arthur Lira)/Agência Brasil
Lula Marques e Marcelo Camargo (Arthur Lira)/Agência Brasil
Chefes dos Três Poderes, Barroso, Lula e Pacheco participaram do desagravo à democracia. Lira faltou

São Paulo – Entre os líderes ou políticos que não prestigiaram o ato político de um ano dos ataques golpistas à Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, na última segunda-feira, a ausência mais comentada foi a do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Além dele, 15 governadores não participaram do evento em defesa da democracia idealizado pelo presidente Lula, para lembrar a tentativa de golpe que atingiu Brasília. Entre os ausentes, os chefes dos executivos dos três maiores estados brasileiros: Romeu Zema (Novo-MG), Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Cláudio Castro (PL-RJ), todos aliados de Jair Bolsonaro.

Na opinião do analista e consultor político Antônio Augusto de Queiroz, ex-diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a estratégia de faltar ao evento para agradar o eleitorado bolsonarista foi um erro. “Fizeram cálculo equivocado, na minha opinião. Com esse gesto, não agregam nada em termos de voto no bolsonarismo, e por outro lado vão perder acesso a um outro eleitorado, vinculado à democracia”, avalia, em entrevista à RBA. Em 2024 haverá eleições municipais.

Para fazer tal avaliação, Queiroz considera que há dois movimentos para acontecer em breve. O primeiro é que as investigações da tentativa de golpe seguem e devem ser reveladas provas cabais de envolvimento de golpistas mais graúdos. São os chamados mentores ou autores intelectuais. As revelações sobre a tentativa de golpe fracassada “vão trazer consequências graves” para os envolvidos.

Com a revelação dos autores intelectuais, e sua consequente punição, “a sociedade vai perceber que eles estão ligados aos que não compareceram ao ato político de 8 de janeiro de 2024”, acredita Queiroz. Até o momento, nas duas primeiras etapas, as investigações atingiram pesadamente executores e financiadores.

Outro fato que deve repercutir nesse contexto negativo ao bolsonarismo ou seus aliados, para Queiroz, será a elucidação do caso Marielle, que o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, prometem para breve.

A ausência calculada de Lira

Já quanto a Arthur Lira, seu gesto de não comparecer aos eventos em defesa da democracia para lembrar o 8 de janeiro – no que foi seguido por muitos aliados – foi calculada, avalia Queiroz. Embora tenha usado o pretexto de doença na família (seu pai está realmente doente), as motivações do deputado foram outras.

Ele recebeu Bolsonaro em Alagoas no dia 3 de dezembro, em mais uma sinalização ao eleitorado bolsonarista e de oposição a Lula no parlamento. Por outro lado, o evento se deu nas dependências do Senado, presidido por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com quem Lira alimenta uma “disputa de vaidades”, lembra Queiroz.

Mas, no caso de Lira, não significa afastamento do Palácio do Planalto, “até porque ele vai depender muito do governo Lula após terminar o mandato dele na presidência da Câmara” (em 2025), observa.

Lira sabe que 2024 será um ano de colheita para Lula, com resultados concretos de suas políticas sociais e programas como o PAC, aumento real do salário mínimo, realizações que, entre outras, levam dinheiro à economia e geram empregos. “Os que não se manifestarem de forma clara (pela democracia, contra o golpismo) não vão se beneficiar dessa colheita”, diz o analista.

Lira sabe o que quer

Se Lira faz jogo duplo calculado, ele terá que fazer gestos em favor do governo nos próximos dias ou semanas, sob pena de o governo ter clareza de que ele não é um aliado confiável, “inclusive porque recebeu o comando de uma instituição da dimensão da Caixa”. Hoje, o poderoso banco estatal é presidido por Carlos Vieira, aliado de Lira. “Se não houver reciprocidade, o governo terá de congelar esse setor político”, acredita Queiroz.

E isso Lira tem clareza que não lhe interessa. Se ele não fizer o sucessor no comando da Câmara, o caminho ficará difícil para ele e seu enorme poder diminuirá sensivelmente. “Se ele romper com o governo terá muita dificuldade em fazer seu sucessor”, salienta o analista.

Ministros do STF

Também foram notadas no ato de desagravo à democracia de segunda-feira as ausências de quatro ministros do Supremo Tribunal Federal que não estavam na cerimônia conduzida na Corte pelo presidente Luís Roberto Barroso para marcar a data e celebrar a democracia: André Mendonça e Nunes Marques (ambos indicados por Bolsonaro), Dias Toffoli (por Lula) e Luiz Fux (por Dilma Rousseff).

Na opinião de Queiroz, essas foram ausências justificadas. “Eles não iriam interromper férias e viagens para vir ao evento, considerando que o Poder Judiciário estava representado pelo presidente do Supremo (Barroso) e do TSE (Alexandre de Moraes).”

Governadores que faltaram ao ato de um ano do ataque golpista