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Anistia não foi acordo e deve orgulhar a esquerda, defende Greenhalgh

Em evento promovido pela CUT, ex-deputado e advogado afirma que debate sobre o tema foi “rebaixado”

Roberto Parizotti/CUT
Roberto Parizotti/CUT
Vannuchi, Jana, Jandyra e Greenhalgh: luta pela memória

São Paulo – A Lei da Anistia (Lei 6.683, de 1979) suscita questionamentos até hoje, políticos e jurídicos, mas não pode deixar em segundo plano o movimento que tomou conta do país na segunda metade dos anos 1970. A defesa enfática dessa mobilização foi feita pelo ex-deputado e advogado de presos políticos Luiz Eduardo Greenhalgh, durante evento promovido pela CUT sobre a questão da busca pela verdade. “A luta pela anistia no Brasil foi vitoriosa”, afirmou. “Foi um enfrentamento.”

Greenhalgh se refere ao movimento por anistia ampla, geral e irrestrita, conforme se defendia naquele período. Não veio, mas o advogado sustenta que não se pode falar que a lei aprovada no Congresso foi resultado de um “acordo” com os militares. “Não teve acordo coisa nenhuma. Nós batemos chapa e perdemos.”

“Vigoroso, radical e influente”

Por “bater chapa” entenda-se o confronto entre dois projetos, o da oposição (ampla, geral e irrestrita) e o do governo ainda militar. “Por quatro votos não ganhamos. E a Arena (partido do regime, que só permitia duas legendas) tinha 78 deputados a mais.”

Greenhalgh relembrou exemplos de mobilização social que pressionaram a ditadura. “Os movimentos de anistia tiraram do isolamento os presos políticos. Foi tão vigoroso, radical e influente que conseguiu libertar uma brasileira que estava presa no Uruguai (Flávia Schilling, já em 1980, depois de passar seis anos em um penitenciária no país vizinho). A luta pela anistia foi rebaixada no Brasil. Foi uma luta que todos nós temos que nos orgulhar”, afirmou o advogado, citando ainda o 1º Congresso Brasileiro pela Anistia, realizado em novembro de 1978 no Teatro da Universidade Católica (Tuca), em São Paulo.

Reparação coletiva

Para ele, no momento atual, o caminho está na busca de reparações coletivas pelas perseguições cometidas nos locais de trabalho. Greenhalgh lembrou que havia muitos agentes do Dops e do Exército dentro das fábricas, “impedindo a organização sindical e marcando as pessoas para serem presas, para serem demitidas”. E enfatizou “a coragem, caráter e hombridade” de Dilma Rousseff para, quando presidenta, instituir a Comissão Nacional da Verdade, que funcionou de 2012 a 2014.

Ainda em relação ao tema da anistia, o advogado refuta o uso da expressão no caso dos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. “Eu não me conformo que diversos setores da esquerda brasileira vêm a público dizer que (os acusados) não merecem anistia. Anistia era uma autocrítica do Estado. O que o Estado tem a ver com o que aconteceu em 8 de janeiro? Eles não vão ter anistia porque a anistia não se aplica a eles.” Para Greenhalgh, mais preciso é dizer: “Sem perdão”.

Comissões da verdade

O ex-ministro Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) lembrou que a Comissão Nacional da Verdade surgiu anos antes, após vários debates e a avaliação sobre a necessidade de avançar em questões como busca dos corpos dos desaparecidos políticos e abertura de arquivos. Instalada em maio de 2012, significou o ponto de partida para uma centena de comissões – estaduais, regionais, temáticas. Uma segue na ativa, a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, em Pernambuco.

Durante o debate, mediado pela secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, Jandyra Uehara, também se falou na sempre delicada questão militar. “Não vamos ter saída. Algum dia vamos ter que enfrentar a questão militar no Brasil”, disse Greenhalgh. É, também, uma questão de correlação de forças, lembrou Vannuchi. “Não é poder moderador”, afirmou, referindo-se às Forças Armadas. “Tem que acatar as decisões da democracia representativa.”

A primeira a falar, na tarde desta terça-feira (26), foi Jana Silverman, professora de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC). “Esse tema tem muito a ver com os problemas estruturantes dos dias de hoje”, afirmou, citando questões como fake news, violência e frequentes ameaças à democracia, além do avanço mundial da extrema direita. “Temos que garantir que o Estado cumpra todas as sentenças da Corte Interamericana (de Direitos Humanos)”, acrescentou Jana. É preciso ainda, lembrou, garantir a instalação de centros de memória em locais onde a ditadura atuava.