Para Genoino, 1964 foi ‘alternativa autoritária e terrorista’ para barrar processo de conciliação
Ex-deputado e ex-preso político defende reparação e reforma das instituições para que o país possa avançar na consolidação da democracia
Publicado 27/03/2024 - 09h46
São Paulo – José Genoino prefere referir-se à ditadura iniciada em 1964 apenas como “militar” em vez de “civil-militar”, termo adotado por muitos pesquisadores. “As Forças Armadas eram o elemento central e decisório”, argumenta. Assim, define, era um “regime político sob o controle das Forças Armadas”. Ele também se refere a 1964 como “uma alternativa violenta e terrorista ao processo de conciliação”.
Conciliação que se expressava, por exemplo, nas reformas de base propostas pelo governo João Goulart. E anunciadas durante o famoso Comício da Central, no Rio de Janeiro, em 13 de março. Que tiveram como resposta o golpe dado menos de 20 dias depois.
Alternativa autoritária
Com isso, veio 1964, uma “alternativa autoritária hegemônica para resolver o problema estrutural do capitalismo brasileiro”. Os comentários de Genoino foram feitos durante evento organizado ontem (26) pela CUT, em sua sede, também com as presenças do ex-ministro Paulo Vannuchi, do ex-deputado e advogado Luiz Eduardo Greenhalgh; e da professora Jana Silverman, da Universidade Federal do ABC. Com reflexões sobre as origens e consequências do golpe – e as limitações dos movimentos por reparação, memória e verdade.
A própria central está atualizando o relatório de sua Comissão Nacional da Memória, Verdade e Justiça, lançado em 2015. “A CUT nasceu do protagonismo que o movimento sindical teve para a derrubada do regime militar”, afirma a secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos da entidade, Jandyra Uehara, que mediou o debate.
Reparação coletiva
Assim, a central estuda a melhor forma de apresentar pedidos de reparação coletiva pelas perseguições sofridas durante o período autoritário. Está previsto um seminário, em abril, para sistematizar a questão. Em junho, outro evento, possivelmente no Teatro da Universidade Católica (Tuca), vai refletir sobre os 60 anos do golpe.
Um golpe que se “autolegitimou”, como disse Genoino, logo no início. Ele citou o Ato Institucional número 1 (AI-1), baixado pelos comandantes militares em 9 de abril de 1964. “Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação”, diz um trecho.
Punição ou reparação
“Você cria um autoritarismo ditatorial que não tem limite”, observa o ex-deputado e ex-presidente nacional do PT. “As Forças Armadas deram centralidade política ao comando naquele momento”, reforça. Segundo ele, a questão da tutela militar no Brasil vem desde os tempos da Constituição republicana.
Agora, para Genoino, talvez mais importante do que a punição seja a reparação. “A radicalidade não está essencialmente em botar este ou aquele na cadeia. Faltou um discurso de reparação. Ele é mais revolucionário do que prender A, B ou C.” É necessário, também, reformar as instituições, defende. Nesse sentido, o ex-deputado acredita que uma “profunda” reforma política representaria a melhor homenagem que se poderia prestar a Marielle Franco. “A esquerda tem de ser protagonista de um caminho, que está em disputa.”
Geração eliminada
Preso no início da Guerrilha da Araguaia, nos anos 1970, Genoino lamenta o destino de sua geração, que poderia ter dado outros rumos ao país. Uma “vanguarda cultural, social e política” que emergiu entre os anos 1950 e 1960. Praticamente metade foi eliminada. “Aquela geração se jogou. Na ideia do sonho, da perspectiva, da esperança.”
Por falar em rumos, em 11 de abril Genoino lança o livro Constituinte – Avanços, herança e crises institucionais (Kotter Editorial), escrito em parceria com a professora Andrea Caldas. Ele foi um dos mais ativos deputados constituintes.