Invisíveis

Capítulo incompleto da ditadura: estudo aponta quase 1.700 camponeses mortos ou desaparecidos

Pesquisador conclui que número de vítimas no campo de 1964 a 1988 é muitas vezes maior que o oficial

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São Paulo – A repressão no campo a partir da ditadura é um capítulo ainda por estudar, mas que ganhou importante contribuição do ex-preso político e pesquisador Gilney Viana, que há décadas se dedica ao assunto. Hoje colaborador na Universidade de Brasília (UnB), ele realizou estudo, ainda inédito, mostrando que 1.654 camponeses foram mortos ou desapareceram a partir do golpe de 1964 até a promulgação da Constituição, em outubro de 1988.

O número supera em quase quatro vezes o do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que listou 434 mortos e desaparecidos, sendo 41 camponeses. Para Viana, o colegiado “diminuiu seu papel histórico ao reconhecer apenas 434 mortos e desaparecidos, apesar de conhecer a existência de milhares de mortos e desaparecidos forçados”.

Comissão camponesa

Em 2012, movimentos e pesquisadores criaram a Comissão Camponesa da Verdade (CCV), com participação de Gilney Viana. Depois disso, no ano seguinte, em entrevista à Revista do Brasil (que deixou de circular no início de 2017), ele lembrou que os levantamentos já apontavam 1.200 camponeses mortos e desaparecidos de 1964 a 1985. Na época coordenador do projeto Direito à Memória e à Verdade da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), o ativista já falava em “invisibilidade” do trabalhador rural. “É a memória viva da luta camponesa no Brasil, que não tem o devido registro histórico.”

Agora, em entrevista a Rubens Valente, da Agência Pública, Gilney Viana conta que incluiu o governo José Sarney (1985-1989) por considerá-lo ainda um regime de exceção. “Como [consideram] as leis da justiça de transição, período este que herdou parte da política repressiva da ditadura, com maior gravidade sobre os camponeses”, afirma.

Resistência à ditadura

Assim, com mais de 400 páginas, o estudo A resistência camponesa à ditadura militar ainda aguarda publicação. Com fontes diversas, conclui que pelo menos 16.578 camponeses foram vítimas de algum tipo de “repressão política” de 1964 a 1988. O que inclui prisão, agressões físicas, tentativas de homicídio e assassinato. E nada menos que 7.512 dessas ocorrências ocorreram já no período Sarney.

“Historicamente, desde o Brasil Colônia, o Estado que chegava ao campo na forma de vilas, fazendas ou grandes plantações era representado pelo próprio latifundiário. Originalmente se chamavam os “coronéis”. E o poder político era fundamentalmente deles no interior do país. Claro que eles repassavam isso para lideranças naquele esquema da Velha República. Esse Estado profundo a ditadura não alterou, porque eles eram a base de apoio da ditadura”, observa o pesquisador na entrevista à Pública.