Diplomacia da doença

Bolsonaro recusou 43 milhões de doses de vacinas da Covax

Apesar das vantagens reconhecidas em negociar coletivamente, como acesso aos imunizantes “a preços inferiores aos de mercado”, governo negou oferta de 86 milhões de doses, optando pela quantidade mínima

Carol Garcia/ GOVBA
Carol Garcia/ GOVBA
Estratégia do governo foi "ganhar tempo", adiando a decisão de aderir à iniciativa internacional

São Paulo – Telegramas sigilosos do Itamaraty revelam que o governo do presidente Jair Bolsonaro recusou oferta de 86 milhões de doses de vacinas contra a covid-19. O montante foi sugerido pelo consórcio Covax Facility ainda no primeiro semestre de 2020, e seria suficiente para vacinar 20% da população brasileira. Em vez disso, depois de longas negociações, o governo brasileiro optou por adquirir apenas 43 milhões de doses, recusando igual quantidade.

As informações constam na correspondência diplomática entre o Ministério das Relações Exteriores e a embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo, chefe da missão brasileira em Genebra, na Suíça. Os documentos sigilosos, obtidos pela CPI da Covid, foram divulgados nesta quinta-feira (10) pelo jornalista Jamil Chade, em reportagem publicada no portal UOL.

Nessa correspondência, o Itamaraty reconhece as vantagens de integrar a Covax Facility, esforço coordenado pela Gavi Alliance. Ao participar da aliança, o Brasil teria “acesso a futuras vacinas contra a covid-19 a preços inferior aos do mercado”, por exemplo. Além disso, o mecanismo de compra coletiva serviria para “compartilhar riscos” entre maior número de países.

Ganhando tempo, perdendo vidas

Apesar desses benefícios, o governo brasileiro optou  por “ganhar tempo” ao arrastar o processo de inclusão no consórcio, revelam os telegramas. O país já havia chegado atrasado, pois não participou da primeira reunião da Covax Facility, ocorrida em abril do ano passado. A atitude não foi bem recebida pelo grupo. Meses depois, em julho de 2020, o ministério manifestou interesse em participar da iniciativa.

Nesse momento foi apresentada a oferta de 83 milhões de doses. Mas houve recuo do governo, quando tomou conhecimento das vacinas que fariam parte da iniciativa naquele momento. Eram nove imunizantes em desenvolvimento. A lista incluía as da Universidade de Oxford-AstraZeneca, a Clover BioPharmaceuticals, do Instituto Pasteur, da Universidade de Hong Kong, a Novavax, a da Universidade de Queensland, a da Moderna, da Inovio Pharmaceuticals e a CureVac.

“Em análise preliminar, o Ministério da Saúde indicou que as vacinas contempladas encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento, razão pela qual haveria ainda bastante incerteza quanto a seus resultados finais”, explica o telegrama. Ao final, o governo brasileiro optou por adquirir apenas a metade do total de imunizantes ofertados.