CPI da Covid

Senadores que defendem remédio ineficaz contra covid ‘repetem crime’

Especialistas avaliam os primeiros depoimentos na comissão e apontam que eles confirmam que o governo Bolsonaro “sabia que estava expondo a população à morte”

Jefferson Rudy/Agência Senado
Jefferson Rudy/Agência Senado
Bolsonarista Luiz Carlos Heinze (PP-RS) voltou a defender remédios para o chamado "tratamento precoce", como a cloroquina, que comprovadamente possui efeitos adversos graves

São Paulo – A insistência de senadores governistas em defender medicamentos sem eficácia contra a covid-19, como a cloroquina, na CPI da Covid, chamou a atenção do epidemiologista Pedro Hallal, ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). “É a ciência do Whatsapp sendo apresentada na investigação”, ironizou, em entrevista Marilu Cabañas, no Jornal Brasil Atual. Para ele, a reiterada defesa do chamado “tratamento precoce”, mesmo diante de estudos que comprovam sua ineficácia contra a doença, revelam que esta não é apenas uma questão “ideológica”, mas uma “pauta criminosa”. 

“Os senadores estão ali na condição de investigadores, mas eles próprios repetem o crime de quem está sendo investigado. A CPI está ali para apurar justamente isso, o uso e a propaganda inadequadas de medicamentos sem eficácia. E aí o próprio investigador repete o crime”, contesta Hallal. 

A comissão averigua irresponsabilidades cometidas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro ante a pandemia. Mas para tentar evitar a imputação de culpa ao mandatário, senadores bolsonaristas, como Luis Carlos Heinze (PP-RS), vêm desde o primeiro dia dos trabalhos defendendo o uso da cloroquina, hidroxicloroquina, entre outros medicamentos que, desde início da pandemia, contaram com investimentos do governo federal para a produção e distribuição. 

Faltou ênfase

Heinze, que é agrônomo, afirmou na terça-feira (4) que, apesar de não ser médico, estava estudando o assunto “há três semanas”. Ontem, o senador voltou a subir o tom na sabatina com o ex-ministro Nelson Teich, que alegava ter deixado o comando da pasta justamente por discordar da pressão do governo pelo uso da cloroquina. Em oposição à ciência, Heinze apelou novamente em favor do medicamento, com apoio também dos senadores governistas Eduardo Girão (Podemos-CE), Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Mello (PL-SC).

Por conta da seriedade do tema, a avaliação do ex-reitor da UFPEL é que a postura de Teich ficou aquém do esperado no momento em que os senadores apresentaram as fake news. “Faltou um pouco mais de ênfase na resposta dizendo que esses medicamentos não funcionam, o que já está comprovado. A própria existência da CPI é por causa disso, esses senhores estão cometendo os mesmos crimes pelos quais o presidente da República está sendo investigado. Acho que faltou só isso. No mais, foi uma resposta técnica”, ressaltou Hallal. 

Omissão está evidente

Até o momento, contudo, os dois primeiros depoimentos na comissão evidenciam, segundo o epidemiologista, a responsabilidade do governo Bolsonaro sobre a crise sanitária, que já matou mais de 414 mil pessoas e há 50 dias seguidos registra uma média acima de 2 mil óbitos diários. O ex-ministro da Saúde Arthur Chioro vai no mesmo sentido, em comentário feito no Seu Jornal da TVT.

“Elementos novos deverão vir à tona a partir dos próximos depoimentos. E me parece que haverá condições de confirmação da tese de ação dolosa do presidente Jair Bolsonaro, o grande responsável por esse genocídio que o Brasil vive”, apontou.

Bolsonaro voltou a disparar seu arsenal negacionista, atacando a China, o distanciamento social e defendendo o “tratamento precoce” ineficaz. Algo já “natural” para ele, como lamenta Hallal. “Não houve nenhum momento em que o presidente teve coragem de vir a público dizer que errou, que esta não era uma ‘gripezinha’ e não foram 800 mortos. É esta característica de falta de coragem que faz também com que o ex-ministro (Eduardo Pazuello) não vá à CPI”, ressaltou. “Tem milhares de pessoas morrendo por causa dessas atitudes vexatórias que colocam o Brasil como a grande vitrine mundial do que não fazer para enfrentar a pandemia de covid.”

Confira a entrevista na íntegra 

Redação: Clara Assunção