Caso Isa Penna

Deputado acusado de assédio tem punição abrandada. Colegas usam a Bíblia para impedir pena maior

Flagrado apalpando a deputada Isa Penna, Fernando Cury teve a pena reduzida. Autor de voto em separado, Wellington Moura diz que “como cristão, seria difícil não perdoá-lo”

REPRODUÇÃO/ALESP
REPRODUÇÃO/ALESP
Deputada Erica Malunguinho (Psol) critica articulação de colegas de Cury e diz que votação mostra a "a cara do Brasil machista. Passa pano para assédio"

São Paulo – Por cinco votos a quatro, o Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) derrubou nesta sexta-feira (5) o parecer do relator que pedia a suspensão do mandato por seis meses, sem remuneração, do deputado estadual Fernando Cury (Cidadania) pelo crime de importunação sexual contra a também deputada Isa Penna (Psol). O relatório havia sido apresentado na quarta (3) por Emídio de Souza (PT), que defendia como pena mais justa a cassação, mas, diante da composição do colegiado e do plenário da Assembleia, optou pelo afastamento por 180 dias, afirmando que este seria o entendimento dos membros do conselho. 

O parecer poderia ter sido votado no mesmo dia. No entanto, em conjunto, três deputados pediram vista e a análise foi adiada para hoje. Contudo, ontem, os mesmos parlamentares articularam uma operação para reverter a negociação construída, conforme mostrou reportagem do jornal Folha de S. Paulo. Logo no início da sessão de hoje, o deputado Wellington Moura (Republicanos) apresentou voto em separado, propondo a suspensão de Cury por 119 dias, sem os subsídios, mas a com a manutenção de funcionamento do gabinete. 

Em sua leitura, o deputado defendeu que a “penalidade não poderia ser estendida aos servidores que atuam no gabinete de Cury”. O voto em separado foi seguido pelos deputados Delegado Olim (PP), Adalberto Freitas (PSL), Alex Madureira (PSD) e Estevam Galvão (DEM), corregedor do Conselho de Ética. 

Atenuando a pena

O abrandamento da pena não passou sem críticas dos demais deputados numa sessão marcada por tumultos e queixas de quebra de decoro. O relator apontou que “esse clima, de ora querer votar, ora querer pedir vistas” era para “construir uma maioria casual para aliviar a situação do deputado Fernando Cury que sim, errou, e precisa ser punido com uma punição que não seja como um período de férias”, contestou Emídio. 

“Essa tentativa de derrubar para menos de 120 dias, para garantir os funcionários, é uma pequenez. O que eles querem é preservar os direitos de quem vai ser punido, e por isso propõem a pena de 119 dias. O número de 119 não é cabalístico, é para ficar abaixo do que a Constituição da Assembleia preconiza”, acrescentou. 

Voto pela família

Moura rebateu as acusações, alegando que a punição maior a Cury, com a paralisação temporária do gabinete, seria como uma pena aplicada a um pai de família que rouba alimentos no supermercado para alimentar a família, mas tem prisão estendida para sua esposa e filhos. “É isso que se pretende com esse julgamento”, afirmou, acrescentando que “seria difícil para mim, como um cristão, não saber perdoar, não ter misericórdia”. 

“O deputado Fernando Cury é pai, é um deputado que é ‘família’, é marido de uma só mulher. O deputado Fernando Cury que eu conheço há cinco anos é um deputado que ama a sua esposa, é carinhoso, foi excessivo, errou com a deputada, mas merece uma segunda chance como todos nós”, declarou, citando ainda passagens bíblicas. “Quem não tem pecado que atire a primeira pedra. A deputada merece que nós reconheçamos o erro e dê a maior punição (…) Eu puno com 119 dias, o limite máximo que o deputado pode ficar afastado da Assembleia.” 

Aprender a perdoar

Ao final de sua fala, Moura ainda se dirigiu à deputada Isa Penna, que assistia à sessão, pedindo para que ela perdoasse seu assediador pela importunação flagrada pelas câmeras da TV Alesp. “Acredito que existe o amor de Deus dentro de você para você nesse momento aprender a perdoar”, cobrou o deputado do Republicanos. 

Com o tempo de fala esgotado, a presidenta do conselho, Maria Lúcia Amary (PSDB), concedeu à deputada Marina Helou (Rede Sustentabilidade) o direito de pronunciamento, previsto no regimento. Como procuradora adjunta da Procuradoria da Mulher da Alesp, Marina observou que a pena defendida pelos colegas de Cury seria uma “licença para que todos os servidores continuem trabalhando pelos projetos do deputado”. “Não é uma punição”, frisou. “Como mulher, peço que não subestimem nossa inteligência. Está estampado para todos que o afastamento do deputado por 120 dias não é uma punição, é tentativa de ‘tapar o sol com a peneira’ e que não traz nenhum prejuízo real a um deputado que errou.”

Marina completou sua fala ironizando o apelo do autor do voto separado à fé cristã. “Na Bíblia também diz que é importante pagar pelo erro.” Porém, ao final de todas as colocações, os votos do relator e dos deputados Barros Munhoz (PSB), Erica Malunguinho (Psol) e da presidenta do colegiado acabaram vencidos. Ao confirmar o resultado, mais favorável a Cury, Emídio, Erica e Barros pediram declaração de voto, mas a solicitação não pode ser realizada por falta de quórum.

Colegas de Cury deixaram sessão

Juntos, Wellington Moura, Delegado Olim, Adalberto Freitas, Alex Madureira e Estevam Galvão se retiraram da sessão para impedir que fosse dado prosseguimento à análise do caso. Maria Lúcia considerou a postura dos parlamentares como “total desrespeito a mim como deputada e mulher. Tínhamos o momento de responder para a sociedade como se deve comportar uma comissão de ética e essa comissão não se comportou de forma democrática”. 

A presidenta do colegiado ainda considerou a decisão final como uma resposta “negativa” à sociedade e foi referendada por Erica Malunguinho. A deputada enfatizou que o resultado mostra “a cara do Brasil machista que ‘passa pano’ para assédio. Usa do discurso de uma moral cristã na hora que é conveniente, mas na hora dos conchavos diz que é político. Corporativismo masculino age assim”, analisou. 

Erica tentou dissuadir os deputados do voto separado, ressaltando que uma pena mais branda estaria dizendo que a luta das mulheres “é uma falácia”. Ela advertia que a violência de gênero e o feminicídio, que aumentou em todo o país durante a pandemia, “é fruto da mesma gênese” do gesto de assédio de Fernando Cury. “O processo de inferiorização do corpo e da existência da mulher, que faz com os homens se sintam autorizados a tocá-lo, a sobrepor a voz como aconteceu com Maria Lúcia (na comissão), a não levar em consideração o que estamos falando”, denunciou. 

Deputados renunciam no conselho

“Esse conselho tem a responsabilidade política e social. (…) estamos respondendo à violência denunciada pelas mulheres desse mundo”, continuou. O entendimento de que a decisão entraria para a história do Legislativo paulista também foi ressaltada por Emídio e Barros Munhoz. O deputado do PSB chamou de “cômica” a proposta de afastamento de Moura por 119 dias. “Será que é isso que queremos para a Assembleia Legislativa de São Paulo?”, questionou.

Barros Munhoz ainda acusou Fernando Cury de “faltar com a verdade” em sua defesa, e informou que ele estava bêbado no dia da sessão plenária de 16 de dezembro, quando o assédio foi cometido. Naquele dia, o deputado garantiu que o gabinete de Cury “ficou aberto até às 4h”. “Você tem que pagar pelo que fez. A única maneira de recuperar a sua dignidade é renunciar ao mandato”, propôs. 

Ao final da reunião, com o resultado articulado, o parlamentar do PSB renunciou ao cargo no colegiado. “Saio do conselho que não merece o nome de Conselho de Ética.” Emídio também apresentou sua renúncia e apontou que os cinco deputados “compactuaram pela sacanagem” do crime de importunação. “Esse conselho está se comportando de maneira vergonhosa.” 

Representada pelo advogado Francisco Almeida Prado, a deputada Isa Penna não se manifestou durante a sessão, segundo sua defesa, pela “preservação do procedimento e para evitar alegações posteriores por nulidade do processo”. Pelas redes sociais, Isa Penna lamentou a decisão final. “O machismo dentro da Alesp tem que acabar! Esse corporativismo prevalece nas decisões mais importantes. Essa resposta pra sociedade que o Conselho deu hoje é VERGONHOSA”, tuitou. 

O caso agora será encaminhado à Mesa Diretora, que levará ao plenário da Casa a condenação para votação que exige quórum de 48 deputados.


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