Entrevista

Bandeira de Mello: ‘Quando o presidente da República diz esses disparates, é o final dos tempos’

“Só botando ele para fora”, diz o jurista sobre Bolsonaro. O problema, em sua opinião, é que no momento não há perspectivas e nem reação suficiente para isso

Youtube-Reprodução/Eduardo Matysiak - Carolina Antunes/PR
Youtube-Reprodução/Eduardo Matysiak - Carolina Antunes/PR
"O Brasil já tinha que ter reagido há muito tempo. Infelizmente não reage, aceita tudo", diz jurista

São Paulo – “Estou desiludido.” A curta frase é do jurista e constitucionalista Celso Antônio Bandeira de Mello, sobre a trágica situação do Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro. Com números da pandemia batendo recordes e crescendo, escassez de vacinas e hospitais no limite da capacidade em todo o país, a população ainda testemunha, praticamente todos os dias, declarações irrealistas e de afronta à vida dadas pelo presidente da República.

Quando o escárnio não vem do chefe de governo, vem de alguns de seus colaboradores mais próximos. Nesta sexta-feira (5), por exemplo, foi a vez do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, dar sua contribuição. Para ele, o aumento do número de casos de covid-19 no país é “normal”. “Sobre os números de casos e mortes, é muito trágico, mas aparentemente é normal após o início de uma vacinação em massa os casos subirem nos países e então abruptamente caírem”, soltou o “chanceler” brasileiro, sem apresentar nenhum dado científico. Ele participava do evento “Brazil-U.S. Relations: A Conversation with Ernesto Araújo”, do Conselho da Américas, organização privada fundada pelo magnata David Rockfeller em 1963. Segundo Araújo, diante da crise, o sistema de saúde brasileiro “está conseguindo suportar bem”. “Tem falta de UTI em alguns estados, mas, no geral, o sistema está suportando bem”, acrescentou.

“Falta educação cívica”

Já Bandeira de Mello vê outra realidade. “Quando o presidente da República diz os disparates que diz, é o final dos tempos. Só botando ele para fora”, afirma o jurista à RBA. O problema, em sua opinião, é que no momento não há perspectivas visíveis de que essa possibilidade se concretize.

“Porque não há reação suficiente para isso. Enquanto estiver no poder esse presidente, vai continuar horrível. O Brasil já tinha que ter reagido há muito tempo. Infelizmente não reage, aceita tudo”, lamenta. Para Bandeira de Mello, o motivo principal para a passividade “muito grande do povo” diante da situação do Brasil é a educação. “Para nós, falta educação cívica.”

Na quinta-feira (4), ao comentar sobre as vacinas cobradas pela maioria do povo brasileiro, pela mídia e por governadores dos estados, Bolsonaro perdeu o controle. “Tem idiota que a gente vê nas redes sociais, na imprensa, ‘vai comprar vacina’. Só se for na casa da tua mãe”, declarou.

Diante de fatos que se acumulam durante o mandato do atual presidente, Bandeira de Mello tem avaliação semelhante à do advogado Wadih Damous sobre o papel do Supremo Tribunal Federal. “O Supremo tem que atender o papel funcional dele. Ele só atua sob provocação. Se não houver provocação, o que pode fazer? Nada. A Procuradoria-Geral da República é que não está agindo”, diz.

Os ministros Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, do STF, já enviaram noticias-crime contra Bolsonaro à PGR. Nenhuma delas, até o momento, teve resposta do procutador-geral, Augusto Aras.

Na Alesp, assédio impune

Como outro exemplo ilustrativo do quadro que o deixa desiludido com o país, Bandeira de Mello cita o caso do deputado Fernando Cury (Cidadania), acusado assédio contra a deputada Isa Penna (PSOL). “Um deputado que ‘passa a mão’ numa colega não merece continuar. Teve uma punição muito leve. Nem ao menos é expulso (do mandato). Então, está tudo perdido”, conclui o jurista.

Nesta sexta (5), o chamado Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) votou a punição de Fernando Cury. O colegiado decidiu pela suspensão do deputado por 119 dias. Agora, a decisão vai a plenário. Isa Penna, que havia pedido ao conselho a cassação do mandato de Cury, vai entrar com um pedido para que o parlamento estadual suspenda o colega por um ano.