Entrevista

Na luta contra o fascismo é necessário agregar forças, defende Cardozo

Para ex-ministro da Justiça, não há a formulação de programas conjuntos, pactuados, da esquerda à direita democrática, que apontem uma saída para o país

Antonio Cruz/Agência Brasil
Antonio Cruz/Agência Brasil
"Os que defendem o Estado democrático de direito social têm que estar juntos", defende Cardozo

São Paulo – A abertura de um processo de impeachment do presidente Jair Bolsonaro esbarra, no momento, em obstáculos políticos. É o que avalia o ex-ministro da Justiça José Eduardo Martins Cardozo. Ele lembra que o processo é jurídico-político. Os pressupostos jurídicos estão dados, já que o chefe de governo já incorreu em diversos crimes de responsabilidade, na opinião do ex-ministro. Quanto ao pressuposto político, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem compete colocar o impeachment em andamento, não tem a intenção de fazê-lo. “Eu não vejo nenhum tipo de crime atribuído ao presidente”, disse Maia, na terça-feira (7).

“Ele diz que não pode. Não pode porque Bolsonaro, por incrível que possa parecer, ainda tem um nível de aceitação social muito grande e abrir um processo de impeachment comprometeria o projeto político que o próprio Maia representa”, diz Cardozo, em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, no Jornal Brasil Atual desta segunda-feira (10). Para ele, “a ligeira subida” na popularidade de Bolsonaro nas pesquisas pode ser consequência do auxílio emergencial, que o governo paga em cumprimento de lei aprovada no Congresso Nacional.

Apesar da impossibilidade política de se abrir um processo para apear Bolsonaro do poder, Cardozo vê vários motivos pelos quais ele pode ser enquadrado num processo de impeachment, tanto pelas normas da Constituição Federal de 1988 quanto pela Lei n° 1079/1950.

Como, por exemplo, o presidente chamar a população para  participar de atos contra as instituições, ou propor que se desrespeitem as regras de saúde pública que seu próprio governo estabeleceu durante a pandemia de coronavírus, assim como “tentar capturar” a Polícia Federal para defender seus próprios interesses. O ex-ministro avalia que Rodrigo Maia, ao dizer que não vê crime de responsabilidade na conduta de Bolsonaro, “tentou esconder o sol com a peneira para justificar seu projeto político”.

“Falham os setores humanistas”

Na opinião do ministro do governo Dilma Rousseff, a esquerda e todos os setores democráticos do país estão falhando no enfrentamento de Bolsonaro e seu autoritarismo. “Falham os setores humanistas, de esquerda e democráticos da sociedade brasileira, que não conseguem ter um projeto de oposição. Estamos o tempo inteiro fazendo oposição baseados na crítica à conduta de Bolsonaro, nas suas demências. Isso não basta”, diz.

“Porque as pessoas que acham Bolsonaro um mito não vislumbram uma alternativa a isso.” Cardozo acredita que esse amplo espectro político do país tem que “oferecer unificadamente” à sociedade brasileira um programa para sair da crise. “Nós somos responsáveis também, e me incluo nisso, pelo fato de que não existem condições sociais para forçar o Congresso a abrir um processe de impeachment. Estamos aquém do nosso desafio histórico.”

Para ele, está faltando “maturidade” para entender que, na luta contra o fascismo, “é necessário agregar forças, o que não significa abdicar da nossa disputa contra as pessoas que estão conosco”. “Estamos disputando hegemonias”, critica. Nesse sentido, segundo ele, não há a formulação de programas conjuntos, pactuados, que apontem uma saída para o país, na atual conjuntura.

“Pactuar significa, não abrir mão dos seus princípios, mas ajustar ações comuns. Ações comuns que possam, no plano da grande política, apontar saída para o país. Os que defendem o Estado democrático de direito social têm que estar juntos, com matizes à esquerda e mais à direita. Parece que não temos a grandiosidade histórica de perceber isso. Estamos dispersos enquanto pontifica Jair Bolsonaro e suas emas”, diz.

Ministério da Justiça e dossiê

Na entrevista, Cardozo comentou a ação sigilosa do Ministério da Justiça contra um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança, identificados como “movimento antifascismo”, e três professores universitários, por serem críticos do governo. A pasta é chefiada pelo ministro André Mendonça.

O ex-ministro observa que conhece Mendonça de atividades acadêmicas e, embora tenha divergências com ele, o respeita. Mas, neste caso, diz que o dossiê do ministério “tem característica persecutória indiscutível, inaceitável, ilegal, (que) fere todos os princípios constitucionais do Estado de direito”.  

Mendonça tem que abrir uma sindicância e apurar o caso até as últimas consequências, defende. “Mas não foi isso o que foi feito.” Cardozo suspeita do motivo que impede a apuração do caso. “Será que essa ordem não veio de Jair Bolsonaro?”