Pesquisa Datafolha

Auxílio emergencial e ‘normalização’ da pandemia podem explicar melhora na aprovação de Bolsonaro

Presidente muda de postura e adota comportamento mais cauteloso, silenciando sobre questões incômodas como o caso Queiroz

Alan Santos/PR
Alan Santos/PR
Negacionista da pandemia, Bolsonaro segue causando aglomeração em atos eleitoreiros

São Paulo – Pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta-feira (14) aponta recuperação da taxas de aprovação e queda no índice de reprovação do presidente Jair Bolsonaro. Isso ocorre num momento em que o país ultrapassa a marca dos 105 mil mortos pela pandemia, menosprezada pelo presidente, que insiste em negar sua gravidade. Além disso, intensificam-se as evidências de crimes de responsabilidade por parte de Bolsonaro e denúncias envolvendo diretamente seu gabinete e o de seus familiares.

Esse feito pode ter como base o peso da guerra de narrativas emplacada pelo presidente e por suas milícias digitais. Ainda ontem, em um típico evento de campanha, durante inauguração de uma área de lazer, em Belém, Bolsonaro disse que “muitas vidas poderiam ter sido evitadas”, se mais pessoas tivessem utilizado a hidroxicloroquina para tratar a covid-19. Além do ato falho, o presidente mentiu, já que diversos estudos comprovam a ineficácia dessa medicação no tratamento da doença. A Organização Mundial da Saúde (OMS) encerrou em definitivo os estudos com a droga, e até os Estados Unidos revogaram a autorização para a sua aplicação. Mas, no Brasil, a versão ainda prospera.

De acordo com o levantamento, parte da recuperação da popularidade teria relação com o auxílio emergencial de R$ 600. Pelo Datafolha, caiu de 44% para 34%, em três semanas, a taxa de ruim/péssimo do governo Bolsonaro. Enquanto subiu de 32% para 37% o percentual de brasileiros que consideram seu governo ótimo ou bom. Três desse destes pontos percentuais de alta vêm de grupos que são alvo do auxílio emergencial, segundo análise de Mauro Paulino e Alessandro Janoni, diretores do instituto.

“Sobre o futuro, a percepção da população quanto a vetores como inflação, desemprego e poder de compra nos próximos meses pode gerar esperança na manutenção do auxílio emergencial e será mais um dos pontos a pautar o debate sobre a adequação da agenda econômica do governo aos anseios eleitorais do presidente”, avaliam os diretores do Datafolha.

Auxílio emergencial e providencial

Esse índice de aprovação não seria o mesmo, se, em vez dos R$ 600, os atingidos pelos efeitos econômicos do pandemia recebessem apenas R$ 200, e somente pelos três primeiros meses de pandemia. Essa era a proposta defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, quando a doença começava a se alastrar.

Foi o Congresso Nacional, em ofensiva conjunta dos partidos da oposição, que fez o auxílio chegar ao valor atual. Mas, como é o governo federal que paga, acaba levando os méritos. Sobretudo porque o governo propagandeia esse benefício como obra sua e porque os meios de comunicação – inclusive os supostamente críticos ao governo – não dão voz aos oposicionistas para que a verdade seja dita. Mesmo para veículos que aparentam “denunciar” as mazelas de Bolsonaro, como a Rede Globo, defender o projeto neoliberal está acima de tudo, e as ideias de Guedes acima de todos.

Segundo a socióloga e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Esther Solano, é o impacto do auxílio, principalmente no Nordeste, que explica o salto de popularidade. Principalmente entre as classes C e D, as mais atingidas pelo desemprego e pela crise.

“Muitos, inclusive, reconhecem a irresponsabilidade de Bolsonaro na pandemia, mas são os R$ 600 reais que os permitem sobreviver. A maioria não faz ideia de que esta medida seja autoria da oposição. É o governo quem possibilita por comida na mesa. Em vez de pensar que milhões de brasileiros empobrecidos são burros talvez deveríamos pensar no que a esquerda pode fazer para tirar o monstro do poder”, afirmou nas redes sociais.

O professor da UFABC Gilberto Maringoni também destaca o impacto do “dinheiro no bolso”. “Daí minha quase certeza de que Bolsonaro fará tudo para prolongá-lo até o fim de seu mandato. Brigará com Guedes, furará o teto de gastos, mas não romperá com sua base social. Repito sempre: o capitão é tosco mas não é burro”, disse também nas redes. Ele destaca que o apoio ao impeachment do capitão é “cadente”. E cabe à oposição, segundo ele, concentrar às críticas no inexistente combate à covid-19.

Abertura na marra

Outra mentira contada pelas milícias digitais bolsonaristas é que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria limitado as ações do governo no combate à pandemia. A verdade é que os ministros decidiram que estados e municípios teriam autonomia para adotar medidas restritivas de combate à doença, dada a omissão do governo federal.

Bolsonaro usou essa decisão para despejar a “culpa” das consequências da pandemia sobre prefeitos e governadores, tanto em relação à escalada no número de vítimas da covid-19, quanto aos efeitos econômicos das medidas de isolamento.

Sem diretriz unificada, parte dos chefes dos Executivos locais demonstrou algum esforço para manter as medidas de distanciamento, enquanto outros flexibilizaram o isolamento, cedendo às pressões dos grupos de interesses do setor empresarial. E também de amplas camadas de trabalhadores, sobretudo os por conta própria, que não têm como aderir ao isolamento sob pena de não conseguirem alimentar sua famílias e pagar as contas.

Fator Queiroz

Apesar das evidências, Bolsonaro continua negando relação com o escândalo da rachadinha, esquema que seria comandado por Queiroz e pelo filho e senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). O ex-presidente Lula chegou a explicar, em entrevista, que o silêncio de Bolsonaro nas últimas semanas “se chama Queiroz”. Desde que passou a ter sua imagem arranhada por denúncias, Jair Bolsonaro adotou uma conduta de menos confronto com as instituições, segundo Lula. A opinião pública ainda parece preferir um líder político que adota menos a linha do confronto.

As investigações do esquema envolvendo Flávio Bolsonaro e Queiroz apontam que os depósitos do ex-assessor também engordaram as contas da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. A filha de Queiroz – assessora fantasma no gabinete de Bolsonaro quando ele ainda era deputado – também é apontada como participante do esquema.

A prisão de Queiroz – amigo de Bolsonaro desde 1984 – causou uma mudança brusca no comportamento do presidente. Antes do evento, ele incitava seus apoiadores a atacar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Com a família na mira da Justiça, tal postura foi abandonada.

Afeito aos holofotes, o presidente também abandonou as entrevistas no cercadinho do Palácio do Alvorada, desde que as perguntas incômodas sobre as suspeitas de corrupção envolvendo a família passaram a se sobrepor à gritaria dos seus apoiadores contra jornalistas.


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