Coronavírus

‘É preciso neutralizar a bestialidade do presidente da República’, diz ex-ministro da Saúde

Arthur Chioro explica que, além do desafio da emergência sanitária, país ainda precisa lidar com a falta de uma resposta econômica e social do presidente, que usa da máquina pública para desobedecer diretrizes da OMS

Isac Nóbrega/PR
Isac Nóbrega/PR
Além da campanha contra as medidas de isolamento, Bolsonaro foi às ruas incentivar o fim da quarentena

São Paulo – O Brasil já contabiliza 77 mortes e 2.915 casos de coronavírus, conforme último informe do Ministério da Saúde divulgado nesta quinta-feira (27). Em um mês, o país saltou de uma para 700 ocorrências, com um aumento de 37% no total de óbitos de quarta para quinta. Para o médico sanitarista, professor universitário e ex-ministro da Saúde no governo Dilma Rousseff, Arthur Chioro, o cenário deve ser visto com “muita preocupação”. 

Em entrevista aos jornalistas Marilu Cabanãs e Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, o ex-ministro confirma que estamos reproduzindo a mesma tendência identificada em países europeus, na China e no Irã no início da pandemia e defende a manutenção das medidas de restrição social. 

“Nós não estamos vivendo uma situação tranquila, não estamos vivendo uma situação diferente daquela da Itália e Espanha e de outros países. Portanto, com qualquer medida de volta à normalidade, muito provavelmente reproduziremos a tragédia que foi e está sendo a pandemia na Itália e na Espanha”, destaca Chioro. 

A preocupação do médico sanitarista leva em conta a postura do presidente Jair Bolsonaro, que, ao longo desta semana, contrariando as diretrizes e recomendações do próprio Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS), pediu em pronunciamento nacional a “volta à normalidade” e o fim da ordem de isolamento social, uma vez que a doença Covid-19 não “passaria de uma gripezinha”. 

Nota de repúdio

Nesta quinta, sete ex-ministros da Saúde divulgaram nota repudiando as declarações de Bolsonaro minimizando a pandemia, e pontuaram que, no país, “há três grandes inimigos para se combater”: a emergência sanitária, a criação de medidas econômicas que reduzam o impacto da pandemia principalmente sobre os mais pobres, e o próprio Bolsonaro. “Além dessas duas frentes, que já são por demais desafiadoras, nós temos que lidar o tempo inteiro em tentar neutralizar a bestialidade do presidente da República e de parte dos seus seguidores”, avalia. 

Em nota, os ex-ministros da Saúde contestam a utilização da máquina governamental e dos recursos públicos para a produção de vídeo “conclamando as pessoas a desobedecerem todas as indicações e diretrizes do isolamento social”, e destacam que Bolsonaro será denunciado à OMS e à Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) pela campanha de desinformação, que já estimulou mensagens pelo Whatsapp, com grupos de seguidores pedindo a reabertura de comércios e até organizando carreatas. 

“É uma postura de absoluta irresponsabilidade, não vejo como nós conseguiremos enfrentar adequadamente, reduzir o número de mortos e o sofrimento das famílias e encontrar soluções econômicas com essa postura inconsequente”, ressalta Chioro. 

Não há dicotomia entre saúde e economia 

O ex-ministro ainda aponta o raciocínio de “volta à normalidade” como uma atitude “mesquinha, tacanha, um caminho para o desastre anunciado”. De acordo com o OMS, o número de mortos em decorrência do coronavírus já ultrapassa os 20 mil em todo o mundo. 

“Hoje, efetivamente, o nosso presidente da República não governa mais, governa para uma pequena minoria de lunáticos, de pessoas que, infelizmente, não percebem que não pode haver dicotomia entre saúde e economia. Neste momento, é preciso salvar as vidas primeiro e, ao mesmo tempo, ir encontrando soluções para minimizar o prejuízo que a pandemia já causou no mundo para que os países possam sair rapidamente desta crise. Mas, acima de tudo, é preciso proteger a vida, particularmente das pessoas mais vulneráveis, da classe trabalhadora, que sequer conseguem ter um emprego formal”, diz Chioro.

O exemplo de Milão 

Um movimento semelhante ao que o presidente Bolsonaro pede, de fim do isolamento social, ocorreu em Milão, na Itália, onde o prefeito da província, Giuseppe Sala, apoiou a campanha intitulada “Milão não para”. Nesta quinta, no entanto, o gestor admitiu que errou na decisão. Hoje, a cidade é a mais atingida pela doença no país, com 32.346 casos de pessoas contaminadas e 4.474 óbitos, de acordo o último com balanço da Defesa Civil. 

“Era) exatamente o mesmo tom que Bolsonaro coloca nesse momento, e (teve) uma repercussão extremamente trágica. Nós estamos com 14 casos para cada 1 milhão de habitantes. A epidemia já explodiu de tal maneira, por exemplo, na Itália e na Espanha, que já está na ordem de 1.300 casos para cada 1 milhão. Mesmo nos Estados Unidos já está chegando a 260 casos para um milhão de habitantes. Então, muito rapidamente, as pessoas vão ter vizinhos, parentes e pessoas queridas sucumbindo em função do Covid-19 se nós não mantivermos o isolamento para abalar a curva de surgimento, segurar a força de intensidade”, explica.

Ao Jornal Brasil Atual, o ex-ministro também comentou sobre o programa Mais Médicos, o papel da imprensa e as medidas sanitárias.

Confira a entrevista na íntegra


Leia também


Últimas notícias