Luta política

Para Dirceu, Lula e candidatos de esquerda desafiam o poder econômico nesta eleição

'Se Lula for candidato, ganha no primeiro turno. Se Lula não for candidato, as chances são reais de irmos ao segundo turno', afirma ex-ministro, que lança livro de memórias

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‘As forças armadas estão escorregando para um pró-americanismo de novo e para a intervenção política. É evidente’

São Paulo – O ex-ministro José Dirceu afirmou ontem (30) que acredita na vitória do PT nas eleições deste ano, apesar de todas as limitações impostas pela lei eleitoral e pela prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Curitiba, em processo que ele classificou como “sumário, de exceção e político”, com o objetivo de excluir o ex-presidente da disputa para a presidência do país.

Dirceu conversou com jornalistas da mídia independente no Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, em São Paulo, onde mostrou seu livro de memórias, escrito no cárcere, cujo primeiro volume está sendo lançado pela Geração Editorial. Dirceu fez uma reflexão sobre o momento político do país, e como os próximos anos representarão um desafio para o campo progressista avançar e constituir uma base social sólida, para promover o desenvolvimento e o Estado de bem-estar social no pais.

“Eu tenho procurado refletir sobre o que vem depois, porque a eleição já está aí. É evidente que é uma eleição sob controle. Eles retiraram a campanha, ela praticamente não existe, está proibida. Aquilo que é o povo participando, só se nós arrastarmos o povo para a campanha, porque as limitações são muito grandes”, afirmou.

“O fundo partidário foi impedido, porque fizeram uma legislação que não é para funcionar. E tem os 10% da receita da pessoa física (limite para doação), autorizaram os candidatos a financiar sua própria campanha. Não vai ter caixa dois nesta eleição, vai ter compra de voto de forma avassaladora. É só ir para as periferias das grandes cidades, é o poder econômico que vai ditar essa eleição”, disse ainda.

Para Dirceu, as mudanças colocadas pela legislação na campanha no rádio e na televisão praticamente transferiram para a mídia comercial o poder de difusão de informações sobre os candidatos e seus planos de governo, de modo a permitir a tomada de posições de acordo com a preferência de cada veículo de comunicação. “Fizeram o seguinte: diminuíram o tempo de televisão (dos partidos), e a Globo dobrou o horário (do noticiário) e eles vão dizer como votar e em quem votar. É isso o que está acontecendo no país e ainda vão impedir o Lula de ser candidato, tudo indica. Mas nós podemos ganhar mesmo assim.  Se o Lula for candidato, ganha no primeiro turno. Se o Lula não for candidato, as chances são reais de irmos ao segundo turno”.

Confira os principais trechos da entrevista:

Bolsonaro e Alckmin

Não subestimem o Bolsonaro, porque vão entregar o poder para ele. A adesão a ele já está acontecendo. E ele tem um terço dos votos válidos, então, não é um candidato para ser subestimado no segundo turno. Não pense que vai ser um passeio e que o campo democrático vai correr para nos apoiar. Eles querem fazer o voto útil para nos amarrar no compromisso de apoiá-los no caso de eles (Alckmin) irem para o segundo turno com Bolsonaro.

Intervenção militar

As forças armadas estão escorregando para um pró-americanismo de novo e para a intervenção política. É evidente. Senão o comandante do Exército não dava a declaração que deu quando da votação do habeas corpus do Lula. E nem seria publicada foto do Estado Maior festejando.

Prisão de Lula

O processo do Lula é sumário, de exceção e político. Todo o resto é secundário. E o objetivo é banir o Lula e o PT da vida nacional, mas a resposta da memória, da experiência de vida da imensa maioria dos trabalhadores é que o Lula é o governo deles, e não esse (de Temer), eles não se reconhecem em nada nesse governo.

Futuro

Nós temos que aprofundar e transformar em organização esse sentimento que existe de uma parcela grande da classe trabalhadora brasileira. E temos uma tarefa que é muito difícil, a de unir a esquerda. Não há como governar o país se nós não fizermos o que eles fizeram. Milhões de pessoas nas ruas e força de pressão. Se nós resistíssemos ao golpe, ao impeachment, eles iam apelar para a força. Nós temos de criar um grande movimento de massa no Brasil. Os partidos de esquerda têm de se dedicar a isso nos próximos anos.

Poder econômico

O desafio não é programático, porque sabemos o que precisa fazer no país. Se nós não fizermos uma reforma tributária e não mudar o sistema bancário e financeiro, não há como financiar o Estado Social, por causa dos juros que se paga. Dez por cento da população se apropria de uma renda que não vira consumo, nem investimento. E os bancos se apropriam de uma renda fantástica, que ninguém vê, pois como a taxa média de juros no Brasil é 20%, 30%, quando você empresta R$ 3 trilhões, você fica com R$ 600, R$ 700 bilhões e nenhum país no mundo passa de R$ 100 bilhões, ou R$ 150 bilhões (O valor a que Dirceu se refere é a massa de empréstimos anual do setor bancário).

Pré-sal e soberania

Essa questão do pré-sal era determinante para nós, porque era uma renda nacional com a qual poderíamos fazer uma profunda revolução cultural, educacional e científica no Brasil. E mais: eles cortaram o coração do salto de desenvolvimento que é a exportação de tecnologia, de serviço e de capital, porque o Brasil estava ocupando um espaço que antes era dos espanhóis, de empresas francesas.

Eu visitei a América Latina durante seis anos, de 2006 a 2012, fui em todos os países, tinha relação com a maioria dos presidentes, ministros, companheiros nossos de luta armada, de clandestinidade, de Cuba, República Dominicana, Peru, do Equador, do Panamá, Argentina, do Uruguai, eram companheiros do Foro de São Paulo.

Em qualquer país (latino-americano), de três obras de infraestrutura, duas eram brasileiras. Não eram só rodovias e saneamento, estou falando de metrô, estaleiro, siderúrgica, hidrelétrica, termelétrica, aeroportos. E isso foi cortado, porque o salto que o Brasil ia dar, da agregação do valor, inclusive, que significava adensar a capacidade de renda em um outro tipo de mercado interno, foi cortado e agora eles querem cortar a estrutura (de proteção social no país).

Projeto pessoal

Estou propondo que a gente tenha força de massa política, consciência política, capaz de confrontar isso (a direita). É um trabalho de médio prazo, mas temos de começar a fazer. Eu, nos 10 ou 15 anos que tenho de vida, quero me dedicar a isso, ao lado da juventude, principalmente. Percorrer o país e pregar isso. Temos que constituir uma poderosa força política e social para transformar o país.

Porque essa é a nossa elite, não tem pudor nenhum de governar pela força.

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