Teoria e prática

Crise no diretório da Rede em São Paulo põe em xeque discurso da ‘nova política’ do partido

Dirigentes e filiados criticam práticas do partido criado por Marina Silva. 'Não tenho porque estar num discurso novo com estrutura antiga', diz coordenador que anunciou desfiliação essa semana

Arquivo EBC

Centralização e descompasso entre discurso e prática são erros apontados por membros do partido de Marina Silva

São Paulo – Dois meses depois de ter disputado sua primeira eleição, a Rede Sustentabilidade, partido criado por Marina Silva, passa por uma séria crise no diretório estadual de São Paulo. O motivo é emblemático: dirigentes e filiados estão desencantados com o discurso da “nova política” que embalou o surgimento do partido. Na prática, alega-se, a Rede Sustentabilidade está se tornando um partido como outro qualquer, com práticas e estruturas nada novas.

“A Rede tem hoje uma posição que não é o que se pensava. Eu achava que o partido seria um grupo de vários pensamentos e não um grupo de pensamento único. Quando começou a surgir o movimento da nova política, a ideia era criar uma rede (de pessoas e pensamentos) que seria maior do que a Rede partido”, explica Carlos Alberto Lima, que essa semana anunciou sua desfiliação e desligamento da coordenação de assuntos institucionais e políticas públicas da Rede Sustentabilidade em São Paulo. Junto com ele também saiu Maria Aparecida Ribas, coordenadora de formação política.

Em tom de desabafo e reforçando que suas opiniões são conhecidas internamente no partido, Carlos Lima, ex-filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), criticou o modelo centralizador que está vigorando no partido de Marina Silva, em que o comando nacional centraliza as decisões e dá as cartas. As recentes eleições municipais de outubro, diz ele, deu mostras dessa forma de organização partidária tradicional, longe da sonhada nova política.

“Na prática, as pessoas que estão mais próximas do núcleo é que têm verba para a campanha. Não existe critério para o uso do dinheiro. Quem recebe recurso do fundo partidário são as mesmas pessoas, não há transparência, seriedade nessa questão, é lamentável”, afirma Lima, um dos fundadores da Rede no Paraná. “Não tenho porque estar num discurso novo com estrutura antiga. Tem que rediscutir a estrutura, o Elo local tem que ter independência, não dá mais pra ter interferência do Elo nacional.”

Comando local

Há particularmente uma interferência responsável pelo aumento da cisão entre o diretório estadual de São Paulo (chamado de Elo) e o nacional. A composição da executiva estadual, incluindo a presidência e vice-presidência da coordenação-geral (chamados de porta-vozes) foi eleita no dia 17 de novembro de 2015 mas, por uma série de equívocos do diretório nacional, a nominata com a composição dos membros eleitos só foi registrada no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) quatro meses depois, em 25 de março de 2016.

Conforme consta no estatuto do partido, Artigo 78, parágrafo 1º, “Para fins de atendimento ao sistema da Justiça Eleitoral os porta-vozes exercerão as funções de Presidente e Vice-Presidente, com rodízio anual entre eles”. É nesse ponto que a ruptura se alarga.

Segundo explicou uma fonte que preferiu ser mantida em sigilo, integrantes do diretório estadual fizeram valer o que diz o parágrafo 1º em reunião realizada no último dia 23 de novembro, instituindo a alternância dos porta-vozes, alegando que a eleição ocorreu em novembro de 2015, portanto, já há um ano. A determinação, porém, não está sendo bem digerida por dirigentes e filiados, sob a alegação de que os membros só tomaram posse quatro meses depois e, assim, completariam um ano somente em março de 2017. De acordo com a fonte ouvida pela Rede Brasil Atual, o que está por trás da mudança antecipada é o alinhamento de forças de pessoas mais próximas ao grupo que orbita em torno de Marina Silva.

O dirigente descontente alega não se importar com o cargo, mas ter respeito ao estatuto, processos e procedimento. Para ele, se a Rede não tem apego à legalidade, não pode ser alternativa política para o país. Com 3.650 membros, São Paulo é o estado com o maior número de filiados da Rede Sustentabilidade, situação que pode mudar a partir de janeiro, quando uma desfiliação em massa está sendo cogitada.

No começo de outubro, sete dirigentes, entre eles o antropólogo Luiz Eduardo Soares, o sociólogo Marcos Rolim, a professora Miriam Krenzinger e o ambientalista Liszt Vieira, anunciaram em carta aberta sua desfiliação, com críticas a forma de atuação e posicionamentos da Rede.

Partidos em crise

Na opinião de Carlos Lima, a desilusão com os rumos da Rede Sustentabilidade se insere no contexto de um descontentamento geral com os partidos políticos. “A crise não é só da Rede, a crise é político-partidária e a Rede precisa repensar sua estrutura. O atual modelo é conhecido, quem tem vida partidária sabe como chegar ao topo, é o velho ‘cunhadismo’ brasileiro”, crítica. “fala-se que [a estrutura do partido] é horizontal, mas na hora de repartir a verba partidária não é assim. É uma rede em que a ponta da pirâmide está em Brasília? Então não é rede, é pirâmide”, define.

O ex-coordenador de assuntos institucionais e políticas públicas sustenta que o partido criado por Marina Silva precisa ser uma rede “de fato”, sem subordinação à estrutura federal. “É uma crise que os partidos passam e que a Rede não conseguiu resolver. Ninguém quer mais cacique. É um debate que temos que abrir com a sociedade, termos partidos horizontais na teoria e na prática”, afirmou Carlos Lima.

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