Machismo e racismo

Maioria das brasileiras que trabalham em situação precária é negra, diz pesquisa

Estudo do Ipea apresentado durante lançamento do programa 'Mulher Trabalhadora', do Ministério do Trabalho, comprova a convergência da tríplice opressão: de gênero, raça e classe

Verena Glass/Repórter Brasil

Percentual de mulheres negras no trabalho precário revela que esse grupo é ‘sujeito preferencial das piores ocupações’

Brasília – As mulheres tiveram maior participação no mercado de trabalho a partir da década de 1970, mas os números de crescimento e evolução delas nas vagas que ocupam, em comparação aos homens, e em relação à questão racial, não apresentaram muitas novidades nos últimos anos. De acordo com relatório divulgado nesta sexta-feira (11) pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS), elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 39,08% das mulheres negras ocupadas no país, hoje, estão submetidas a relações precárias de trabalho – o maior percentual da presença feminina.

O trabalho foi divulgado durante o lançamento do programa “Mulher Trabalhadora”, pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social. Conforme explicou o ministro Miguel Rossetto, o objetivo é promover ações para ampliar a participação das mulheres no mercado de trabalho, dar continuidade à política de valorização do salário mínimo no longo prazo e promover a capacitação das mulheres. Além de realizar novos estudos comparativos, bem como criar ações para ampliar os direitos destas profissionais.

De acordo com os dados coletados pelo Ipea, o percentual alto de mulheres negras no trabalho precário revela que esse grupo de profissionais continua sendo a “base do sistema remuneratório e é sujeito preferencial das piores ocupações, convergência da tríplice opressão de gênero, raça e classe”. Quando a comparação desse maior número de mulheres negras em trabalhos precários é feita em relação aos homens negros, a porcentagem é de 31,6% de mulheres em relação ao total.

A pesquisa fez uma análise detalhada sobre a participação das mulheres no mercado de trabalho do período entre 2004 e 2014 e revelou que houve pouco crescimento da presença de mulheres — média entre brancas e negras. Segundo o estudo, em 2005, 59% delas tinham um emprego; em 2011, o percentual ficou em 56%; e em 2014, 57%. Os homens têm percentual de 80%.

Já em relação à remuneração, os dados mostram que, em 2014, as mulheres ultrapassaram pela primeira vez o patamar de 70% da renda masculina, quando em 2006 esta proporção era de 63%. Mas essa realidade não é igual para as mulheres negras, que ainda não alcançaram 40% da renda dos homens brancos.

Segundo a conclusão dos pesquisadores do Ipea, os homens (brancos e negros) continuam tendo a maior média de salário: R$ 1.831, ante R$ 1.636. No tocante às mulheres negras, em 2014 elas ganhavam R$ 946, enquanto os homens brancos recebiam R$ 2.393.

Além disso, a pesquisa também analisa a população inativa, que não está inserida no mercado de trabalho brasileiro. Segundo o documento, 78% dos homens sem emprego vivem com cônjuges, enquanto esse número é de 69% para as mulheres. No entanto, nesse grupo, dois terços delas ainda têm filhos, ante 45% dos homens.

Compromisso do governo

“A sociedade brasileira que queremos viver não é machista nem racista. É impressionante como o passado preserva estas práticas nocivas. O lançamento deste programa representa, mais que nunca, nosso compromisso de incorporar ações que modifiquem para melhor resultados como estes, nos próximos anos”, afirmou Rossetto.

Ao participar da solenidade de lançamento do programa, representantes de vários setores da economia comentaram a situação das profissionais nos ambientes que elas representam, como foi o caso da representante do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Distrito Federal, Sônia Pereira.

“Muitas mulheres deixam outros trabalhos para entrar no mercado de telemarketing, por exemplo, porque a jornada é diferenciada, para poderem ter maior facilidade de horários para ficar com os filhos e cuidar das suas casas”, afirmou Sônia.

“Só que o horário é diferenciado justamente porque os trabalhadores desse ramo são sujeitos a riscos de periculosidade, síndrome do pânico e uma série de doenças crônicas. Isso sem falar na pressão à qual as mulheres que estão nesta profissão têm de ser submetidas por obtenção de resultados. Mas muitas vezes as mulheres preferem se submeter a isso, mesmo que adoeçam, para poderem conciliar a vida profissional com a jornada de donas de casa”, acrescentou.

Outra a falar sobre as condições de trabalho durante a avaliação da pesquisa foi a presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Oliveira. Segundo ela, apesar da lei do trabalhador doméstico, sancionada este ano, muitos patrões ainda aproveitam para dispensam a empregada doméstica “como se fosse uma coisa de punição, de vingança”. “Ainda existem patrões que dizem ‘procure seu sindicato, não foi ele que buscou novos direitos para vocês?’, falando conosco em tom de ironia”, contou.

“Mas creio que a poeira vai baixar e com o tempo as pessoas vão se adaptar `a nova lei”, acrescentou Creuza, que também elogiou a ferramenta do E-social – lançada este ano pelo governo – que tem ajudado a regularizar os pagamentos das domésticas.

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