Novo partido

Da ideologia à fisiologia, adesões levam indefinição à identidade da Rede

Parlamentares e especialistas questionam futuro da legenda e que posição terá no espectro partidário, ao atrair migrações que vão do Psol ao conservador PR

ebc/abr

Rede tem postura atrelada a uma plataforma ambiental e busca posição de esquerda e centro-esquerda

Brasília – Formalizado há uma semana pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas com histórico conhecido no país desde 2013, a Rede Sustentabilidade – partido criado pelo grupo da ex-ministra e ex-senadora Marina Silva (AC) – ainda desperta dúvidas sobre seu futuro e como se posicionará no espectro ideológico. Embora se coloque como “independente” e, a partir de uma genérica plataforma ambiental, possa ser colocada numa posição de esquerda ou centro-esquerda, a sigla não se definiu como oposicionista ou situacionista, em relação ao governo federal.

No entanto, chama a atenção – e causou incômodo em bancadas como PT e Psol – as filiações de parlamentares que migraram para a sigla em seus primeiros dias após a oficialização: Alessandro Molon (deputado federal mais votado do PT no Rio de Janeiro, ano passado); Randolfe Rodrigues (senador pelo Psol-AC); e a ex-senadora por Alagoas e atual vereadora em Maceió, Heloisa Helena (também do Psol). O vereador carioca do PR Márcio Garcia já anunciou estar de mudança para a Rede, assim como o deputado federal gaúcho João Derly, que deixará o PCdoB. Sem falar nos comentários de que, até o final do ano, irão para a companhia de Marina os petistas Paulo Paim (RS) e Paulo Rocha (PA).

Já integram a nova legenda Miro Teixeira (saído do Pros-RJ) e os deputados do Distrito Federal Chico Leite (antes PT) e Luzia de Paula (saindo do PEN).

O perfil real da legenda até o início de outubro, quando se encerra o prazo para mudança de partido para os políticos que pretendem concorrer a prefeituras ou a câmaras de vereadores nas eleições de 2016, começa a ser avaliado por especialistas. Para o cientista político Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a tendência é de que a Rede venha a ser um “partido pragmático”.

“A Rede não tem perfil para ser nem oposição, nem governista de forma extremada. Agirá de modo semelhante ao PV (Partido Verde), atualmente. Votará com o governo de acordo com a pauta do momento. E nos temas sobre os quais for indiferente, vai verificar a conjuntura política para decidir que caminho trilhar”, avaliou Queiroz.

O diretor da Associação Brasileira de Consultores Políticos no Distrito Federal (Abcop), Alexandre Bandeira, acredita que apesar dos empecilhos para sua criação – observados no ano passado para os integrantes da legenda – a Rede “nasceu no momento certo”, devido ao período em que foi formalizada – faltando poucas semanas para o término do prazo estabelecido pela Justiça Eleitoral para quem quiser migrar para um novo partido, antes das próximas eleições.

Bandeira considera que a legenda abriu uma “janela” permitida pela lei para que estes políticos não sejam punidos por infidelidade partidária – uma vez que, enquanto a troca de siglas permite o questionamento sobre o mandato por parte das legendas aos quais estejam, a migração para o partido recém formalizado é permitida.

“Com isso, abriu-se uma nova oportunidade para os políticos hoje posicionados como centro-esquerda. Por mais que o desempenho da Marina Silva nas eleições presidenciais do ano passado tenha sido sofrível, o partido nasceu com a perspectiva de fazer grandes bancadas para 2016 e ter discurso forte em 2018”, acentuou o consultor.

“Boas intenções”

Parlamentares, no entanto, questionam a grande busca que políticos, principalmente nos municípios e estados, têm feito em relação ao partido. “Os dirigentes da Rede podem até ter boas intenções, mas muitas pessoas tidas como das mais fisiologistas estão procurando a legenda. É difícil conciliar isso com o discurso do partido”, comentou um deputado de Pernambuco, que pediu para ser mantido em sigilo.

Muitos fazem um comparativo entre o Rede e o PSD, legenda de Gilberto Kassab, quando este foi criado – que se colocou como um partido que não teria atuação “nem governista, nem oposicionista.” Mas a legenda tem cadeira no primeiro escalão do governo Dilma, com Kassab no Ministério das Cidades, o suficiente para que o PSD fosse taxado de fisiologista. “Sabemos que a situação da Rede é bem diferente, mas essa comparação não pode deixar de ser feita. Até porque, se os dirigentes do novo partido não segurarem as rédeas, podem perder o controle rapidinho”, acentuou esse mesmo parlamentar.

“Só compatibilidades”

A ex-ministra Marina Silva minimizou a repercussão das filiações já recebidas e afirmou que o tamanho da bancada não faz parte das metas atuais da legenda, assim como, por efeito, questões como contagem de tempo em programas eleitorais no rádio e TV, ou acesso a recursos do fundo partidário. Para ela, neste momento, o importante é receber “quem tenha um DNA de vida (sic) compatível com o que propõe a legenda”.

“Queremos contribuir para a renovação e a melhoria da política brasileira e fazer com que o país entre na era do ativismo autoral. A política que se limita a fazer mais do mesmo é porque está impotente”, afirmou Marina.

A acadêmica e analista política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos, já afirmou à RBA (link abaixo) que a tentativa de ocupar espaços à esquerda e ao centro-esquerda, abertos com a atual crise de representação política do país, pode ser parte da estratégia do partido de Marina.

“Existe um espaço a ocupar à esquerda. Esse espaço, PSTU e Psol não conseguiram ocupar, não conseguiram a envergadura de um PT quando o partido de Lula começou a crescer nos anos 1990”, acentuou ela. A expectativa das principais legendas, no momento, é saber se esse espaço será ou não ocupado, de fato, pela Rede.

Leia também:

Leia também

Últimas notícias