Entrevista

‘Só há saída para a esquerda junto com Dilma’, diz Maria do Rosário

Deputada gaúcha afirma que os golpistas que falam contra a presidenta hoje estão sustentando Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, denunciado pelo procurador-geral da República

Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados

“Quem tem pouca base parlamentar tem que ter muita base social”, diz ex-ministra dos Direitos Humanos

São Paulo – As mobilizações de viés progressista organizadas pelo país desde a semana passada, quando foi realizada a Marcha das Margaridas, em Brasília, até o ato político de quinta-feira (20), mostram uma reação dos movimentos sociais frente ao clima golpista disseminado pelo conservadorismo. Como resultado, o governo Dilma vive um momento que aponta para uma retomada de popularidade. A opinião é da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), ministra dos Direitos Humanos do primeiro mandato da presidenta.

A parlamentar avalia que a parcela mais reacionária da manifestação da avenida Paulista, dia 16, contra o governo Dilma, é minoritária no país. “Mesmo que um setor golpista esteja presente naquelas manifestações do dia 16, mesmo que entre os manifestantes haja uma parte que promova golpe e ditadura, não vejo essa posição como majoritária.”

Para Maria do Rosário, o campo progressista da sociedade brasileira tem de refletir sobre os riscos de se desestabilizar o governo na atual conjuntura. “Qualquer iniciativa contra a Dilma e seu governo só dá respaldo e vai resultar em governos de apoio à direita”, diz. “Só há saída para a esquerda: junto com Dilma.”

Em entrevista à RBA, a deputada comentou também a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, por implicação na Operação Lava Jato. Para Maria do Rosário, Cunha precisa ter seu direito à “plena defesa” assegurado, e também tem direito a manter seu mandato de deputado, no momento. “Mas ser o representante de todos os parlamentares, ser presidente da Casa, ele já não tem condição de ser.”

Como avalia a semana de manifestações, que começou no domingo com os protestos contra Dilma, até as de quinta-feira, dos movimentos progressistas?

Eu avalio que o mais importante nessas manifestações é que prevaleça o sentimento democrático. Nas manifestações do dia 16, percebemos que uma parcela faz uma incitação ao ódio e ao rompimento da democracia. Há um setor golpista entre aqueles do dia 16, mas também não vejo que ele seja predominante.

Não é predominante no país ou entre eles próprios?

No país. Ou seja, mesmo que um setor golpista esteja presente naquelas manifestações do dia 16, mesmo que entre os manifestantes haja uma parte que promova golpe e ditadura, não vejo essa posição como majoritária no país. E no dia 20 o que nós vimos foram os setores organizados, que são fundamentais para a nação brasileira, como sindicatos, associações.

Nas manifestações do dia 20 em São Paulo, o “Fora Cunha” estava muito ligado à ideia do golpe, já que sem Eduardo Cunha o impeachment parece se enfraquecer. Com a denúncia do procurador-geral da República contra ele, a situação melhora ou não para Dilma no Congresso em relação à tentativa de impeachment?

Eu penso que as decisões das instituições não podem ser tomadas por serem boas a alguém, a quem quer que seja. Então, por exemplo, a situação de Cunha não tem nada a ver com a situação de Dilma. Dilma foi eleita por milhões de brasileiros em voto direto. Cunha foi eleito presidente da Câmara pelo voto dos deputados. Não se pode comparar uma situação com a outra.

Há sobre Cunha uma denúncia do Ministério Público Federal, de envolvimento em atos de corrupção. Não há nenhuma denúncia contra Dilma no exercício do mandato. Então eu vejo o seguinte: aqueles golpistas que falam contra a Dilma, hoje estão sustentando o Cunha. Na verdade, é razoável que a presidenta termine seu mandato, mas é razoável também que os deputados possam tirar Eduardo Cunha.

Parecem existir duas posições do PT no Congresso: uma defende a saída de Eduardo Cunha da presidência da Câmara, outra é mais prudente. Qual é sua posição?

Na verdade, penso que neste caso cada deputado e deputada deve poder tomar sua decisão com liberdade. Não é uma questão só de bancada. Eu não estou tomando uma posição contra Eduardo Cunha se manter presidente por ser melhor para o governo ou pior. Estou pensando neste momento no que é melhor para a instituição Câmara dos Deputados. Eu acho que ela perde em credibilidade.

Eu defendo que Cunha tenha seu direito à defesa plena. Que ele mantenha seu mandato de deputado como cada um de nós. Mas penso que ser o representante de todos os parlamentares, ser presidente da casa, ele já não tem condição de ser. É uma posição individual, não conversei com nenhum deputado ou deputada sobre isso.

Nas manifestações dos movimentos progressistas, o ajuste fiscal foi muito criticado. No Congresso do PT em Salvador (em junho), você afirmou que as medidas do ajuste deveriam ser pontuais, mas sem perder a essência de uma política desenvolvimentista. Como vê a questão hoje, dois meses depois?

Eu acho que o governo, para garantir sua estabilidade e superar a crise política, precisa reorganizar sua base parlamentar com quem realmente oferece sustentação a ele, e reorganizar sua identidade com a base social. Quem foi às ruas para defender o governo Dilma foram os sindicatos e os movimentos. Eles estão dizendo que os trabalhadores não podem pagar a conta. Avalio que medidas têm que ser tomadas para que o ajuste não seja direcionado aos segmentos populares, aos trabalhadores e trabalhadoras.

Nosso governo da presidenta Dilma tem que tomar medidas para reverter o desemprego, e está tomando agora, quando coloca novas possibilidades de investimento pelos bancos públicos. Eu elogio essa medida. A liberação de recursos de investimentos através de bancos públicos visa gerar empregos no país. Isso é muito importante.

Agora, nós temos que garantir o financiamento de políticas sociais importantes na educação, na saúde pública, seguir fazendo isso. E temos que segurar a taxa Selic, parar com a escalada dos juros no país como uma questão fundamental no atual período. Ou seja, eu vejo como uma medida essencial reverter as primeiras iniciativas do ajuste direcionadas aos trabalhadores e agora focar nas grandes fortunas e nos rentistas, nos bancos e no setor financeiro.

Diante da ofensiva agressiva de grupos conservadores e até reacionários do país contra o mandato de Dilma, é estrategicamente recomendável que setores da esquerda se voltem contra o governo, quando dizem “fora Cunha e leve junto o Levy”?

Eu tenho uma postura mais crítica à política econômica, mas eu acho que as propostas que eu dialogo com alguns setores visam contribuir para o governo avançar e manter essa base. Não há saída. Numa frase muito simples: a esquerda deve compreender que deve oferecer propostas que levem o governo Dilma, cada vez mais, para seu próprio campo, para o campo da esquerda, para propostas de esquerda. E não desestabilizá-la, porque qualquer iniciativa contra a Dilma e seu governo, só dá respaldo e vai resultar em governos de apoio à direita.

Isso é possível com Levy na Fazenda?

Quem comanda, quem tem que comandar a política econômica é a presidenta da República. Ela pode orientar o ministro Levy, como faz com qualquer ministro, e o próprio Banco Central, a segurar juros e (implementar) políticas de desenvolvimento. Acho que isso está no horizonte do planejamento e avalio que é possível, sim. Eu acredito.

Só há saída para a esquerda junto com Dilma. Trazendo Dilma para a esquerda. As observações que eu faço são no sentido do apoio à presidenta para ela manter a base social. Quem tem pouca base parlamentar tem que ter muita base social.

Nessa participação de Dilma, por exemplo, com a Marcha das Margaridas, existe um movimento de fato de reaproximação com sua base?

Claro! O governo está reagindo, e o movimento social também.

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