Corrupção em São Paulo

‘Punição para formação de cartel é ridícula’, afirma promotor

Promotor que atua no caso de cartel da linha 5 do metrô paulistano cobra que empresas envolvidas em casos desse tipo sejam tratadas como organizações criminosas

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Pena para formação de cartel no Brasil é de apenas 2 a 5 anos de reclusão. Cartéis geram sobrepreço de até 20%

Executivos da Siemens que denunciaram ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) um esquema de cartel entre empresas em obras públicas do Governo de São Paulo não deverão sofrer responsabilização penal ou administrativa, como parte do chamado Acordo de Leniência. Mas não são só eles que estão livres da prisão. A pena para formação de cartel no Brasil é de apenas 2 a 5 anos de reclusão e multa. Na prática, qualquer empresário ou funcionário envolvido neste crime contra a ordem econômica acaba substituindo a punição por serviços prestados à comunidade.

“Minha maior frustração é que a punição chega a ser ridícula, pífia. Apesar de ser condenada, a pessoa não cumpre pena nenhuma”, afirma o promotor de Justiça de São Paulo, Marcelo Batlouni Mendroni, que atua em casos de cartel e lavagem de dinheiro. Ele tem atuado no caso de cartel da linha 5 do metrô paulistano, denunciado por um jornalista da Folha de São Paulo que registrou em cartório seis meses antes da licitação que consórcio venceria cada lote do certame. “Quando fiz a denúncia (em março de 2012), eu afirmei à imprensa que nenhum empresário vai ser preso por isto. Tem todo um gasto público para investigar, para fazer o processo criminal e no final nada acontece”, lamenta.

Além da pena baixa, as multas também costumam ser pequenas para as pessoas envolvidas. No processo administrativo, feito pelo CADE, as multas são mais altas, muitas vezes milionárias, ou até bilionárias, mas são direcionadas às empresas, não a pessoas que cometeram as irregularidades.

Segundo o promotor, a formação de cartel em licitações virou rotina quando há grandes recursos envolvidos. “O criminoso do cartel, de colarinho branco, paga uma multa e fica impune, porque a multa, comparado com o que ele se locupletou daquela vantagem, é um risco calculado. Nos países anglo-saxões a formação de cartel é um crime grave, o empresário que pratica cartel vai, efetivamente, para a cadeia. Se você não fizer isso, passa a ser um crime vantajoso”, diz.

Para aumentar o rigor, Marcelo Mendroni defende que as empresas envolvidas em cartel sejam tratadas como organizações criminosas. “A partir disto, devem ser aplicados todos os rigores previstos para qualquer tipo de organização criminosa. É isto que tenho tentado fazer”.

“Cartel em licitação virou praxe”

“Eu diria que em quase todos os contratos com os poderes públicos estaduais, municipais e federal, se tiver valores altos envolvidos e compensar, vai haver o crime de formação de cartel. Já virou praxe das empresas e acontece quase que diariamente”, afirma Marcelo Mendroni.

Há alguns anos, o promotor de São Paulo trabalhou em um caso envolvendo gases industriais, chamado de ‘cartel do oxigênio’. Quatro grandes empresas “dividiam” os hospitais não só no estado de São Paulo, mas em outras partes do país. As corporações entravam nas licitações oferecendo preços diferentes de maneira combinada, para que a que oferecesse o preço mais baixo vencesse. Em outro hospital, a vencedora daquele perderia e assim por diante. O preço mais baixo que vencia, não era tão baixo assim. Com isto, formava-se um superfaturamento. Na esfera criminal, o STJ considerou as provas ilegais, mas o CADE aplicou às empresas uma multa de R$ 3 bilhões, por reincidência.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que a formação de cartéis gera um sobrepreço que varia entre 10 e 20%. “Se pegar um cartel de uma grande licitação, com empreiteiras, por exemplo, com valores em jogo muito altos, a fraude chega a valores multimilionários”, afirma Mendroni.

Segundo a confissão de funcionários da Siemens ao CADE, a qual a Revista Istoé teve acesso, as empresas teriam desembolsado US$ 50 milhões apenas em propinas a funcionários do Governo de São Paulo. Siemens e Alstom, que, teoricamente, são competidoras em maquinários de transporte e energia, faturaram junto aos governos tucanos R$ 12,6 bilhões. Para compensar o valor gasto em propinas, pode-se projetar que o sobrepreço rendeu muito mais que os US$ 50 milhões gastos em subornos de agentes públicos. As multas do CADE às duas empresas europeias podem chegar a 20% dos R$ 12,6 bi.

Nas licitações combinadas, muitas vezes é fácil observar que uma empresa oferece um preço em um certame e, em seguida, oferece outro mais alto. Uma segunda corporação havia oferecido preço mais alto e depois mais baixo. Entretanto, não é tão fácil assim condená-las, porque é preciso provar o conluio entre as companhias. “É uma tarefa complexa, mas você tem duas formas de fazer prova: uma é as provas diretas, como escutas telefônicas, escutas ambientais, documentos apreendidos, colaboração premiada etc. E também pode fazer prova indireta, que é análise do lance da licitação, análise econômica. Eu fiz a denúncia da linha 5 do metrô com base em provas indiretas e ela foi aceita pelo juiz. Ainda neste semestre, deveremos ter audiência de instrução”.

O promotor defende que os governos façam licitações com boa cotação de preços anterior, definindo um preço máximo, a fim de evitar o sobrepreço. Se ninguém entrar no certame e ficar claro que foi combinado, entrar com representação no Ministério Público – isto, claro, quando os próprios agentes públicos não estiverem envolvidos, como no caso do metrô de São Paulo. “Os governos não devem se submeter à prática de cartel. Devem buscar outra forma de atender as necessidades de compra, em caso de urgência. É preciso avaliar caso a caso. Mas no mínimo sinal de prática de cartel devem representar ao MP”.

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