Coordenador de plano de governo vê Haddad ‘comprometido de corpo e alma’

Cientista político Aldo Fornazieri acredita que mobilidade será o principal desafio caso o petista saia eleito e avalia que candidato demonstrou o valor das propostas bem fundamentadas

Fornazieri entende que Haddad levou a sério a noção de que o programa é uma carta-compromisso com o cidadão (Foto: Paulo Pinto. Campanha)

São Paulo – Responsável por coordenar a elaboração do plano de governo de Fernando Haddad, o cientista político Aldo Fornazieri expressa satisfação com a possibilidade de que as ideias sejam efetivamente implementadas em caso de vitória do candidato do PT à prefeitura de São Paulo. O diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo vê o ex-ministro da Educação “comprometido de corpo e alma” com as propostas para uma eventual prefeitura.

Este compromisso estaria expresso não apenas na data de lançamento, 13 de agosto, o primeiro e candidato a fazê-lo no primeiro turno da campanha paulistana, mas na maneira como Haddad enxerga o trabalho. “O programa é uma carta-compromisso que o candidato deve ter com a população e é lamentável que no mundo de hoje ainda se apresente candidatos sem um programa de governo”, diz Fornazieri, que acredita que a solidez da agenda defendida pelo petista seja um dos fatores para explicar o crescimento nas pesquisas, que passaram a indicar a vitória dele em São Paulo.

A visão de Haddad sobre o tema contrasta com a do adversário, José Serra (PSDB), que só apresentou seu programa para a cidade em 16 de outubro, ou seja, no décimo dia do segundo turno, e com ar de desdém: “Leonel Brizola dizia uma coisa que é verdadeira: programa compra-se pela internet. Monta-se uns grupos, o sujeito escreve, o candidato fica se informando sem saber direito do que está tratando… Programa é assim: em geral não tem muito conteúdo, não vale muito no Brasil”, disse à ocasião.

Na entrevista a seguir, concedida na sexta-feira (26) à RBA, Aldo Fornazieri avalia os desafios que esperam o próximo prefeito de São Paulo e projeta o futuro político de José Serra em caso de derrota. Confira.

Quais são os fatores para explicar o crescimento de Haddad, lembrando que lá no começo da campanha ele tinha 3%, 4% de intenção de voto?

Em primeiro lugar tem de levar em conta a grande rejeição de Serra e o desgaste do próprio Kassab. Na medida em que o Serra representa a continuidade de Kassab, formaram-se dois fatores negativos em torno da candidatura. Recordo que, quando o Serra ainda tinha 30%, qualquer dos candidatos que fosse para o segundo turno com ele, o Haddad, o Russomanno ou o Chalita, venceria o Serra. Nós poderíamos dimensionar o que fez com que o Haddad subisse. Em primeiro lugar, a consistência da candidatura dele. A consistência desse programa e dessas propostas foi bastante evidente. E em segundo lugar as forças que se articularam em torno dele. A força do PT, a força do ex-presidente Lula, a força da presidenta Dilma, a própria Marta Suplicy. A Erundina, embora tenha saído da vice, manteve uma campanha forte em favor dele, com plenárias pela cidade. Então, isso deu consistência e força para a candidatura dele, fazendo com que fosse para o segundo turno. Acredito que foi mais difícil a passagem dele do primeiro para o segundo turno do que o resultado que se traduzirá no segundo. Embora sempre se tenha de esperar a abertura das urnas e a contagem dos votos. 

O senhor foi o coordenador do plano de governo de Haddad, que foi apresentado em 13 de agosto.

No primeiro turno, inclusive, o único candidato que tinha programa de governo era o Haddad. Isso se constituiu em um fator de vantagem. Principalmente junto ao eleitorado mais esclarecido, que se preocupa com o que o candidato defende, quais são as propostas do candidato. 

Daquilo que vocês estudaram para formular o plano de governo, se confirmada a vitória de Fernando Haddad, qual você acredita que vai ser o principal desafio para colocar em prática?

O Haddad sempre falou que a cidade tem quatro grandes problemas: a saúde, a educação, a mobilidade urbana e a habitação. Pela experiência que ele desenvolveu no ministério, educação vai ser relativamente tranquilo, ele tem condições de fazer uma boa gestão. Saúde, o programa acumulou uma visão bastante consistente e se tiver boa vontade política e capacidade gerencial, eu não acredito que seja um grande problema transformar a saúde no município. 

Um dos complicadores é a mobilidade urbana, que não é um problema que você vai solucionar da noite para o dia. E aí tem toda a proposta do Arco do Futuro, que, embora seja uma proposta a ser trabalhada nesses quatro anos, ela é uma proposta que se projeta para o futuro da cidade. E só com o tempo é que ela vai se viabilizar. O problema da mobilidade, se você não equacionar o problema da cidade, por exemplo, com essa ideia de levar empregos para fora do centro expandido, vai ser muito difícil resolver, por mais que você melhore o transporte público. Somando as duas coisas, investindo em um transporte público mais abrangente e de qualidade, inclusive no Metrô porque nós temos poucos quilômetros na cidade. E, investindo nesse Arco do Futuro, que é um projeto que redimensiona a cidade, que leva emprego para o entorno deste grande centro expandido, eu acredito que com o tempo a mobilidade urbana vai melhorar na cidade. 

O senhor citou projetos que dependem do longo prazo e a gente viu na gestão anterior do PT, quando foi encerrada, os governos que sucederam não deram sequência. Como garantir que independentemente de quem seja o prefeito, esses projetos tenham continuidade? 

Garantir, não dá. Nós tivemos uma experiência recente que foi ruim, quando as gestões de Serra e Kassab não fizeram um quilômetro de corredores de ônibus. Isso é grave. E era um projeto que foi bem avaliado pela população, que vinha apresentando resultados concretos em termos de aumento da velocidade dos ônibus. Quando a Marta saiu, a velocidade média nos corredores era de 21 km/h. Hoje caiu para algo entre 14, 13 km/h. Isso mostra que houve um agravamento geral na situação da mobilidade urbana. E o transporte público foi terrivelmente afetado. O prefeito vai ter de negociar também com o governo do estado, por exemplo, nessa questão do Metrô. A prefeitura coloca dinheiro no Metrô, mas o prefeito deve dizer onde esse dinheiro será empregado. Então não é só uma questão de colocar dinheiro no Metrô. E temos ainda essa questão dos trens urbanos. Eles vivem quebrados, sucateados, a população se revolta. O prefeito da cidade de São Paulo tem de ter uma interlocução firme e forte com o governo do estado, principalmente tendo em vista a boa gestão dos equipamentos estaduais que estão alocados na cidade.

Uma outra coisa que os moradores parecem se ressentir é da perda do caráter inicial dos CEUs. O senhor acredita que este é um projeto mais fácil de reativar?

Sim. Estão previstos 20 novos CEUs no programa de governo. O projeto inicial dos CEUs, com atividades culturais, atividades esportivas, os CEUs abertos nos finais de semana com uma programação intensa para a população, eu acredito que este projeto será reativado. Haddad também tem como um de seus objetivos principais implementar a proposta de ensino integrado e de ensino integral. A meta para os primeiros quatro anos é atingir 20% dos alunos que estudam em escolas municipais no plano de ensino integral. 

Na questão econômica, o senhor acredita que essa administração vai começar em uma situação melhor do que começou a da Marta, ou mesmo da Erundina?

Quando a Marta foi prefeita, as condições de arrecadação da prefeitura estavam muito ruins. E a partir de 2003, 2004, quando o Brasil cresceu, houve uma melhoria geral das condições de arrecadação das prefeituras. É verdade que a prefeitura tem uma dívida alta. Essa dívida vai ter de ser renegociada, porque ela foi renegociada em termos ruins lá no passado. E hoje essa dívida paga um juro excessivamente alto. Não se pode sacrificar a população de São Paulo por conta de uma dívida mal equacionada no passado. E o Haddad tem de negociar essa dívida, principalmente com o governo federal.

Como foi para o senhor participar dessa elaboração do plano de governo e qual seu sentimento com a perspectiva que esse seja o plano de governo que vai balizar a nova prefeitura?

Foi uma experiência muito rica e bem democrática. Foi um processo aberto do qual participaram petistas e não petistas, filiados a partidos aliados e técnicos que não têm filiação partidária. Então eu acho que se construiu um programa de qualidade com a perspectiva da vitória, que seria um programa para ser implementado. Ele vai representar um grande desafio para o Haddad, mas o fato é que ele se comprometeu de corpo e alma com esse programa. Ele tem clareza que será um desafio enorme implantar esse programa e mudar as condições de vida na cidade porque o programa tem exatamente esse objetivo. O Haddad sempre enfatizou muito a importância do programa porque ele entende que uma candidatura não pode se expressar sem apresentar um compromisso programático com a população. O programa é uma carta-compromisso que o candidato deve ter com a população e é lamentável que no mundo de hoje ainda se apresente candidatos sem um programa de governo.  

Se confirmada essa derrota do Serra, que futuro político a gente pode imaginar para ele?

A situação dele se complica, porque seriam duas derrotas seguidas, para presidente em 2010 e agora para prefeito. Além de um desgaste forte dele, dentro do próprio partido. Na prévia ele obteve uma vitória escassa contra os outros oponentes. Tem gente que especula que ele poderia ir para o PSD e ser candidato ao governo do estado ou a presidente da República. Agora, tem o futuro de Geraldo Alckmin também. Ele vai abandonar o plano de uma reeleição para uma disputa bem incerta no plano federal? Ele abriria espaço para o Serra, para ele ser candidato ao governo estadual? Existe uma situação bastante embaraçosa dentro do PSDB, que eu acredito que se desenrole em conflitos importantes, desde que o Serra queira se manter no páreo para disputar um cargo majoritário. Teria de haver uma acomodação de forças, de interesses, que eu vislumbro que não será de fácil solução. 

Quanto ao PT, ao que tudo indica o partido pode ganhar em uma boa parte dos maiores colégios eleitorais do estado. Como fica o projeto para 2014, em relação ao Palácio dos Bandeirantes? Essa vitória municipal tem influência em 2014?

Tem uma influência relativa. A vitória municipal tem mais influência para o governo do estado do que para a Presidência da República. A eleição nacional é bem autônoma a eleições municipais. Agora, eu creio que se o PT consolidar vitórias importantes nesses grandes centros urbanos é um grande passo para conseguir vitória em 2014. Se bem que tem dois anos para mostrar serviço, não é fácil. Pode-se ter um bônus, mas pode ter também um ônus. Se as prefeituras petistas forem mal avaliadas, elas podem se traduzir em ônus para 2014. Mas, certamente, serão forças importantes na disputa estadual de 2014.

É a segunda vez que o ex-presidente Lula aposta em um quadro relativamente desconhecido do eleitorado e com um perfil de atuação político partidária mais discreta. A gente pode estabelecer uma relação entre a possível eleição do Haddad e a vitória da Dilma em 2010?

Não. São duas situações completamente diferentes. No caso da eleição nacional a conjuntura era de continuidade. Então qualquer um que tivesse um perfil minimamente adequado e que fosse o candidato do PT tenderia a vencer em 2010. A conjuntura da cidade de São Paulo é bastante diferente. Ela é uma conjuntura de mudança e nesse sentido a candidatura do Haddad veio a calhar, porque ele era um perfil novo. Então, dada a força que o PT construiu durante a campanha e esse perfil novo, foi o adequado para vencer aqui, mas a situação era diferente. Em 2010 era um tipo de conjuntura e aqui, agora, é uma conjuntura de mudança e nesse sentido o ex-presidente Lula teve um grande tino político de indicar um candidato, quase um outsider dentro do PT, um candidato novo que se encaixou perfeitamente na conjuntura que estava posta na cidade de São Paulo.

O fator Russomanno no primeiro turno se deveu a uma característica pessoal, ou seja, uma certa empatia, ou ele demonstra o fortalecimento de uma terceira via?

Acho que tanto a campanha presidencial de 2010 quanto a eleição municipal de São Paulo mostram que há espaço para forças alternativas. A Marina Silva expressou isso em 2010, fez uma votação significativa, e o Russomanno aqui. Ele subiu, liderou quase todo primeiro turno e acho que ele só não foi para o segundo turno dada a inconsistência que ele demonstrou em propostas e programas. A proposta para o transporte público derrubou ele. Ele não tinha se preparado para enfrentar uma campanha eleitoral que foi dura. Deve se debitar muito mais a ele que a qualquer outra coisa o fato de ele não ter ido para o segundo turno. Mas ele ameaçou significativamente essa chamada polaridade entre PT e PSDB. Veja o seguinte: nós tivemos quase 30% de votos brancos e nulos e se somar Chalita e Russomanno temos em torno de 35% dos votos. O Serra e o Haddad dividiram um terço dos votos. As candidaturas alternativas têm de se mostrar mais consistentes.

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