Após sete anos de processo político, começa hoje o julgamento jurídico do ‘mensalão’

Plenário do STF, onde será julgada a Ação Penal 470, o “caso mensalão”, processo político e midiático iniciado em 2005 (Gervásio Baptista/STF) São Paulo – Sob forte pressão da grande […]

Plenário do STF, onde será julgada a Ação Penal 470, o “caso mensalão”, processo político e midiático iniciado em 2005 (Gervásio Baptista/STF)

São Paulo – Sob forte pressão da grande imprensa – que entende haver provas suficientes para a condenação dos acusados –, o Supremo Tribunal Federal (STF) dá início hoje (2) ao julgamento da Ação Penal 470, conhecida como processo do “mensalão”. São 38 réus acusados de sete tipos de crimes pela Procuradoria Geral da República, de acordo com a suposta participação de cada um no suposto esquema: corrupção ativa, corrupção passiva, formação de quadrilha, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, peculato e gestão fraudulenta.

A ação penal, aberta pelo STF em 2007 a pedido da PGR, tem mais de 50 mil páginas e centenas de depoimentos. A base de todo processo é a denúncia feita pelo ex-deputado Roberto Jefferson em junho de 2005, segundo a qual o PT pagava “mensalidades” a um grupo de mais de 100 deputados para que o governo Lula pudesse aprovar seus projetos no Congresso, o que caracterizaria compra de votos. Esses pagamentos, segundo sustentam Jefferson e a PGR, teria sido feito a partir de desvio de recursos públicos.

Porém, nem as três CPIs que investigaram o caso em 2005 (dos Correios, do Mensalão e dos Bingos), nem a Polícia Federal, nem os órgãos de fiscalização e controle, nem a imprensa, nem a própria PGR conseguiram reunir elementos que comprovassem a existência do “mensalão” nos moldes como foi denunciado – segundo admitem hoje os próprios acusadores.

Os acusados, por outro lado, sustentam que os cerca de R$ 50 milhões que circularam das contas das empresas do publicitário Marcos Valério para vários partidos e políticos, conforme ficou provado pela relação de saques ocorridos nos bancos BMG e Rural em 2003 e 2004, serviram para pagar despesas e dívidas eleitorais. Admitem que o esquema envolveu a prática ilegal de Caixa 2, mas dizem que os recursos eram privados, não públicos.

Cronograma

Devido ao grande número de acusados, o julgamento está previsto para se arrastar até o dia 30 de agosto, com sessões de segunda à sexta. Estão previstas no mínimo 24 sessões ordinárias, o equivalente a oito semanas de audiências.

Pelo cronograma do STF, abre a sessão de hoje o ministro-relator Joaquim Barbosa. Ele lerá um resumo de 122 páginas de seu relatório. Depois é a vez do procurador-geral Roberto Gurgel, que terá cinco horas para sustentar as acusações e pedir a condenação dos réus.

A partir de amanhã (3), tem início a fase em que os advogados farão a defesa de seus clientes. Serão cinco por dia, com tempo de uma hora cada. Os primeiros a se defender serão José Dirceu, José Genoíno, Delúbio Soares, Marcos Valério e Ramon Hollerbach.  Essa fase vai até o dia 14.

A decisão propriamente dita começa a sair a partir do dia 15, quando cada um dos 11 juízes poderá usar o tempo que entender necessário para expor seu veredicto em relação a cada uma das acusações contra cada um dos 38 réus.

Acusações e defesas

Na ação que começa a ser julgada hoje, José Dirceu terá de se defender das acusações de corrupção ativa e formação de quadrilha, assim como Delúbio Soares e José Genoino. Os três são apontados pela PGR de formar o núcleo central do suposto esquema. Dirceu, segundo a procuradoria, seria o “chefe da quadrilha”.

Os advogados de Dirceu tentarão demonstrar que, nos autos, não há qualquer elemento que demonstre sua suposta ligação com Marcos Valério ou com o suposto esquema. Na época, dirão, Dirceu chefiava a Casa Civil do governo Lula e estava afastado da direção partidária.

A defesa de Delúbio Soares admitirá captação e distribuição de recursos privados de forma irregular, mas para que o PT e partidos aliados pagassem despesas de campanha – rebatendo, assim, a tese de uso de dinheiro público para compra de deputados e descaracterizando o crime de corrupção. A defesa de José Genoino argumentará que ele não tinha participação direta na movimentação financeira do partido e apenas assinava documentos na condição, à época, de presidente do PT.

A maior carga individual de acusações recaiu sobre Marcos Valério, que será julgado por corrupção ativa, formação de quadrilha, peculato (apropriação de recursos e ou patrimônio público em benefício próprio ou de terceiros), evasão de divisas (remessa de dinheiro ilegalmente para o exterior) e lavagem de dinheiro (ocultar ou disfarçar a movimentação de dinheiro de origem criminosa).

Entre os que participaram das transações dentro dos partidos, as acusações são em geral por corrupção passiva, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

Neste grupo estão os deputados federais Roberto Jefferson (então presidente do PTB), Valdemar Costa Neto (então presidente do PL), José Janene (então líder do PP na Câmara dos Deputados), José Borba (então líder do PMDB na Câmara), Bispo Rodrigues (PL), Romeu Queiroz (PTB), Pedro Corrêa (PP), Pedro Henry (PP), Paulo Rocha (PT) e João Magno (PT). Também serão julgados os então assessores parlamentares Emerson Palmieri (PTB), Jacinto Lamas (PL), Antonio Lamas (PL), João Cláudio Genu (PP) e Anita Leocádia (PT).

O publicitário Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fernandes são acusados de lavagem de dinheiro e evasão de divisas por terem recebido cerca de R$ 10 milhões provenientes de depósitos bancários não declarados em contas no Caribe.

O ex-ministro dos Transportes, Anderson Adauto, é acusado de lavagem de dinheiro e corrupção ativa por ter utilizado recursos do chamado “valerioduto” com o suposto intuito de comprar o apoio do PTB à sua candidatura à Prefeitura de Uberaba (MG), assim como seu então chefe de gabinete, José Luiz Alves.

Processo político

Assim como foi fundamental para a propagação e popularização do termo “mensalão”, a grande imprensa volta à carga agora carimbando essa fase final do processo como “o julgamento do século” ou “o maior julgamento de todos os tempos”.

No entanto, mais do que o volume, o teor e a consistência das acusações, o que confere importância e grandeza históricas ao processo são suas implicações políticas.

Logo após a denúncia de Jefferson, em 2005, a oposição partidária e midiática ao governo Lula vislumbrou a oportunidade de golpear de morte o governo, seu principal articulador político à época, o ex-ministro José Dirceu, e, por tabela, o conjunto do Partido dos Trabalhadores.

Na ocasião, havia uma corrente de opositores (nas fileiras de PSDB, PFL, PPS e Psol) que, trabalhando em parceria com os principais meios de comunicação, tentou transformar o caso em processo de impeachment do presidente Lula.

A revista Veja – que publicou 18 capas seguidas sobre o “mensalão” – chegou a “pedir” o impeachment de Lula, colocando numa dessas capas a imagem do presidente levando um pé no traseiro.

Numa iniciativa determinante para frear o movimento, Lula passou a produzir discursos cada vez mais inflamados em suas viagens pelo país, denunciando a tentativa de golpe e buscando apoio popular ao seu governo.

Também teria sido fundamental, segundo relatos publicados recentemente, a recusa do vice-presidente José Alencar em participar da conspiração. Alencar, na época, era ministro da Defesa e comandava as Forças Armadas – daí a importância de seu posicionamento.

Prevaleceu então, na oposição, a tese defendida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de que seria melhor arrastar o episódio ao máximo, com objetivo de “sangrar” o governo Lula até que definhasse e não encontrasse forças para disputar a reeleição em 2006. Como se sabe, o plano não deu certo.

O caso, de toda maneira, inaugurou uma nova fase de abordagem sobre corrupção política no país, com reflexos nos principais partidos, como comprovaram as posteriores investigações sobre os “mensalões” do PSDB em Minas Gerais – na campanha à reeleição do governador Eduardo Azeredo em 1998 – e do DEM, no Distrito Federal, que culminou com a queda do governador José Roberto Arruda, em 2009.

Nos dois casos, há indícios de igualmente tratarem-se de esquemas de caixa 2 para campanhas políticas. Nestes porém, os elementos que levam à suspeita de desvios de dinheiro público são bem mais consistentes do que no episódio envolvendo o PT.