Apesar de Marina, ambiente tem menos espaço na campanha, dizem analistas

Especialistas ouvidos pela Rede Brasil Atual veem como positivo o alcance da candidatura, mas divergem sobre o papel que o tema pode ter nas próximas eleições

A candidata do PV à presidencia, Marina Silva (Foto: Cacá Meirelles/Divulgação)

São Paulo – A terceira colocação da candidatura do Partido Verde nas pesquisas de intenção de voto e a primeira eleição após as discussões internacionais sobre o aquecimento global não garantiram à temática ambiental centralidade no pleito. Segundo ambientalistas e analistas ouvidos pela Rede Brasil Atual, ainda que a questão não tenha sido ignorada, ficou longe de receber grande destaque na campanha, que se aproxima da reta final. Distribuição de renda, geração de emprego, educação, segurança e saúde, por exemplo, receberam mais atenção.

Quando o mundo se voltou às discussões ambientais que ocorriam em dezembro do ano passado na 15ª Conferência das Partes (COP-15), em Copenhague, na Dinamarca, analistas apostaram que a questão seria dominante no cenário eleitoral de 2010 no Brasil. A avaliação intensificou-se quando Marina Silva (PV) oficializou sua intenção de ser candidata à Presidência da República. Havia a expectativa de que todos os concorrentes fossem obrigados a tratar em profundidade a questão.

Para José Eli da Veiga, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), a simples entrada de Marina na campanha forçou os demais candidatos a serem cuidadosos com a questão ambiental. “Por exemplo, na preparação da candidatura da Dilma (Rousseff, PT), uma das ideias era de que se daria toda ênfase no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e que se iria prometer mais PAC. E isso não aconteceu”. O especialista é uma das referências em discussões ambientais e sobre mudanças climáticas no país. Ele chegou a participar da confecção das diretrizes de governo da campanha de Marina

Por outro lado, a candidata verde teve de agir em sentido contrário. Constantemente questionada por jornalistas sobre a predominância de temas ambientais em sua plataforma – tratada como “candidata de uma nota só” – ela precisou mirar temas variados para atrair o eleitorado. Ainda que tenha se colocado como caminho alternativo a Dilma e a José Serra (PSDB), tidos pela senadora como representantes de uma economia ultrapassada.

Avanço menor do que o esperado

Raul do Valle, coordenador adjunto de Política e Direito do Instituto Socioambiental (ISA), vê o aspecto positivo da campanha de Marina, ao trazer a ideia de uma economia criativa, mas entende que o debate foi menos intenso do que o necessário. “O elemento central seria mostrar que todos os temas estão ligados à questão ambiental”, resume.

O ativista considera que debater a preservação ambiental é fundamental tanto para crescimento econômico como para combater a desigualdade, promover qualidade de vida etc. “Ela (Marina) não conseguiu colocar isso muito claramente. E é algo que ela sabe fazer. Não sei se foi estratégia de campanha ou se foi falta de espaço”, analisa.

Embora enxerguem avanços, uma amostra de uma certa insatisfação de ambientalistas com as propostas dos candidatos foi a elaboração de um questionário sobre a visão das campanhas sobre o Código Florestal, cuja revisão está em discussão no Congresso Nacional. Sete perguntas foram formuladas por 12 ONGs ambientalistas – e as respostas foram protocoladas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Uma das explicações para a incapacidade de sedimentar temas ambientais pode estar relacionada ao próprio eleitorado. Eli da Veiga entende que é muito positivo o percentual atingido por Marina nas pesquisas (13%, segundo o Datafolha desta semana), o que aponta para uma candidatura do futuro. “Estamos vivendo uma mudança de época. Acabou a socialdemocracia. O Brasil foi um dos últimos países a chegar nisso e foi positivo. Mas o século XXI não é para a socialdemocracia”, acredita.

Posição oposta tem André Singer, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Ele defende que uma candidatura como a de Marina pode ser vista como pós-materialista, um conceito que se mostraria viável apenas nos países em que existe uma maior igualdade social, como nas nações nórdicas. “No Brasil, a questão da desigualdade é a questão central e vai continuar sendo por muito tempo. Tenho a impressão que vai demorar muito tempo pra isso mudar: é a distância que tem entre o Brasil e a Suécia”, pondera.

Impactos no mundo e na política

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em Desenvolvimento Sustentável, Othon Leonardos avalia que as candidaturas verdes terão outro patamar nas próximas eleições. Ele projeta um cenário em que os problemas gerados pelas mudanças climáticas se tornem mais próximos das pessoas, que terão de dar mais atenção ao tema. “O Brasil pode se dar ao luxo. Ainda temos tempo porque a Amazônia pode ser salva. O Cerrado, não, acabou. Mas na Amazônia os rios ainda correm, ainda têm peixes”, analisa.

Raul do Valle concorda que os impactos se farão sentir mais fortemente com o passar do tempo, aumentando a possibilidade de êxito dos verdes. Mas o ambientalista entende que o projeto de nação para os próximos anos não é alvissareiro do ponto de vista ambiental. Ele considera que Dilma e Serra são representantes de uma linha de “desenvolvimentismo pobre”, que não leva em conta a questão da sustentabilidade.

“Se não respeitarmos alguns limites já – e já ultrapassamos vários –, esse crescimento econômico pode não ocorrer, pode ser ilusório, e não trará qualidade de vida. Os prejuízos serão maiores que os benefícios”.

Leonardos acrescenta que o futuro está na economia criativa. “Criatividade é achar soluções para o homem novamente ter vínculo com a natureza. O homem está cortando vínculos, acha que pode poluir à vontade, sem custos, mas  tudo isso volta para ele próprio”, alerta.

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