Alta tensão

Putin vai ‘supervisionar’ exercício militar com lançamento de mísseis neste sábado

Enquanto os EUA usam retórica de guardiães da democracia mundial, Moscou confia que o máximo que pode sofrer com a crise são “pesadas” sanções econômicas

Reprodução/Youtube
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Presidente russo estabeleceu aliança com a China que lhe dá retaguarda econômica e militar

São Paulo – Em meio à guerra de versões, informações e contra-informações, a tensão entre Estados Unidos e Rússia prosseguiu nesta sexta-feira (18). Ainda é improvável que Joe Biden e Vladimir Putin, líderes das maiores potências militares do mundo, estejam dispostos a “disputar” a Ucrânia em guerra aberta. O país que faz fronteira com a Rússia não é sequer aliado dos Estados Unidos e da Europa Ocidental formalmente, pois não faz parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

Para este sábado (19), está previsto um grande exercício militar da Rússia envolvendo o lançamento de mísseis balísticos e de cruzeiro. O próprio presidente Vladimir Putin irá “supervisionar” o exercício, que já estava programado, segundo o Kremlin. Estarão reunidas forças da chamada “tríade nuclear”, abrangendo a aviação estratégica, mísseis intercontinentais e os submarinos porta-mísseis, segundo o site Sputnik Brasil.

Houve explosões na autoproclamada República Popular de Donetsk, dentro da Ucrânia, nesta sexta. A cidade dá nome ao principal clube de futebol do país, o Shakhtar Donetsk, que disputou torneios europeus. A região do chamado Donbass, leste da Ucrânia, vive guerra civil entre separatistas russos e forças de Kiev, que já matou 14 mil pessoas desde 2014. O governador da região de Rostov, na Rússia, Vasili Gólubev, teria pedido ajuda a Putin com a chegada de refugiados da região em conflito.

Os Estados Unidos continuam usando a retórica de guardiães da democracia mundial, após décadas levando para dentro da Otan vários países do Leste Europeu. “Os EUA, em sintonia com nossos aliados e parceiros, incluindo a Polônia, ofereceram a Putin um caminho para longe da crise e para uma maior segurança”, disse hoje o secretário de Defesa, Lloyd Austin.

Crise da Ucrânia e acordo entre Rússia e China. Por José Luís Fiori

Aliança sem limites

No momento, a ameaça concreta que paira sobre a Rússia são “pesadas” sanções econômicas, com as quais Biden ameaça, caso Moscou resolva pôr “ordem na casa” e acabar com a rebeldia do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

Putin sabe que nem o bloqueio à pequena Cuba – que completou 60 anos no último dia 3 de fevereiro de 1962 – foi capaz de derrubar o regime de Fidel Castro, que foi sustentado por Moscou enquanto existiu a União Soviética. E a “aliança sem limites” anunciada no início do mês por Putin e o presidente chinês, Xi Jinping, é uma retaguarda econômica e militar com a qual Biden não contava.

O temor dos meios diplomáticos mais isentos é de que a tensão faça com que a situação saia do controle, como observa a professora Miriam Saraiva, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

O presidente da Ucrânia denunciou no final do ano passado que queriam derrubá-lo com um golpe. Antes de ser presidente, Zelensky era um comediante. Diz-se que se espelhava em Ronald Reagan. Ele próprio chegou ao poder após a deposição do ex-presidente ucraniano Viktor Yanukovich, aliado de Moscou, em 2014.

Zelensky e Bolsonaro

Na ocasião, Putin acusou que Yanukovich caiu por um “golpe inconstitucional”, uma “tomada militar do poder”. Zelensky seria, na verdade, um fantoche dos Estados Unidos. Conhecido como um líder populista de extrema direita, o presidente ucraniano é objeto de análises que o associam a Jair Bolsonaro. Em 2020, o jornal espanhol El País afirmava que o “bolsonarismo neofascista se inspira em extremismo e anticomunismo da Ucrânia”.

Mesmo que invada a Ucrânia, Putin aposta que as retaliações ocidentais não seriam suficientes para quebrar o país. “A economia da Rússia é pequena, mas muito resiliente. Por isso não vai quebrar com sanções de Estados Unidos e Europa, graças à China”, afirmou à RBA na segunda-feira (14) o professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) Giorgio Romano Schutte. Para ele, Putin “sabe exatamente o que está fazendo”, embora não estejam claros quais serão os desdobramentos da crise.

Pacto de Munique

Para alguns analistas – como Thomas Heye, da Universidade Federal Fluminense –, a questão ucraniana faz lembrar o Pacto de Munique, assinado em setembro de 1938 na cidade alemã. O tratado entre os líderes de Inglaterra, Itália e Alemanha (Adolph Hitler) tinha como objeto o futuro da Tchecoslováquia. O acordo contemplava algumas concessões a Hitler no território tcheco, mas a própria Tchecoslováquia não foi consultada.

O resultado foi que os países “democráticos” capitularam ante Hitler. Assim, este continuou a ocupar o continente implacavelmente, passando por cima do tratado e da própria Tchecoslováquia. De certa maneira, de acordo com essa análise, a Ucrânia seria a Tchecoslováquia de 2022.