Geopolítica

‘O século 21 começa agora’, diz professor sobre aliança entre Rússia e China

Para Thomas Heye, da Universidade Federal Fluminense, a recém-anunciada aliança entre russos e chineses é “a coisa mais importante na geopolítica desde o final da Segunda Guerra”

Reprodução/Youtube
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Líderes russo e chinês, Putin e Xi Jinping anunciaram aliança "sem limites" na semana passada

São Paulo – A imprensa ocidental tem chamado o acordo entre China e Rússia, anunciado na semana passada, como um “desafio” aos Estados Unidos. Não apenas pelo contexto da crise envolvendo a Ucrânia, numa escalada que tem preocupado a diplomacia de todo o mundo. A “aliança sem limites” envolve uma cooperação entre a economia russa e a chinesa nas áreas militar, política e econômica. O Produto Interno Bruto da China é de aproximadamente U$ 15 trilhões. O da Rússia – semelhante ao do Brasil  – é de US$ 1,5 trilhão, segundo a agência Austin Ratings.

A abordagem do Ocidente só consegue mostrar o mundo segundo os interesses norte-americanos. Mas os acordos anunciados pelos presidentes Vladimir Putin e Xi Jinping, no encontro dos dois líderes, por ocasião da abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim, na sexta-feira (4), vão além. Preveem, por exemplo, atuação conjunta entre o sistema de satélites russo Glonass e o chinês BeiDou, segundo a página oficial do Kremlin.

Em bloco, ambos os países teriam finalmente o poder de confrontar o país “mais poderoso da Terra”, os Estados Unidos. Com o governo do democrata Joe Biden, os EUA parecem ter retornado à velha estratégia da política externa dirigida ao seu público interno. A aprovação de Biden está em 43%, a mais baixa de sua gestão de um ano, contra 52% que desaprovam. Ele precisa recuperar a popularidade. Não foi por acaso que, na semana passada, festejou a eliminação do líder do Estado Islâmico na Síria.

Mas Putin parece não se intimidar com as ameaças, muito menos agora, com a providencial entrada da China no debate. “As duas partes se opõem à expansão da Otan e pedem que a aliança do Atlântico Norte abandone suas abordagens ideológicas da Guerra Fria”, diz a declaração conjunta de Kremlin e Pequim.

Desde o final da Segunda Guerra

Na opinião de Thomas Heye, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), a recém-anunciada aliança Rússia-China é “a coisa mais importante na geopolítica desde o final da Segunda Guerra”. “O século 21 começa agora, com uma nova ordem internacional”, acrescenta.

Não se sabe até onde o presidente dos Estados Unidos pode ir com a nova escalada. Mas, desde 1945, todas as guerras ocorridas até hoje envolveram, diretamente, potências contra não potências, como no Iraque, no Vietnã e no Afeganistão, por exemplo. Ou nos conflitos pós-União Soviética que se alastraram no território da antiga Iugoslávia nos anos 1990. Um eventual conflito direto entre forças americanas e russas seria uma “’briga de cachorro grande’, de primeira divisão”, diz Heye.

Essa ameaça traz de volta a velha e assustadora lembrança que pairava sobre o mundo no tempo da Guerra Fria: “Só o armamento desses países de “primeira divisão” pode destruir o planeta várias vezes, sem contar o armamento convencional”, lembra o professor da UFF. “A parceria com a  China traz de novo a Rússia como um dos principais polos de poder no mundo.”

França e Alemanha

De olho nas eleições de abril, e com o vácuo deixado  por Angela Merkel na Alemanha, o presidente francês Emmanuel Macron tenta se colocar como o principal líder da Europa no momento. Ao contrário de Biden, ele está com a popularidade em alta. Nesta segunda-feira (7), o francês se reuniu com Putin em Moscou para discutir a crise na fronteira russo-uraniana. Depois, ele vai a Kiev, capital da Ucrânia.

Já a Alemanha, maior potência econômica da Europa, não quer saber de guerra. Não apenas por ser militarmente fraca (ao contrário da poderosa França) ou pelo trauma das duas Grandes Guerras que perdeu, mas também porque as forças políticas em ascensão hoje no país, o Partido Social Democrata, do primeiro ministro Olaf Scholz, e o Partido Verde, “têm o pacifismo na raiz”, diz Heye.

A Alemanha, explica o professor, não quer ficar sem o gás da Rússia, mas quer a guerra menos ainda. Hoje, cerca de 40% do consumo de gás da Europa vem dos russos. “A Alemanha não quer perder o gás da Rússia. Mas perderá tranquilamente se for para não ter guerra. Tanto que fechou o Nord Stream 2”, diz, sobre o gasoduto ligando Rússia e Alemanha, que foi concluído, mas bloqueado devido a formalidades jurídicas. O enorme projeto é alvo de acalorados debates sobre geopolítica.