Guerra de versões

Para pesquisadora, nem Biden, nem Putin querem guerra, mas situação pode sair do controle

Se um conflito militar entre potências parece improvável, a “guerra de versões” é intensa, principalmente após Moscou expulsar o vice-embaixador norte-americano na Rússia nesta quinta-feira

Reprodução/Youtube/Al Jazeera
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Leste da Ucrânia vive uma guerra civil que já matou 14 mil pessoas

São Paulo – Depois de aparentemente ter arrefecido nos últimos dias, a crise envolvendo a Rússia de Vladimir Putin, os Estados Unidos de Joe Biden e a Ucrânia voltou a piorar nesta quinta-feira (17). Até o momento uma guerra de fato não é uma perspectiva considerada provável pela maioria dos diplomatas, mas a “guerra de versões” é intensa. Principalmente depois de Moscou expulsar, hoje, o vice-embaixador norte-americano na Rússia, Bart Gorman. O motivo não ficou claro.

Os Estados Unidos continuam a falar em invasão “iminente” da Ucrânia por parte da Rússia. O termo virou piada nos meios diplomáticos, mas até o momento, o acontecimento “iminente” – segundo Washington e a mídia ocidental – não só não ocorreu como é veementemente negado por Moscou.

Miriam Gomes Saraiva, pesquisadora do departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), não acredita que a Rússia tenha de fato intenção de invadir a Ucrânia. Mais do que isso, para ela, nem o presidente Vladimir Putin, nem o colega Joe Biden pretendem entrar em guerra. Mas a atual situação de impasse de certa maneira interessa politicamente a ambos, em sua avaliação.

Do lado da potência ocidental, o governo americano tenta usar a situação para melhorar a imagem de Joe Biden, após a saída politicamente catastrófíca do Afeganistão. Enquanto isso, Putin mostra a seu povo que não se verga aos Estados Unidos e mantém o status de potência e exalta o orgulho da “Mãe Rússia”. Desse modo, leva Moscou novamente ao protagonismo na geopolítica mundial.

E os europeus, por sua vez, ficam em situação incômoda que não conseguem resolver, porque não conseguem prescindir dos Estados Unidos, avalia Miriam.

Bom para ambos

 “É bom para Putin e é bom para Biden. Pelo menos os americanos assim interpretam. Por isso, a situação vai se prolongando”, diz. “Espero que tudo isso não tenha consequências graves. Acredito que nenhum dos dois tenha intenção de guerra, mas a situação pode eventualmente sair do controle, por causa desse espaço tenso de guerra civil”, acrescenta.

Ela se refere ao leste da Ucrânia. A região conhecida como Donbass vive uma guerra civil entre separatistas pró-Rússia e nacionalistas que já matou 14 mil pessoas desde 2014. Nas últimas horas, houve ataques com morteiros nessa região.

A escalada retórica e mesmo militar – já que a Rússia tem cerca de 100 mil soldados nas fronteiras da Ucrânia – implica riscos imprevisíveis e consideráveis.

A professora da Uerj cita um evento de 2014 que, se ocorresse hoje, poderia de fato desencadear uma guerra. Em 17 de julho daquele ano, um Boeing 777, que fazia rota entre Amsterdã e Kuala Lumpur, foi abatido por um míssil terra-ar disparado da região em conflito no leste ucraniano. As 298 pessoas a bordo do voo MH17 morreram.

O iminente que nunca acontece

Por enquanto, a guerra verbal prossegue. Hoje, em discurso no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em Nova York, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, disse que a crise está em “momento de perigo”. E, de novo, repetiu a expressão mais falada pela mídia ocidental há quase duas semanas: “A iminente agressão da Rússia contra a Ucrânia”.

Já a Rússia entregou ao embaixador dos EUA em Moscou, John Sullivan, propostas sobre “garantias de segurança”. O comunicado da diplomacia do Kremlin destaca “medidas interligadas de controle de armamentos e redução dos riscos militares, que asseguram a contenção e previsibilidade das atividades militares”. O documento enfatiza a “inaceitabilidade” de exigências de retirada das tropas russas de determinadas zonas do país, segundo o site Sputnik Brasil.

Miriam Saraiva conclui que, mesmo diante das incertezas, sobre um fato não pairam dúvidas: “certamente não foi Bolsonaro que dissuadiu Putin de não invadir (risos). Até Bolsonaro está se dando bem, tomando carona na crise para propaganda eleitoral.”

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