Irã detalha plano, ONU elogia, mas EUA insistem em sanções

Carta de Barack Obama enviada para Lula há 15 dias aponta que acordo era visto pelos Estados Unidos como forma de gerar confiança no Irã, aumentando desconfiança sobre intenções da Casa Branca

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, pediu que se leve em conta a “solução negociada” para o caso do Irã (Foto: Mark Garten. ONU)

São Paulo – O Irã deu mais uma mostra de que pretende cooperar ao informar que fará o envio, até domingo (23), das explicações a respeito do acordo fechado com Brasil e Turquia na área nuclear. O governo de Mahmoud Ahmadinejad vai apresentar à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) os detalhes do repasse anual de 1.200 quilos de urânio aos turcos, que devem devolver o produto levemente enriquecido.

A entrega do plano, presença de autoridades do Brasil e da Turquia, é o novo passo dado pelos iranianos para mostrar boa vontade em resolver o tema pela via diplomática. Do outro lado, no entanto, os Estados Unidos seguem dispostos a impor sanções utilizando o Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Oficialmente, o Departamento de Estado da Casa Branca posicionava-se contra o acordo, afirmando que o presidente Lula teria de vencer uma enorme montanha. A secretária Hillary Clinton chegou a insinuar que o Brasil era ingênuo ao tentar negociar o acordo, mas em seguida afirmou que essa seria a última chance de evitar sanções. Aparentemente, a Casa Branca não contava com o sucesso nas negociações, pois logo no dia seguinte ao anúncio sacou da gaveta um rascunho de proposta que foi imediatamente apresentado ao Conselho de Segurança.

“A reação dos Estados Unidos, desde então, veio ao contrário”, afirma André Luiz da Silva, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Ficaram com uma parte de seu argumento relativamente inviabilizado, já que a principal questão do acordo foi Ahmadinejad sinalizar que quer a via diplomática.”

Um novo sinal das contradições dos Estados Unidos apareceu nesta sexta-feira (21), quando a agência de notícias Reuters revelou uma carta enviada há 15 dias pelo presidente do país, Barack Obama, ao presidente Lula. Na correspondência, Obama expõe quais seriam os pontos principais a serem atendidos por um eventual acordo multilateral e quais seriam os efeitos para a comunidade internacional.

“Do nosso ponto de vista, uma decisão do Irã de enviar 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento para fora do país geraria confiança e diminuiria as tensões regionais por meio da redução do estoque iraniano” de LEU (urânio levemente enriquecido, na sigla em inglês), diz Obama na carta.

“A oposição e a imprensa vão ter de se acostumar a ver cada vez mais o Brasil envolvido em questões com as quais a gente não estava acostumado. O Oriente Médio, por exemplo, a América Central, assim por diante” – André Luiz da Silva, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Outros trechos revelam que as demais exigências dos Estados Unidos foram atendidas pelo governo Ahmadinejad, como, por exemplo, ampliar as informações fornecidas à AIEA e dar seguimento às negociações com os principais atores da comunidade internacional. Agora, o discurso da Casa Branca, reproduzido por parte da mídia do país do Norte, pela oposição e pela imprensa brasileiras, é de tentar afirmar que o Irã usou os outros dois integrantes do acordo para ganhar tempo e evitar uma nova rodada de sanções, que seria a quarta aprovada via Conselho de Segurança.

As declarações têm feito aumentar a desconfiança sobre a postura da Casa Branca em relação ao Irã. Reforçou-se a impressão de que os Estados Unidos querem manter um clima de tensão com o país asiático em troca de seus interesses comerciais na região – o Irã tem enormes reservas petrolíferas.

A impressão se reforça ao se analisar os antecedentes da atuação estadunidense no Oriente Médio, entre os quais se destaca o do Iraque: as tropas estrangeiras invadiram aquela nação sob o pretexto de que havia perigosas armas químicas em poder dos iraquianos, mas, hoje, após o efeito catastrófico da guerra que segue em curso, ficou comprovado que tal argumento não se ancorava em fatos.

Novas pressões

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, elogiou nesta sexta o acordo firmado no começo da semana. “Brasil e Turquia trabalharam juntos para oferecer uma importante iniciativa à resolução das tensões internacionais sobre o programa nuclear do Irã de forma pacífica”, afirmou durante visita a Istambul. O secretário-geral ponderou que é necessário esperar uma avaliação técnica da AIEA, mas manifestou a vontade de que o acordo leve a uma “solução negociada”, ou seja, evite a aplicação de sanções.

Os Estados Unidos dizem contar com a concordância dos outros quatro-membros permanentes (Grã-Bretanha, França, Rússia e China) do Conselho de Segurança na empreitada. Em Tóquio, a secretária de Estado Hillary Clinton usou a ameaça de que o Irã ficará isolado caso não cumpra com suas obrigações.

O presidente Lula, evitando citações diretas aos Estados Unidos, tem lamentado a postura do país no pós-acordo. “Quero ver se os outros vão cumprir aquilo que queriam que o Irã fizesse”, afirmou na quinta-feira após dizer que “tem gente que não sabe fazer política se não tiver um inimigo.”

O professor André Luiz da Silva entende que, finalmente, o Brasil tem uma política externa que corresponde à importância de um dos países de maiores dimensão, população e economia. “A oposição e a imprensa vão ter de se acostumar a ver cada vez mais o Brasil envolvido em questões com as quais a gente não estava acostumado. O Oriente Médio, por exemplo, a América Central, assim por diante”, avalia.