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Equador desiste de iniciativa que renunciava à exploração de petróleo para preservar floresta

Apresentada em 2007, Iniciativa Yasuní-ITT não extrairia petróleo em reserva ambiental da Amazônia. Em troca, comunidade internacional contribuiria com 3,6 bilhões de dólares

José Jácome/EFE

Manifestantes se concentram em Quito contra a exploração petrolífera no Yasuní durante anúncio presidencial

São Paulo – O presidente do Equador, Rafael Correa, convocou uma cadeia nacional de televisão na noite de ontem (15) para colocar um ponto final na Iniciativa Yasuní-ITT, lançada em 2007, pela qual o governo pretendia renunciar à exploração de uma grande reserva petrolífera na Amazônia equatoriana e preservar assim uma das regiões com maior biodiversidade em todo o mundo.

“Se vocês não gostam do petróleo, eu também não gosto”, afirmou o presidente, que em pouco mais de 20 minutos de discurso bateu diversas vezes na tecla de que os recursos financeiros obtidos com a exploração do Yasuní-ITT – mais de 18 bilhões de dólares – são necessários para levar os serviços básicos a todos os cidadãos do país, sobretudo à metade da população que vive na pobreza e não possui sequer acesso à água potável. “Mas todos deveríamos gostar ainda menos da miséria.”

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Rafael Correa estava bastante preparado, munido de números e slides, para fazer o anúncio, que classificou como o mais difícil de todos os seus sete anos de governo. A Iniciativa Yasuní-ITT foi originalmente uma proposta dos movimentos ambientalistas e indígenas equatorianos que participaram da coalização de forças sociais que elegeram o presidente pela primeira vez, em 2006. Como consequência, Correa apresentou oficialmente a ideia no ano seguinte, inclusive nas Nações Unidas.

A iniciativa consistia em deixar embaixo da terra os 920 milhões de barris que haviam sido descobertos numa região do Parque Nacional Yasuní conhecida como ITT – iniciais dos rios Ishpingo, Tambococha e Tiputini, que definem os limites da área. Além de ser rica em petróleo, com veios que representam 20% das reservas conhecidas no país, o Yasuní-ITT é um dos patrimônios da biosfera reconhecidos pela Unesco devido à sua rica biodiversidade e grande quantidade de espécies endêmicas – ou seja, animais e plantas que só existem ali.

Além de preservar a floresta, ao deixar o petróleo intocado, o país também evitaria a emissão de 420 milhões de toneladas de CO2 à atmosfera, oferecendo uma importante contribuição para amenizar o efeito estufa. Mas o Equador é um país pobre, com um passivo social imenso, e não podia simplesmente renunciar ao dinheiro. Até porque a exportação petrolífera ainda é sua principal fonte de riqueza, respondendo por 40% de seu Produto Interno Bruto.

Por isso, em troca, o país pedia à comunidade internacional que contribuísse com metade do valor que conseguiria explorando e vendendo o petróleo. Na época, a conta chegou a 3,6 bilhões de dólares, que, inicialmente, seriam trocados por bônus e créditos de carbono. O governo pediu ajuda do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que criou junto com as autoridades equatorianas um fundo especial que seria administrado com supervisão internacional, evitando que o dinheiro fosse desviado ou mal gasto.

Ainda assim, sete anos depois, apenas 13 milhões de dólares foram arrecadados. “O mundo falhou conosco”, lamentou Rafael Correa. “Não era caridade o que pedíamos: era corresponsabilidade na luta contra a mudança climática. O principal contribuinte seria o povo equatoriano, porque o Equador é um poluidor de menor escala e, ainda assim, com a proposta, sacrificaríamos 3,6 bilhões de dólares em renda petrolífera.”

O presidente também ensaiou uma interpretação para o desprezo internacional com que foi recebida a iniciativa. “A proposta se adiantou aos tempos e não pôde ou não quis ser compreendida pelas nações responsáveis pela mudança climática”, criticou, ressaltando a inovação trazida pelo projeto, avaliado por ambientalistas como a ideia mais concreta e eficaz para combater o aquecimento global. “Também tivemos má sorte, porque o lançamento da iniciativa coincidiu com a maior crise econômica global dos últimos oitenta anos.”

“Mas que ninguém se engane”, continuou. “O fator fundamental do fracasso é que o mundo é uma grande hipocrisia. E a lógica que prevalece não é a da justiça, mas do poder. É tão simples como duro: os países contaminantes são os mais ricos e fortes. Se os bens ambientais produzidos pelos mais pobres são de livre acesso, para que haveriam de pagar alguma coisa?”

Por fim, o presidente tentou minimizar o impacto de seu anúncio dizendo que a exploração se utilizará de “técnicas adequadas” e afetará menos de 1% do Yasuní. “Esse compromisso será supervisionado por mim pessoalmente.” Correa também aproveitou para rebater as críticas que certamente viriam – como vieram – de movimentos sociais, indígenas e ambientalistas que há quatro anos retiraram apoio ao governo. “Havia um dilema: 100% do parque preservado e nenhum recurso para combater a miséria, ou 99% do Yasuní e 18 bilhões de dólares para investir?”