cúpula mundial

‘Bate-boca’ entre Obama e Putin deve ofuscar discussão econômica do G20

Grupo de países ricos e emergentes pretende discutir questões como crescimento e regulação do mercado financeiro, mas oposição da Rússia à invasão norte-americana na Síria deve dominar debates

©alexey maishev/efe

Primeiro ministro da Índia, Manmohan Singh, desembarca na Rússia para Cúpula do G20

São Paulo – A Cúpula do G20 começa nesta quinta-feira (5), em São Petersburgo, na Rússia, sob risco ver sua pauta prévia – centrada em questões econômicas – atropelada pelos atritos entre Estados Unidos e a própria Rússia quando à iminente invasão norte-americana à Síria. Os dois fazem parte do grupo que reúne os chamados países desenvolvidos e emergentes, entre eles o Brasil.

Oficialmente, os debates do G20 estão centrados em questões econômicas, como o crescimento dos emergentes, a discussão de políticas para criação de empregos e a regulamentação do sistema financeiro internacional. As discussões em torno de mais uma intervenção militar dos EUA no Oriente Médio, e suas possíveis consequências, é que devem prevalecer nos encontros bilaterais entre os líderes.

“A questão Síria vai tirar os holofotes das questões dos emergentes. O mal-estar entre Rússia e Estados Unidos é recente. A Rússia tem interesses ali também e, além de tudo, ela está sediando a reunião”, afirma Maria Antonieta Del Tedesco Lins, professora do Instituto de Relações Internacionais da USP. “E fora isso, apesar de alguns países não estarem preocupados com o Conselho de Segurança da ONU, é absolutamente ilegal uma intervenção unilateral como essa que os Estados Unidos estão propondo, passando por cima sem esperar autorização da ONU.”

O presidente norte-americano Barack Obama já deixou claro que pretende invadir a Síria a despeito da posição da ONU, esperando apenas o aval do Congresso de seu país. Ele afirma estar convencido de que os ataques com armas químicas que mataram mais de 1.400 pessoas na Síria foram realizados pelo governo do presidente Bashar al-Assad, que atribui o ataque a membros da oposição. A Rússia diz ter provas em contrário – de que os ataques seriam de autoria dos oposicionistas.

“Os grandes protagonistas dessa disputa vão estar lá. Não vai haver acordo nenhum sobre essa questão. Os Estados Unidos já disseram que atacarão independentemente da ONU e mesmo do seu Congresso. A Rússia e a China não vão seguir os americanos. Vai haver bate-boca e pode acabar desviando o foco. Essa reunião do G20 poderia ter um impacto maior do que as anteriores, com compromissos pelo crescimento econômico, mas com a questão da Síria não se sabe o que vai acontecer”, avalia o sociólogo e cientista político Emir Sader.

O presidente dos EUA, que hoje passou pela Suécia, chegará à Rússia defendendo o ataque à SíriaLeonardo César Souza Ramos, professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC-MG, acrescenta um elemento que, na opinião dele, prejudicará a agenda econômica: a posição ambivalente da Rússia. “O país está no limiar do processo, uma vez que é ao mesmo tempo membro do G8 e do Brics. Putin deu uma declaração dizendo que faria esforços para gerar convergências do G8 com o G20, mas por outro lado há uma percepção de que o país tem usado a presidência do grupo para trabalhar contra uma ocidentalização das organizações multilaterais que o governo russo denuncia há tempos, o que favoreceria a pauta do Brics”, afirma. “Com essa situação de Putin e o problema na Síria, o risco de uma reunião esvaziada é razoável.”

Crescimento e regulação

O risco de falta de consensos na discussão econômica já era grande, na opinião de Maria Antonieta. O principal tema dos emergentes é o crescimento econômico, especialmente após o anúncio de uma mudança na política monetária dos EUA, que deixariam a partir de setembro de comprar os títulos de sua dívida pública que vencem no mercado.

A professora explica que, até o momento, o governo norte-americano tem recomprado os títulos com moeda nova, o que significa na prática uma injeção de dinheiro na economia mundial. “É como se tivessem ligando a máquina de fazer dinheiro, de forma bem simplificada. Ao deixar de fazer isso, vão deixar de injetar bilhões de dólares na economia mundial”, explica.

O efeito é mais um incentivo para reduzir o crescimento econômico mundial, já afetado negativamente pela recessão europeia. “A política monetária dos EUA ainda não mudou, mas o simples anúncio deu essa virada importante no mercado, levando a essa instabilidade enorme e depreciação das moedas de várias economias, em processo que tem sido mais penoso para o Real e a Rúpia, particularmente. É um problema muito sério, um tema suficiente para discutir, mas que muito dificilmente chegaria a alguma recomendação conjunta, porque evidentemente os EUA não vão mudar sua orientação econômica”, explica.

Além de incentivos ao crescimento e ao investimento, a pauta definida pela Rússia inclui o difícil debate sobre regulamentação financeira e transparência fiscal. O tema foi colocado como prioritário pela chanceler alemã Angela Merkel, que disse que irá pressionar o G20 para fazer progresso sobre a regulação de mercados financeiros e reduzir a evasão fiscal.

“A questão da transparência e o combate à evasão fiscal foram colocados como destaque pela Rússia. É um tema que já está na agenda há algum tempo e querem avançar, com combate à lavagem de dinheiro, paraísos fiscais e outros pontos. A questão é ver como esses pontos se coordenam, que atores apoiam cada uma das pautas”, avalia Leonardo.

Maria Antonieta lembra que, embora o G20 seja um espaço privilegiado para a discussão sobre governança do sistema financeiro internacional, os efeitos práticos das declarações a respeito foram pequenos até o momento.

“Não adianta o G20 falar que precisa aumentar a regulação financeira, porque enquanto não tiver mudança nas regulações nacionais, existe pouco espaço para que isso avance. De 2010 para cá, as coisas se acalmaram, cada país cuidou de resolver a própria crise interna e os países desenvolvidos deixaram de lado o debate em torno da regulação financeira, que não interessa para as instituições financeiras internacionais. Mesmo o que passou de mudança nos EUA foi minúsculo perto do que se debatia e ficou por isso mesmo”, lembra a professora.

O russo afirmou hoje que aceitaria atacar o governo de Al-Assad se houvesse comprovação do uso de armas químicas“Fica tudo nas intenções. Na hora em que a crise está quebrando tudo, todos dizem que de fato têm que fazer a regulação. Mas depois que passa o pior momento, os bancos não querem controle, querem operar de forma a trazer maior rentabilidade”, explica.

A importância do G20 como fórum, segundo a professora, varia de acordo com a presença do tema na agenda internacional. Isso, no entanto, não significaria um esvaziamento do grupo. “O G20 é a manifestação clara de que não dá para resolver determinados problemas da economia política internacional sem incorporar os emergentes. Desde problemas relacionados ao que foi a causa da crise, até evasão fiscal, questões ambientais”, afirma Leonardo. “É uma declaração explícita, prática dos países desenvolvidos de que não dá para resolver esses temas sozinhos, embora não vão largar o osso do G8, que é o fórum privilegiado de discussão entre eles.”

O pesquisador aponta resultados relevantes que vieram do G20, como o início da discussão de um modelo de desenvolvimento para um mundo pós-neoliberal e a inclusão da questão do emprego no debate internacional.