Há cinco anos, decreto de Néstor Kirchner ampliava força do Grupo Clarín

Presidente da Argentina já havia também renovado por dez anos as concessões de rádio e TV vigentes; mais tarde, ele e a presidenta Cristina romperam com o grupo midiático, agora no alvo da Lei de Meios

Buenos Aires – Um decreto firmado há exatos cinco anos pelo então presidente da Argentina, Néstor Kirchner, ampliou o poder do Grupo Clarín, que a Lei de Meios sancionada em 2009 por Cristina Fernández de Kirchner tenta agora reduzir. Na ocasião, o titular da Casa Rosada assinou, quando faltavam três dias para deixar o cargo, a autorização para a fusão entre o Multicanal e o Cablevisión, que passaram a controlar quase a metade do mercado de TV a cabo da Argentina.

Quis o destino, ou quis o tabuleiro político argentino, que justamente cinco anos depois se vivesse um dia decisivo para a desconcentração de um mercado controlado pelo Clarín. Naquele momento, o conglomerado passou a ter 60% das ações da empresa, e outros 40% ficaram nas mãos de Fintech Advisory, um fundo de investimento dos Estados Unidos. Juntos, chegaram a 2,8 milhões de assinantes em um mercado total então estimado em 6 milhões. 

Na época, a Comissão Nacional de Defesa da Concorrência não apresentou oposição à operação financeira, afirmando apenas que o Cablevisión deveria promover uma série de investimentos, levando televisão e internet para localidades ainda não assistidas e cobrando uma tarifa mais barata de pessoas de baixa renda.

O caso faz recordar como os Kirchner e o megagrupo de comunicação tiveram convivência pacífica desde a assunção de Néstor ao poder, em 25 de maio de 2003, até o começo de 2008. Em 2005, o presidente renovou por decreto todas as concessões de rádio e TV por mais dez anos, com a condição de que cada emissora apresentasse um plano de uma programação que promovesse a cultura e a educação argentinas. 

O caldo só entornou quando o Clarín obedeceu a seu chamado de classe, colocando-se ao lado dos produtores rurais que brigavam contra a intenção do Executivo de promover uma alta na cobrança de impostos sobre a exportação. Foi aí que, já como ex-presidente, Néstor Kirchner soltou a célebre frase “Que te pasó, Clarín, eh?”. Traduzindo, “Que te ocorreu, Clarín, eh?”, ou, interpretando, “O que você está fazendo, Clarín?”. 

A esta altura, já residia sobre a mesa de Cristina Fernández de Kirchner o documento chamado “21 pontos por uma radiodifusão democrática”, elaborado por uma coalizão de movimentos sindicais, sociais e acadêmicos que reclamava uma maior diversidade dos meios de comunicação. Este trabalho foi a base para que, ao longo de mais de um ano de debate, fosse formulado o anteprojeto enviado ao Congresso e mais tarde, em outubro de 2009, transformado na Lei de Meios. 

De lá para cá, o noticiário dos veículos do Clarín não deu trégua ao governo. E a Cablevisión entrou na mira da nova legislação, pela qual o conglomerado tem de escolher entre mantê-la e perder todo o resto ou livrar-se dela e manter uma parte do resto. O Fintech, sócio na transmissora de TV a cabo, tentou dar o primeiro passo ao promover uma consulta sobre a possibilidade de o Clarín se desfazer de sua parte no negócio.

Acabou rapidamente desautorizado pelo grupo, que entende ter em seu favor uma decisão em caráter liminar que lhe permite descumprir o artigo 161 da Lei de Meios, justamente o que prevê a apresentação de um plano de adequação para as empresas que tenham concessões de rádio e TV em excesso. 

O presidente da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca), Martín Sabbatella, responsável pela implementação da Lei de Meios, afirmou que o Clarín tem o direito de opinar sobre o problema, mas não o de descumprir o que está previsto. “O sócio minoritário, dono de 40% da empresa, está dizendo: ‘Não quero que meu sócio majoritário me arraste para a ilegalidade. Quero estar dentro da lei’”, disse, acrescentando que apenas o controlador da Cablevisión pode apresentar uma proposta efetiva para desfazer o negócio realizado há cinco anos e avalizado por um decreto de Néstor Kirchner. Se não o fizer, na visão do governo, a partir de segunda-feira (10) sofrerá um “desinvestimento” forçado, ou seja, deixará de ser dono da Cablevisión.