Copa 2014

Brasília conclui arena, acelera projetos de mobilidade e acumula desconfianças

Entrega oficial do estádio, que custou quase o tripo do orçado, será nos próximos dias, mas alguns itens da preparação para a Copa – como a ampliação de setor hoteleiro – ainda estão no papel

Entrega oficial do estádio será nos próximos dias

Brasília – A preparação do Distrito Federal para sediar jogos da Copa das Confederações, agora em junho, e da Copa do Mundo, no ano que vem, começou o mês de maio com mais uma mancha em seu conturbado processo de estruturação logística para os eventos. O governador Agnelo Queiroz (PT) anunciou na quarta-feira (1º) a suspensão do processo de compra de 17 mil capas de chuva para policiais. O negócio, avaliado em R$ 5,3 milhões, implicaria num custo médio unitário superior a R$ 300.

Ao despedir-se do posto de comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal, no dia seguinte à sua exoneração, determinada por Agnelo, o coronel Suamy Santana admitiu ter sido erro administrativo a inclusão das capas na lista de compras da corporação para a Copa de 2014. E disse não ter havido má-fé no procedimento, uma vez que o objetivo seria fazer do equipamento adquirido um “legado” para a polícia distrital. “Não sou corrupto, não sou ladrão”, defendeu-se.

A Lei Geral da Copa flexibiliza as licitações e pregões por conta da especificidade e da urgência do evento e o equipamento teria durabilidade superior a cinco anos. Como os dois eventos se esgotam em 2014, e ocorrem no auge da estiagem brasiliense, que dura do outono à primavera, não precisava tanto. Em nota enviada pela assessoria de imprensa, o GDF também defendeu a compra das capas de chuva para os policiais.

O episódio é mais um na coleção de polêmicas a cercar a organização local, que abrangem desde a mudança do antigo nome do estádio Mané Garrincha ao custo das obras e sua funcionalidade depois de 2014.

Em meio a esse ambiente conturbado, o projeto completo do Estádio Nacional de Brasília está prestes a chegar ao seu desfecho. Os primeiros rolos de grama para cobrir a arena multiuso chegaram no sábado (27/4) ao Distrito Federal e os operários estão em plena fase de conclusão dos trabalhos.

Mas a condução da obra foi alvo de críticas diversas, causando embaraços políticos ao governador nos últimos anos. Primeiro, diante das reclamações de que outras áreas, como Saúde e Educação, não estão recebendo os mesmos cuidados. Depois, pelo próprio custo total, que se aproxima de R$ 1,7 bilhão, mas ainda é uma incógnita. “O custo total ainda não é conhecido, tendo em vista que é preciso considerar o Recopa, programa de incentivos fiscais para obras voltadas ao evento”, afirmou em entrevista o secretário extraordinário da Copa no GDF, Cláudio Monteiro. A aposta do governo é de que o retorno do investimento ocorra em dez anos, com a concessão dos espaços para lojas e utilização da área para a realização de shows.

“Brasília não tem tradição de jogos e os shows realizados aqui já contam com boas áreas para abrigar o público. Não vejo como o estádio não se transformar num novo elefante branco”, diz o engenheiro Heleno Aquino.

Água no chope

Questionamentos à parte, a cidade está em vias de entregar ao público um estádio com capacidade para receber 70 mil pessoas, moderno e sustentável em termos ambientais. O governo executa ainda quatro projetos de transporte urbano, além de obras para ampliação do centro de convenções. Há também investimentos privados na rede hoteleira, na capacitação de profissionais e no setor de serviços.

As incertezas começaram a tomar corpo depois do anúncio, no final de 2012, de que não haverá tempo para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos (LVT), como estava previsto. A frustração lançou luzes sobre os demais projetos e pôs em  de alerta os especialistas nos setores de turismo e esporte. Estavam previstos R$ 277 milhões para implantação do VLT, mas o GDF não conseguiu contratar a obra a tempo de ser concluída até 2014. A Justiça anulou uma das licitações executadas por governos anteriores, o que atrasou a realização de uma nova concorrência.

Em compensação, projetos de infraestrutura desenvolvidos com base no Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade (PDTU) do Distrito Federal (DF), aprovado em 2011, abriram caminho para que a região pudesse ser contemplada com investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento para a área – o PAC Mobilidade.

As obras dirigidas para o campeonato mundial são quatro. Duas preveem expansão e modernização do metrô e a readequação da rodovia DF-047 – que liga a estação de passageiros do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek à parte central da capital, o Plano Piloto, com uma via exclusiva para ônibus de passageiros, turistas e delegações e implantação de ciclovias.

A lista de desejos inclui a conclusão dos sistemas de Transporte do Eixo Sul e Eixo Oeste, que ligam, respectivamente, as regiões administrativas do DF (antes chamadas de cidades satélites) do Gama e Santa Maria ao Plano Piloto (Eixo Sul) e a Estrada Parque Taguatinga ao centro de Taguatinga, passando por outras áreas até chegar à rodoviária (Eixo Oeste), além de um túnel na região de Taguatinga.

Fora do PAC, o governo local toca um conjunto de dez obras de revitalização da área central de Brasília, num raio de três quilômetros do Estádio Nacional, estimado em cerca de R$ 360 milhões. A empreitada projeta a ligação para veículos entre as avenidas W4 Norte e W5 Sul e dois túneis de pedestres e ciclistas: um ligando o estádio ao Centro de Convenções Ulysses Guimarães e outro entre o Clube do Choro e o Parque da Cidade. A integração das áreas de acesso aos dois túneis com a área central comporá um complexo que inclui projetos de paisagismo e ligação do estádio ao Autódromo Nelson Piquet.

Pros e contras Copa DF

Desencontro de contas

O Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha tinha, em 2011, previsão de custar R$ 688,3 milhões, de acordo com o site Contas Abertas. Meses depois, sob o argumento de que o valor não incluía a cobertura da arena nem despesas com gramado, iluminação, cadeiras e elevadores, entre outros pontos, a cotação inicial foi elevada para R$ 812,2 milhões.

Obra vai, conta vem, mais recentemente a estimativa bate na casa de R$ 1,7 bilhão – dinheiro que sairá da venda de terrenos de propriedade do governo. “É justo com a população que sofre com falta de saúde, segurança e transporte? Precisamos de uma justificativa sobre o aumento destes valores”, questiona a deputada distrital Eliana Pedrosa (PSD), que solicitou audiência para analisar os gastos.

A obra está a cargo do Consórcio Brasília 2014, formado pelas empresas Andrade Gutierrez e Via Engenharia. Prevê cobertura em estrutura metálica, novos assentos, todos em área coberta, rebaixamento de gramado, três setores de arquibancadas e área social de passeio e lazer com restaurantes e bares. Além disso, pleiteia o selo LEED (liderança em energia e design ambiental, na sigla em inglês), certificação máxima para construções sustentáveis, porque ser feito com reutilização de materiais da antiga estrutura, dispor de painéis de captação de energia solar e sistema de aproveitamento da água da chuva.

Erguido com status de arena multiuso, o espaço ficará adaptado para a realização de grandes eventos nacionais e internacionais, além do futebol. A previsão do GDF é de que venha a passar por licitação para que uma empresa especializada em entretenimento o administre e garanta, assim, um calendário de eventos após o final do mundial – uma forma de aquecer o setor de serviços, como bares, hotéis, restaurantes e taxis. “O governo e a CBF também estudam a possibilidade de trazer jogos do campeonato brasileiro”, afirmou o governador Agnelo Queiroz.

Hotéis e tombamento

A ampliação do setor hoteleiro está emperrada em meio a impasse com o Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico e Nacional (Iphan). As regras de tombamento da capital limitam a altura dos novos prédios a 9,5 metros, e o GDF sugere altura entre 45 e 65 metros. Espera-se que um novo um projeto de lei a ser apresentado à Câmara Legislativa sobre o tema aproxime governo e Iphan até o início de 2014.

Estimativas dos mercados imobiliário e da construção civil são de que o novo complexo de hotéis pode vir a movimentar R$ 4 bilhões em obras. A previsão inicial do governo é de que apenas o terreno a ser licitado tem valor próximo de R$ 700 milhões a R$ 800 milhões. A área possui capacidade para a construção de 14 prédios.

O Distrito Federal possui 75 hotéis e cerca de 20 mil leitos disponíveis. Até a Copa, são necessários mais 8 mil vagas. O novo espaço supriria 70% desse déficit; o restante seria solucionado oferecidos por meio de flats e albergues.

“O mercado se movimentando e aguarda o edital. A expectativa é grande, até porque temos pouco tempo”, enfatizou um diretor do Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF (Sinduscon-DF), Élson Ribeiro de Povoa.

“Se o governo ficar preocupado apenas com a Copa do Mundo, esses hotéis vão quebrar”, ponderou o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Distrito Federal, Thomaz Ikeda. Ele chamou a atenção para o cuidado que é preciso ter com novos investimentos no setor, porque Brasília costuma apresentar demanda atípica, de hotéis ocupados entre terças e quintas-feiras e ociosos das sextas às segundas-feiras – o que leva a média de ocupação para 58%, abaixo da média nacional, 65%.

Qualificação

Desde 2011, são oferecidos cursos de qualificação profissional para garçons, camareiras, vendedores, supervisores de hospedagem, web designers, organização de eventos, operação de caixa, montagem e manutenção de computadores, atendente de consultório, telemarketing, entre outros. Os cursos contam com parcerias com o governo federal e entidades mantidas pelo Sistema S. Até 2012, o programa do GDF intitulado Qualificopa abriu 4 mil vagas em 22 cursos.A previsão para este ano é abrir até 10 mil vagas em novos cursos, e mais 10 mil em 2014.

Parte dessa capacitação também é ministrada pelo programa Pronatec Copa, do Governo Federal, que tem a proposta de qualificar 240 mil pessoas em 117 cidades, incluindo Brasília, em serviços de recepção, alimentação, bebidas, entretenimento e interação. “A Copa do Mundo dará a Brasília a maior exposição da história da mídia internacional. É uma oportunidade única”, acentuou o secretário de Turismo do DF, Delfim da Costa Almeida.

Os programas costumam obter aprovação dos usuários, mas são vistos de forma cética por alguns profissionais. “As aulas são rápidas. Nem todos estão sendo preparados de forma adequada”, criticou o sociólogo e professor especializado em Formação e Trabalho Maurício Alencar, autor de uma pesquisa sobre o tema, em fase de conclusão.

Outra empreitada que envolve essa qualificação é o projeto de ampliação do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, que terá sua estrutura ampliada para atender à agenda de eventos paralelos à Copa. Parte dos recursos destinados à primeira etapa da obra, de R$ 9,7 milhões (o projeto totaliza R$ 14,7 milhões), foi liberada no início de dezembro, com a assinatura do Pacto pelo Desenvolvimento do Turismo.

Os recursos serão bancados pela União, com a contrapartida de R$ 817 mil por parte do GDF, mas não vão somente para as obras: terão uma parte utilizada, também, no treinamento de profissionais. “Esse pacto com os estados tem como foco o pós-Copa. Queremos colocar o turismo na agenda econômica do país”, disse o ministro da pasta, Gastão Vieira.

A jato

No Aeroporto Internacional Presidente Juscelino Jubitshek, estão programadas três obras de reforma. Em dezembro, o aeroporto passou a ser administrado pelo consórcio Inframérica, formado pela Infravix Empreendimentos, do Grupo Engevix, e pela empresa Corporación América, da Argentina – que terá concessão pelos próximos 25 anos.

Segundo o presidente do conselho do consórcio, José Antunes Sobrinho, o local já ganhou quase 200 novas vagas no estacionamento, balcão de informações com atendimento bilíngue 24 hora, acesso gratuito à rede wi-fi de alta velocidade e dois novos endereços na internet com informações sobre voos, funcionamento e andamento das obras. “É só o começo de uma operação que pretende investir R$ 2,85 bilhões durante a concessão”, disse.

Estudo realizado pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal mostrou que o Produto Interno Bruto do DF subiu 2,4% no ano de 2011, atingindo R$ 161,5 bilhões. O índice é menor do que o registrado no ano de 2010, que foi de 3,5%. Uma análise da consultoria Ernst & Young, feita em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, sobre o impacto dos preparativos para a Copa nas unidades da Federação apontou, dois anos atrás, a tendência de Brasília vir a ser a segunda capital a ser mais impactada positivamente com as obras de infraestrutura programadas, abaixo apenas de Belo Horizonte.

Pressão pela preservação do nome Mané Garrincha

Mané GarrinchaNum país onde a paixão pelo futebol é marca registrada, causou apreensão, dos brasilienses e moradores de outros estados, o risco de o estádio perder o nome de Mané Garrincha. “Trabalhei tanto carregando tijolo nas obras, sou fã do Garrincha, e depois de tudo ter de passar por isso?”, o pedreiro Jamildo Flores, 29 anos. Morador de Águas Lindas, no entorno do Distrito Federal, e torcedor do Gama, ele disse que passou a infância ouvindo histórias sobre os dribles do craque das pernas tortas.
A causa tomou conta das redes sociais no início deste ano, virou abaixo-assinado na internet e só foi apaziguada com o anúncio de que ficariam os dois nomes no final das contas: Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha. O Mané Garrincha original foi inaugurado em 1974. Por lá passaram jogos clássicos do futebol brasileiro e shows de bandas que ajudaram a disseminar a cara urbana e roqueira da cidade, como Capital Inicial e Legião Urbana. Além disso, abrigou, durante anos, um complexo esportivo onde eram ministradas aulas de esportes diversos – o que cultivou uma referência esportiva e uma identidade em pelo menos duas gerações. A ideia de passar a ser conhecido apenas como Estádio Nacional não agradou.
Segundo informações do GDF, a intenção era fazer com que o novo estádio passasse a ter um nome que identificasse melhor a capital brasileira nos jogos da Copa, mas não tirar a homenagem ao jogador. “Estão falando isso agora, mas no começo das obras ninguém nem mencionava o nome do Garrincha, era só a sigla ENB. Mantivemos o nome pela pressão”, disse o engenheiro Bernardo Franco.
Para o secretário executivo do Comitê Organizador Brasília 2014, Cláudio Monteiro, desde o início estava previsto que não haveria mudanças. “O Estádio Nacional será o nome oficial e o Mané Garrincha o apelido, assim como acontece com o Maracanã. Nada muda. O nome Mané Garrincha jamais será riscado, porque está na mente e no coração das pessoas”, justificou.