Homem do apito

Armando Marques expulsou Pelé, apanhou de Nilton Santos e ‘empatou’ uma final

Ex-árbitro (apitou quase 1.900 partidas), protagonista de várias polêmicas no futebol, morreu aos 84 anos. 'Eu entendi, logo de cara, o futebol no sentido antropológico', afirmou

Folhapress

Pelé já era o rei do futebol, mas a regra era clara: quem mandava era o Armando

São Paulo – Armando Marques foi o melhor árbitro do futebol brasileiro. Armando Marques tornou-se famoso mais por seus erros dentro de campo do que pelas qualidades. As duas afirmações podem, conforme o olhar do freguês, ser vistas como verdadeiras.

Armando foi o árbitro que expulsou Pelé de campo. Foi quem errou uma contagem de pênaltis e fez com quem o campeonato paulista de 1973 terminasse empatado. Levou um soco de um dos maiores ídolos do futebol nacional, Nilton Santos. Apitou dezenas de finais de torneios estaduais e nacionais, quase 1.900 jogos e esteve em duas Copas (1966 e 1974). Comandou a arbitragem brasileira, mas não resistiu a um escândalo de corrupção. Por seu estilo, provocou o coro pouco habitual de “bicha!” nos estádios, de público predominantemente conservador. Armando Nunes Castanheira da Rosa Marques morreu na madrugada de hoje (17), aos 84 anos, de insuficiência renal.

Carioca, ele soprou o apito pela primeira vez em 1961, aos 31 anos. A fama começou dois anos depois, quando sua senhoria apitava um clássico San-São (Santos x São Paulo), no Pacaembu. Quando o tricolor fez 3 x 1, os santistas reclamaram e dois deles foram expulsos: simplesmente Pelé e Coutinho. O jogo não acabou por falta de jogadores do lado do Santos, na partida conhecida como a do “cai-cai”. A propósito, não era Pelé, mas “senhor Edson”. Armando tratava todos os jogadores de “senhor”.

O São Paulo também participou de outra partida polêmica, na final do campeonato paulista de 1971, contra o Palmeiras, no Morumbi. Vencia por 1 x 0, quando Leivinha, de cabeça, sua especialidade, empatou – mas Armando anulou o gol, alegando que houve toque de mão. Os palmeirenses reclamam até hoje. O empate ainda daria o título ao São Paulo.

Em 1973, mais uma final de campeonato paulista, lá estava Armando Marques. A disputa entre o Santos e a Portuguesa terminou empatada e foi para os pênaltis. O Santos levava vantagem na decisão, mas matematicamente ainda havia chance para a Lusa empatar. Só que o árbitro errou a conta e declarou os santistas campeões. Foi alertado para o erro, mas era tarde, porque a Portuguesa já tinha deixado o campo. Resultado: o título acabou dividido entre as equipes. Foi o terceiro título estadual da Lusa, que não ganhou outro até hoje.

Chega a final do campeonato brasileiro de 1974. Maracanã, Vasco e Cruzeiro de Belo Horizonte, que jogava pelo empate. O time carioca venceu por 2 x 1, mas os mineiros tiveram um gol legítimo anulado. Chiadeira azul-celeste. No mesmo estádio e no mesmo ano, Armando chamou a atenção de Nilton Santos, ídolo e assessor técnico do Botafogo. Em resposta, levou um soco que o fez cair na escadaria que dava para os vestiários, em imagem famosa.

Vaidoso, o árbitro entrava sempre impecável para apitar uma partida. A torcida não perdoava e o coro de “bicha!” ecoava nos estádios. “Eu adorava os gritos de bicha”, declarou em 1985, em uma entrevista à revista Placar. “Eram a minha marca registrada. Tornou-se a minha marca, pois agora xingam mesmo a mãe dos coitados. Eu me impermeabilizava. Eu entendi, logo de cara, o futebol no sentido antropológico: sabia o que representava a torcida, o jogador, o juiz, o técnico, o dirigente. Daí ficou fácil.”

Armando Marques disse, inclusive, que estimulou tais gritos, sua marca registrada, criando trejeitos. Mas ressalvou, naquele 1985, que não repetiria o estilo se voltasse a apitar. Sobre erros, afirmou: “Acertei muito mais em 1.896 partidas que atuei, mas no Brasil só contam os erros”. Citou um, que considerou o maior de sua carreira: um gol de mão do Fluminense contra o Flamengo, em 1969.

Em 1997, ele assumiu a Comissão de Arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Ficou no cargo até 2005, quando estourou o escândalo de manipulação de resultados no campeonato brasileiro. Linha-dura e elegante, era um personagem em campo, inclusive com uniformes confeccionados pelo costureiro Denner, mas reservado fora e avesso a entrevistas.