Número de CEUs aumenta, mas São Paulo descumpre ‘conceito original’

Sem estrutura nos bairros mais pobres, meta do Plano Diretor de integrar escolas com equipamentos culturais e esportivos falha

Seu Litão, líder comunitário do Jardim Gaivotas, reclama falta de áreas de lazer e esporte no bairro (Fotos: Danilo Ramos. RBA)

São Paulo – Nos dez anos de vigência do Plano Diretor de São Paulo, comemorados nesta quinta-feira (13), a cidade mais que dobrou o número de Centros Educacionais Unificados (CEUs), passando dos antigos 21 para os atuais 45. Porém, a “o conceito original [dessas escolas] não está sendo seguido”, de acordo com o idealizador do documento, Jorge Wilheim, secretário de Planejamento da administração de Marta Suplicy (PT).

Previstos no Plano Diretor, os CEUs deveriam integrar políticas de educação, cultura e esporte, ampliando as ações para a comunidade. Segundo o documento que baliza as ações do poder público na cidade, as unidades deveriam contar com “projetos elaborados intersetorialmente e de forma multidisciplinar que possibilitem a realização de atividades conjuntas com as secretarias de Esportes, Lazer e Recreação, Cultura, Saúde e Assistência Social”. 

E foi exatamente nesse ponto que eles deixaram a desejar, segundo avaliação de Wilheim. “Os edifícios estão aí, com computadores funcionando, mas o que interessa mais que isso é o espírito: houve [na época das primeiras inaugurações] três secretarias trabalhando juntas. Agora os CEUs estão sendo burocratizados e cada secretário faz o que pode. Isso vem de cima. É o prefeito que tem de ter essa visão”.

Sobre os CEUs

Os Centros de Educação Unificados (CEUs) se inspiram no projeto de “Escola Parque” lançado na Bahia em 1950 pelo educador Anísio Teixeira para funcionarem como centros populares de educação de crianças e jovens até 18 anos. 

O projeto chegou a São Paulo na gestão da prefeita Marta Suplicy (PT), entre 2001 e 2004. O princípio que norteia o projeto dos CEUs está balizado em promover desenvolvimento integral para os alunos por meio de atividades socioculturais, esportivas e recreativas, trabalhadas como forma de aprendizagem. Para isso contava-se com ações interligadas das secretarias de Educação, Cultura e Esporte e Lazer e com a participação da comunidade para elaborar o projeto político pedagógico da escola.

Em geral, eles possuem uma escola de educação infantil, uma escola de ensino fundamental e classes direcionadas para Educação de Jovens e Adultos (EJA). Os CEUS são instalados em regiões periféricas da cidade, carentes de equipamentos culturais e de lazer, e sua estrutura é aberta para uso da comunidade.

A Secretaria Municipal de Educação, responsável pelo projeto, informou em nota que “os CEUs entregues nesta gestão [do prefeito Gilberto Kassab, do PSD] tiveram seus projetos precedidos de uma conversa com os profissionais que atuavam nos centros antigos para que fossem aprimorados”. Eles informaram que as áreas direcionadas para esporte e cultura “estão mais distantes das escolas” para que “atividades simultâneas possam ser realizadas”. 

“Os CEUs valorizaram a cultura da periferia que nós mal conhecemos: o funk, o punk, a capoeira, toda criatividade da periferia veio à tona para valorizar os jovens e, além disso, as piscinas eram abertas para a comunidade. Ainda hoje me emociono ao lembrar as inaugurações”, conta Wilheim com voz embargada. “Você via o casamento do Executivo com a população e o orgulho que eles tinham disso”.

Currículo integrado

Além das ações intersetoriais dos CEUs, o Plano Diretor de São Paulo também prevê articular as “escolas de ensino fundamental com outros equipamentos sociais e culturais do município”. Nesse ponto, as oportunidades acabam sendo desiguais entre as regiões da cidade, segundo a coordenadora do grupo de trabalho de educação da Rede Nossa São Paulo, Ananda Grinkraut.

“Projetos assim não são só uma política da educação, mas do esporte e da cultura juntos”, afirma. “Se você analisar a porcentagem de equipamentos públicos na cidade verá que eles estão concentrados no centro expandido. Se não temos uma biblioteca ou um centro cultural por distrito não tem como prever interligação da escola”.

É o que se vê no Jardim Gaivotas, localizado no extremo sul de São Paulo. O bairro, que cresceu em um loteamento clandestino às margens da represa Guarapiranga, não conta com nenhuma área de lazer, esporte ou cultura para atender a comunidade, de acordo com o presidente da Associação de Moradores e Amigos do Bairro, Elito Gonçalves Dias, conhecido como seu Litão.

campo de futebol

Simpático e muito popular entre os moradores, seu Litão conta que o maior pedido “do pessoal do Gaivotas”, depois da conquista de uma creche, a ser inaugurada em outubro, é um campo de futebol. Tenho mais de 15 times aqui que jogam nesta várzea improvisada”, diz, apontando para o campo. “Eu acho que dava pra deixar ela mais arrumadinha e aumentar um pouquinho o tamanho do campo, não dava?!”. 

A luta existe desde que seu Litão assumiu a presidência da associação de moradores, há oito anos. “Ainda não conseguimos nada de área de lazer para as crianças e jovens”, conta. Vivendo no bairro desde 1989, quando chegou de Minas Gerais com sua ex-mulher e seus cinco filhos, ele promete não desistir. “Aqui é muito bom de morar, mas precisamos muito de atividades para o pessoal e vamos continuar na luta”.

A Rede Brasil Atual, a Rádio Brasil Atual e a TVT apresentam esta semana uma série de reportagens sobre os 10 anos do Plano Diretor Estratégico de São Paulo. O que foi implementado, o que ficou de lado, quais os interesses envolvidos no debate. A Rádio Brasil Atual pode ser sintonizada na Grande São Paulo pela frequência 98,9 FM, no Noroeste paulista em 102,7 FM e no litoral paulista em 93,3 FM, ou em nossa página na internet.