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Lula atende mobilização popular e vai suspender reforma do ensino médio

A medida é uma resposta à forte pressão de estudantes, professores e especialistas pela revogação da reforma. Ministro da Educação, Camilo Santana, é criticado por se opor à revogação e também por manter nomes bolsonaristas na pasta

@XuniorL
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Estudantes nas ruas em 15 de março pela revogação do Novo Ensino Médio. Mobilização vai se repetir no próimo dia 19, segundo o movimento estudantil

São Paulo – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai suspender a implementação da reforma do ensino médio. Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo desta segunda-feira (3), será publicada nos próximos dias portaria com a interrupção do prazo para a adoção da política em toda rede. E também com a suspensão das mudanças do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, previstas para 2024. Mais que um teste, o Enem é a principal porta de entrada para as universidades públicas do país.

Em março de 2022, o então ministro da Educação Milton Ribeiro anunciou o “novo” Enem. Na primeira prova, o aluno seria submetido a questões discursivas de Português e Matemática, além da redação. E na segunda, a questões referentes à área escolhida pelo aluno durante o ensino médio. Em outras palavras, a parte flexível do currículo, chamada de itinerários formativos.

Já no formato atual, no primeiro dia da prova há 90 questões sobre Ciências Humanas, Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, além da redação. E no segundo, outras 90 sobre Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias.

De acordo com o jornal, a suspensão da reforma se dará durante consulta pública sobre o tema, aberta pelo Ministério da Educação (MEC) em março. Com duração de 90 dias, podendo ser prorrogada por mais um mês, tem como objetivo ouvir a opinião da sociedade.

Ainda segundo a Folha, a portaria com a suspensão da reforma tem apoio da equipe próxima ao presidente Lula. Isso porque a posição de manter a reforma tem trazido desgaste exagerado ao Palácio do Planalto. Principalmente da parte de estudantes. Esses jovens representam a base consolidada de apoio ao presidente devido às políticas criadas em seus governos anteriores.

A revogação total da reforma, como reivindicam estudantes e ativistas da educação, dependeria de atuação do Congresso, já que foi aprovada por lei. Por isso o governo optou pela suspensão dos prazos em resposta à pressão de estudantes, professores e especialistas. “Fizemos história no dia 15 de março, mas nossa luta não pode parar, vamos continuar nas ruas cobrando a revogação do Novo Ensino Médio e em luta por uma escola com a nossa cara”, disse a União Nacional dos Estudantes Secundaristas (Ubes). por meio de uma rede social.

A entidade está convocando atos em todo o país para o próximo dia 19, que marcarão o segundo dia nacional de mobilização pela revogação do novo ensino médio.

Forças empresariais e a reforma

“Ainda é preciso ler a Portaria. Mas se for confirmado, a vitória é coletiva e é nossa. Política se faz com programa e princípios. Cidadão joga o jogo, não fica apenas na torcida”, escreveu o especialista no tema Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo ele, há duas forças em defesa do Novo Ensino Médio (NEM). A primeira delas é formada pelas fundações empresariais, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que representa os secretários estaduais, e o MEC.

“O argumento básico e único consiste em defender (erroneamente) que queremos a “volta ao passado”. Do outro lado, em defesa do NEM, há setores minoritários do PT e da militância que acreditam que o melhor meio de defender o governo Lula é criticar o movimento pela revogação. Segundo eles, absurdamente, não nos mobilizamos contra a reforma em 2016 e a revogação depende (exclusivamente) do Congresso”, escreveu Cara.

“Ou seja, optam por enfraquecer o MEC e são condescendentes com a gestão Camilo em um tema programático. Observem: nenhuma das duas forças conseguem defender a reforma de modo substantivo. E nos bastidores sobram ataques pessoais. Não tem problema, vamos avançar”, acredita.

O ministro da Educação, Camilo Santana, tem se manifestado contra a revogação. E defende ajustes no modelo. Seu posicionamento, porém, não é o único motivo de críticas. Pesa também sua aproximação com setores empresariais e também a manutenção na gestão de nomes indicados por Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL).

Gestor bolsonarista no governo

Na última quinta-feira (30), o ministro renomeou Fernando Wirthmann Ferreira para o cargo de coordenador-geral de Ensino Médio da Diretoria de Políticas de Educação Integral Básica da Secretaria de Educação Básica. Pela Portaria 603, publicada em 31 de março, Wirthmann foi reconduzido ao cargo.

Segundo o Blog do Pedlowski, o técnico que serviu também no governo de Jair Bolsonaro subsidiou a implementação da política nacional do ensino médio, contemplando o Novo Ensino Médio (NEM) e o Programa de Fomento ao Ensino Médio em Tempo Integral. “Em outras palavras, Fernando Wirthmann é um dos técnicos que levou à frente o NEM durante o governo Bolsonaro, e está retornando ao posto que ocupava para muito provavelmente continuar levando à frente esse monstrengo”, diz trecho o autor do blog.

O sociólogo Rudá Ricci, que trabalha com educação e gestão participativa, foi um dos que chamou atenção para a recondução:

Mais bolsonaristas no MEC

“É muito estranho que quase em abril esse servidor de carreira do DF (Distrito Federal), que estava à frente da reforma de interesse de fundações empresariais, seja reconduzido. Não sabemos se isso sinaliza continuidade das políticas que não vão bem ou se tem outra justificativa. Não me parece adequado manter uma pessoa que participou dos governos anteriores. É contraditório”, disse à RBA o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Fernando Cássio, que integra a Rede Escola Pública e Universidade (Repu) e do comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

No entanto, Fernando Wirthmann não é o único na gestão do MEC que atuou nos governos anteriores. Entre os outros estão:

  • Alexsander Moreira: de 2016-2022 esteve na Secretaria de Educação Básica (SEB), como coordenador-geral de apoio às redes de Educação Básica. A área é responsável pelo apoio técnico e financeiro aos estados e municípios. Em 2023, assumiu como diretor de apoio à gestão escolar, diretoria que se relaciona também com Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), entre outros.
  • Raphaella Rosinha Cantarino: outra servidora de carreira do governo do Distrito Federal, na gestão de Bolsonaro foi coordenadora-geral de Educação de Jovens e Adultos. E, em 2023, assumiu a coordenação-geral de Materiais Didáticos. O setor é responsável pelos editais do PNLD, na mesma diretoria do Alexsander Moreira.
  • Cristina Fonseca Mollica: também servidora do DF, foi coordenadora-geral de redes dos sistemas de ensino no governo Bolsonaro. A área tem a responsabilidade de acompanhar a frequência escolar do extinto Auxílio Brasil. Em 2023, foi nomeada coordenadora-geral de apoio à gestão escolar. A diretoria também está sob a responsabilidade de Alexsander.
  • José Roberto Ribeiro Junior: que foi coordenador-geral de formação de gestores da Educação Básica de 2019 a 2022. E agora, neste ano, foi designado para se manter na mesma função. A área em que está é responsável pelo controle social na educação, por meio dos Conselhos Escolares e Gestores Escolares.

Áreas estratégicas

“É gente que foi nomeada, renomada. Podemos dizer, no mínimo, que são alinhadas com Michel Temer”, disse Fernando Cássio, em relação aos nomes ocupando áreas estratégicas no MEC.

A RBA procurou o Ministério da Educação para responder sobre a recondução de quadros do governo bolsonarista, mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem.


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