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Em paralelo à Copa, São Paulo sedia Mundial de Futebol de Rua

Com equipes mistas, regras definidas em assembleia e sem juiz, evento vai reunir 300 jovens de comunidades pobres de 24 países. ‘Criamos espaços de democracia’, diz idealizador

Jogo sairá da rua e será disputado em duas arenas, no Largo da Batata e na avenida Ipiranga <span>(Danilo Ramos)</span>“Essa aqui é o nosso Neymar”, brinca a jogadora Jackeline com a colega Bruna  <span></span>"A gente só saiu das ruas e foi para a quadra”, explica o educador Marcelo Borges e a educadora Adriana Nacimento  <span></span>Em Heliópolis, o time tem 15 meninas e apenas dois meninos <span></span>Jogadores de São Paulo irão compor duas delegações da cidade <span></span>"Fazemos do futebol uma ferramenta de cidadania", diz o ex jogador Fabian Ferraro, idealizador do torneio <span></span>São Paulo tem seis polos onde se pratica Futebol de Rua, na capital paulista, no ABC e no interior <span></span>Participarão delegações de países como Chile, África do Sul, Alemanha e Filipinas <span></span>As regras do futebol de rua são definidas pelas equipes e ganha quem mais respeitá-las <span></span>Eles ficarão hospedados em seis CEUs, de bairros da periferia <span></span>Esta é a terceira vez que o Mundial de Futebol de Rua é realizado em paralelo à Copa do Mundo <span></span>A disputa ocorre de 7 à 12 de julho <span></span>

São Paulo – Julho de 2014, Brasil: jogadores de futebol de todos os continentes estão no país para disputar a Copa do Mundo. Mas não só aquela tradicional organizada pela Fifa. Nesta época a bola vai rolar também na Copa do Mundo de Futebol de Rua, que reunirá 300 adolescentes de comunidades pobres de 24 países em São Paulo, para um torneio que espera um público de pelo menos 10 mil pessoas.

É esse futebol mesmo que você pensou – e muito possivelmente já jogou: na rua, sem juiz, com colegas de diferentes idades e tipos físicos, sem as delimitações do campo e vez ou outra interrompido para ajustar alguma regra de última hora. O jogo sairá da rua para ser disputado em duas arenas públicas montadas no Largo da Batata, na zona oeste, onde ocorrerão as oitavas e quartas de finais, e na avenida Ipiranga, na região central, onde será a semi-final e a grande final.

A disputa, que ocorre de 7 a 12 de julho, segue a metodologia chamada Futebol de Rua, desenvolvida na Argentina pelo ex-jogador Fabian Ferraro, que idealizou o Movimiento Fútbol Callejero. Só no país vizinho ele já é utilizado por 1.200 organizações sociais, em geral na região da Patagônia, nas favelas de Buenos Aires e na região metropolitana da cidade.

O Futebol de Rua é necessariamente jogado com equipes mistas, sendo necessário pelo menos um menino ou uma menina no time. As regras são definidas entre as duas equipes, com base em princípios de cooperação, solidariedade e participação. Ganha quem mais respeitá-las.

Não existem juízes e sim mediadores, que têm a função de apenas facilitar o jogo. Ele é divido em três tempos: no primeiro, os dois times entram em um acordo sobre qual serão as regras, com a ajuda de um mediador social; no segundo, a bola rola com ousadia, alegria e respeito aos combinados estipulados no primeiro tempo; no terceiro, os jogadores conversam sobre como será atribuída a pontuação e fazem as contas. Afinal, dependendo do que foi acordado, um gol feito coletivamente pode valer mais pontos que o gol de um único atleta.

“Com o futebol criamos espaços de diálogo e de democracia, como uma ferramenta de cidadania”, conta Ferraro. “Tentamos recuperar a essência do futebol de rua, atuando muitas vezes em zonas de conflito. A ideia é possibilitar que esses jovens comecem a ter voz em suas comunidades.”

“Na verdade, é só ajuda-los a fazer o que sempre fizeram nas brincadeiras, mas alertando sobre os princípios de solidariedade. A gente só saiu das ruas e foi para a quadra”, explica o educador social Marcelo Borges, que treina 15 meninas e dois meninos de Heliópolis, na zona sul, para participar da disputa. Os treinos são todas as terças e quintas, das 20h30 às 22h, na quadra da União de Núcleos, Associações e Sociedade de Moradores (Unas) de Heliópolis. “Mas não vamos deixar ninguém de fora. Aqueles que não foram para a Copa disputarão campeonatos paralelos”, conta a mediadora Adriana Nascimento, também de Heliópolis.

São Paulo tem seis polos onde se pratica futebol de rua: Capão Cidadão, Cedeca Sapopemba, Projeto Meninos e Meninas de Rua (São Bernardo), Movimento Nacional da População Moradora de Rua e Sindicato dos Metalúrgicos de São Carlos, além da Unas de Heliópolis. Os atletas se reunirão em duas seleções, que disputarão com delegações de países como Chile, África do Sul, Austrália, Alemanha, França, Filipinas e Estados Unidos.

Eles ficarão hospedados em seis Centro de Educação Unificados (CEUs), localizados em bairros da periferia de São Paulo, que foram cedidos pela prefeitura. Enquanto os jovens não estiverem nos jogos, eles participarão de atividades culturais com artistas das regiões. “Nossos meninos da Patagônia viajarão por 54 horas de ônibus para chegar a São Paulo”, diz Ferraro.

“Essa aqui é o nosso Neymar”, brinca a jogadora Jackeline Miranda, de 19 anos, apontando para a colega de time Bruna Eduarda, de 20 anos. “Não é verdade! Jogamos todas juntas e aprendemos umas com as outras e com os meninos. Eu amo futebol e por isso sonho em estudar educação física”, conta. “Aqui entre nós já temos nossas regras combinadas: não tem lateral, o goleiro pode sair e jogamos um no gol e três na linha. No mundial vamos ter que combinar com os outros times, com pessoas que falam outras línguas. Vai ser interessante”, completa Jackeline, entusiasmada.

Esta é a terceira vez que o Mundial de Futebol de Rua é realizado em paralelo à Copa do Mundo. A primeira foi na Copa da Alemanha, em 2006, e depois na Copa da África do Sul, em 2010. Essa, porém, é a primeira ocasião em que todos os continentes terão times na disputa.

“Em 2009 a Fifa nos procurou oferecendo uma parceria para o realizar o evento, mas não foi como imaginamos. A entidade entende o futebol como um negócio e nós, como desenvolvimento social. Por isso, este ano decidimos não aceitar a parceria e estamos muito satisfeitos com a magnitude que o evento vem tomando”, conclui Ferraro.