ensino superior

Em greve há 103 dias, UFRJ enfrenta divisão entre setores

Enquanto os estudantes decidiram interromper paralisação e aceitar proposta da reitoria de priorizar recursos para assistência estudantil, servidores seguem parados até atendimento de reivindicações

Tânia Rego/ABr

Professores enfrentam um momento de forte turbulência política, com setores se acusando de aparelhamento

Rio de Janeiro – Com seu calendário de atividades completamente suspenso há 103 dias, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ainda não sabe quando voltará às aulas. Ontem (8), duas assembleias – realizadas por professores e funcionários técnico-administrativos – mostraram que persiste a divisão interna na comunidade acadêmica. Enquanto os estudantes decidiram, por ampla maioria, interromper sua paralisação e aceitar a proposta apresentada pela reitoria de priorizar recursos para a assistência estudantil, os servidores, de maneira unânime, optaram por seguir em greve até que sejam atendidas suas reivindicações salariais.

Já os professores decidiram interromper sua greve desde 21 de agosto. Mas, profundamente divididos, enfrentam um momento de forte turbulência política, com setores se acusando de aparelhamento ou submissão ao governo federal em meio às eleições para a Associação dos Docentes da UFRJ (Adufrj), que ocorrem hoje (9) e amanhã: “Enquanto as três categorias não retornarem às suas atividades, o calendário acadêmico não poderá ser retomado em sua normalidade”, informa o reitor Roberto Leher, próximo ao Psol e no cargo desde o início de julho, após ter vencido as tradicionais eleições diretas para a Reitoria da UFRJ.

Ainda à espera da normalidade, o Conselho de Ensino e Graduação da universidade apresentou um cronograma de reposição de aulas que vai de 14 de setembro a 23 de outubro. Já as aulas do semestre letivo, propriamente ditas, somente seriam retomadas em 26 de outubro e se estenderiam até 18 de março do ano que vem. Assim sendo, segundo o calendário, as “férias de verão”, ocorrerão de 19 de março até o dia 2 de abril, quando enfim começaria o primeiro semestre letivo de 2016.

A própria reitoria, no entanto, já admite que este cronograma cairá por terra se os funcionários técnico-administrativos não encerrarem sua paralisação antes de 14 de setembro. Hoje, uma comissão da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra) se reúne em Brasília com técnicos do Ministério do Planejamento para discutir as demandas dos servidores da UFRJ. Aprovada na assembleia que reuniu cerca de 300 trabalhadores, a proposta apresentada pela Fasubra pede um reajuste de 9,5% em 2016 e de 5,5% em 2017, com cláusula de revisão a ser aplicada no ano que vem caso haja alterações no índice instituído pelo governo.

Sisu

Um efeito colateral da greve dos funcionários técnico-administrativos da UFRJ é a não realização das matrículas dos estudantes aprovados para a universidade via Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Essas matrículas deveriam ter sido feitas até a data limite de 31 de agosto para aqueles alunos com ingresso previsto no primeiro semestre de 2015, mas até agora não foram iniciadas.

A reitoria chegou a alertar que as vagas oriundas do Sisu seriam perdidas, e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (Sintufrj), embora a categoria mantenha a decisão de não realizar as matrículas, promete discutir alternativas com a reitoria, de forma a não prejudicar o ingresso dos estudantes: “Nossa mobilização não pretende trazer danos irreparáveis à universidade. Se esse for o caso, vamos discutir”, diz Francisco de Assis, presidente do sindicato.

O Ministério da Educação (MEC), no entanto, já garantiu em nota a prorrogação do prazo para os estudantes aprovados pelo Sisu: “O prazo não é rígido, e leva em consideração as questões administrativas das instituições”.

Cortes e promessas

Já os estudantes da UFRJ, em uma assembleia que reuniu cerca de 800 pessoas, decidiram colocar fim ao movimento grevista e dar um “voto de confiança” à reitoria para que esta concretize as promessas feitas no que diz respeito à assistência estudantil, como aumento do valor das bolsas de estágio interno e construção de bandejões e alojamentos estudantis. Com orçamento previsto de R$ 23 milhões, as obras de construção do alojamento, segundo a reitoria, serão concluídas até o final de 2016. Já os bandejões prometidos para os campus Praia Vermelha, Duque de Caxias e Macaé ainda não têm orçamento e cronograma definidos.

Ao lado de reitores de outras universidades federais, Roberto Leher participou em 26 de agosto de uma reunião com o ministro da Educação, Renato Janine. Na ocasião, o reitor da UFRJ afirma ter pedido ao MEC o montante de R$ 36 bilhões para a normalização do pagamento de contas e despesas de custeio da universidade: “A contraproposta do MEC foi de R$ 6,6 bilhões, o que significa repetir em 2016 o que foi repassado à UFRJ em 2015”, conta Leher. O reitor também apresentou um documento, elaborado pelos coordenadores de 80 cursos de pós-graduação da universidade, que repudia os cortes de até 75% anunciados para o Programa de Apoio à Pós-Graduação (Proap) do MEC.

Disputa

A greve dos professores foi encerrada em 21 de agosto, em uma tensa assembleia onde a proposta pelo fim da paralisação venceu pelo placar de 255 votos a 218. O aperto da votação acabou dando início a um confronto político mais aberto entre o grupo que hoje controla a Adufrj – e que se posicionou pela continuidade da greve – e o grupo de oposição que se enfrentam nas eleições da entidade. Encabeçada por Mariana Trotta, professora da Faculdade Nacional de Direito, a chapa da situação, ligada ao Psol e a Leher, é acusada pelos opositores de “controlar a universidade” a partir do Comando de Greve que, entre outras coisas, teria cancelado a viagem de pesquisadores ao exterior e ignorado um pedido da Faculdade de Medicina (alunos e professores) que haviam decidido deixar a paralisação.

Por sua vez, a chapa opositora, encabeçada por Tatiana Roque, do Instituto de Matemática, é acusada de ser favorável ao fim da greve por seu “alinhamento” ao governo federal, graças à proximidade que alguns setores que a compõem têm com o PT. Há dez dias um grupo de professores eméritos da UFRJ enviou ao ministro Janine uma carta na qual pede “o fim da interferência do Comando de Greve sobre as questões acadêmicas”. Assinam o documento nomes de peso na universidade, como Muniz Sodré, José Murilo de Carvalho e Heloísa Buarque, entre outros. Logo após receber o documento, o ministro pediu esclarecimentos oficiais ao reitor Roberto Leher.

Inicialmente, Leher reagiu: “A Reitoria lastima que um grupo de docentes eméritos, sem qualquer diálogo prévio, tenha exortado o ministro da Educação a realizar uma intervenção governamental na UFRJ, em desrespeito à autonomia universitária garantida pela Constituição Federal”, afirmou, em nota na qual diz também que “jamais irá afrontar o direito de greve com meios coercitivos”.

Na véspera do feriadão, no entanto, Leher mudou de tom e anunciou a criação de um Conselho Consultivo a ser formado pelos professores eméritos. O verdadeiro grau de influência deste novo grupo no futuro das mobilizações da comunidade acadêmica e das negociações com o governo, entretanto, depende do resultado das eleições para a Adufrj.