Precarização

Atraso em salários de terceirizados para aulas em universidades do Rio

Instituições apontam problemas no repasse de verbas públicas, governos estadual e federal negam e maiores prejuízos ficam para trabalhadores e estudantes

CAEng/UFRJ

Estudantes manifestam apoio à greve dos funcionários terceirizados da UFRJ

Rio de Janeiro – Com mais da metade de seus cursos de graduação interrompidos desde o início da semana e com sedes importantes, como a Faculdade Nacional de Direito ou a Escola de Comunicação, fechadas por dez dias em consequência da paralisação dos trabalhadores terceirizados, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) luta para voltar às aulas. Após acordo firmado em reunião mediada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), a empresa Qualitécnica, responsável pelos serviços de limpeza, manutenção e segurança na universidade, pagou nesta quarta-feira (20) todos os salários atrasados, o que, segundo a reitoria, permitiu a volta dos trabalhadores em greve e a retomada gradual das aulas. Se a empresa não cumprisse o combinado, o MPT iniciaria uma ação para que a própria UFRJ arcasse com o pagamento, de forma a não lesar ainda mais trabalhadores e estudantes.

Importante por envolver 47 mil alunos e cerca de 1,2 mil funcionários que não recebiam seus salários (alguns há dois meses), a crise na UFRJ não é um caso isolado. As outras duas grandes universidades públicas do estado – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e Universidade Federal Fluminense (UFF) – também enfrentam problemas de interrupção das aulas ou de serviços essenciais. Comuns às três situações, aparecem os problemas com repasses orçamentários dos governos federal ou estadual e a precariedade da gestão do pessoal terceirizado.

Na UFRJ, a situação é agravada pelo momento de transição política. O reitor Carlos Levi, que encerrará sua gestão em junho, tem a sala da reitoria ocupada há quatro dias por um acampamento de estudantes que, além de prestar solidariedade aos funcionários terceirizados, defende outras bandeiras de luta como a instalação de bandejões em todas as unidades ou o aumento das bolsas de estágio.

O reitor eleito, Roberto Leher, defende o fim da terceirização, e já anunciou que em sua gestão uma redução de terceirizados na universidade passará a ser discutida com o Ministério da Educação (MEC). Diante da incerteza, foi o próprio Levi quem sugeriu a interrupção das aulas até que o pessoal terceirizado volte ao trabalho: “Se o pagamento não for feito, a UFRJ permanecerá com as atividades suspensas”, diz o reitor.

Segundo a UFRJ, os repasses orçamentários feitos pelo MEC vêm acontecendo de forma irregular desde o começo de 2015, e há também repasses relativos ao ano passado que não foram concretizados. O déficit, diz a reitoria, é de R$ 46 milhões, acumulados, sobretudo, nos meses de janeiro e fevereiro, quando o repasse realizado pelo Ministério foi de 1/18 do Orçamento e não de 1/12 como prevê a lei: “A essas limitações, se superpuseram as inevitáveis repercussões do déficit orçamentário acumulado do ano de 2014, quando houve frustração de recursos previstos em seu Orçamento Anual de Custeio”, diz Levi, em nota pública. O orçamento total da universidade para 2015 será anunciado nesta sexta-feira (22).

O MEC, por sua vez, diz que os repasses à UFRJ estão regularizados desde março, e já somam R$ 81 milhões. Em entrevista coletiva, o ministro Renato Janine afirmou “estranhar muito” a continuidade da paralisação dos serviços na universidade e diz que R$ 4 milhões em verbas de custeio foram depositados na conta da UFRJ no dia 12 de maio. Na mesma entrevista, Janine disse que “não estão faltando verbas de custeio” às universidades federais brasileiras de um modo geral: “Até o fim de abril, foram repassados às universidades, a título de verba de custeio, R$ 1,5 bilhão”.

Uerj protesta

Por conta da interrupção das aulas e dos serviços terceirizados, ocorrida após os atrasos nos repasses de recursos realizados pelo governo estadual, a comunidade acadêmica da Uerj, instituição que tem 28 mil alunos, marcou um ato de protesto para hoje  (21), em frente ao Palácio Guanabara.

No principal campus da universidade, a coleta regular de lixo por pessoal especializado não acontece há dois meses. Os elevadores – importantíssimos em uma universidade cuja sede é vertical e tem 12 andares – também estão parados há um mês. As empresas Novele e Construir, responsáveis pela gestão dos terceirizados, mantêm atrasados os salários dos trabalhadores, alguns há três meses.

O Colégio de Aplicação da Uerj que, devido à falta de professores, só conseguiu iniciar o ano letivo em 9 de abril, dois meses após o previsto no cronograma de 2015, voltou a interromper as aulas, desta vez por problemas de energia provocados pela falta de manutenção nas instalações elétricas. O problema causou um princípio de incêndio no dia 22 de abril.

Se não for contornada logo, a ausência dos trabalhadores terceirizados ameaça provocar nova paralisação na escola, o que, segundo o diretor do CAp-Uerj, Lincoln Tavares, comprometeria de vez o ano letivo: “É muito difícil continuar nessas condições. E se o incêndio tivesse se alastrado?”, indaga, acrescentando que o episódio serviu para revelar também os problemas de acessibilidade da escola, pois houve dificuldade na evacuação de alunos e professores: “Precisamos de obras, e elas já foram solicitadas à Uerj”.

Segundo a direção da Uerj, o contingenciamento das verbas repassadas pelo governo chegará a R$ 77 milhões até o fim do ano. Para regularizar o pagamento às empresas gestoras dos funcionários terceirizados, a universidade, assim como a UFRJ, também aguarda a realização dos repasses relativos a 2014 que, diz a reitoria, ainda não foram cumpridos.

Responsável pelos repasses à Uerj, a Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia alega, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que o pagamento aos funcionários terceirizados da universidade está em dia desde o início de maio. A Secretaria diz também que a Uerj já recebeu 90% dos repasses a que teria direito, e que resta regularizar somente a situação dos bolsistas: “Os bolsistas receberão nos próximos dias dois meses atrasados e, a partir de maio, o pagamento será regularizado. Restará ainda um mês de atraso, que será pago junto com as bolsas do mês de junho, no início de julho”.

UFF com fome

Já na Universidade Federal Fluminense (UFF), que tem cerca de 22 mil alunos, a paralisação dos funcionários terceirizados ainda não provocou a interrupção permanente das aulas, mas já fez com que fosse temporariamente desativado o bandejão da universidade. Em alguns casos, o pagamento dos salários que deveria ter sido efetuado pelas empresas Vpar, Luso Brasileira e Croll, prestadoras de serviços à UFF, está atrasado há três meses. Desde março, setores como segurança e manutenção vêm fazendo paralisações de protesto.

Em nota, a reitoria diz que “os atrasos sistemáticos no repasse de recursos por parte do governo já afeta diversos serviços prestados pela universidade”. O valor do déficit no orçamento, no entanto, não foi especificado. Marcada para hoje, uma assembleia da Associação de Docentes da UFF (Asduff) poderá dar início a uma greve dos professores da universidade por tempo indeterminado.