'Meu filho não volta'

Pais se opõem a volta às aulas sem rodízio de alunos em São Paulo

Aulas presenciais deixam de exigir distanciamento na semana que vem. Movimento entrará com denúncia no MP contra decisão de Doria. “Projeto para as eleições”

Elineudo Meira/@fotografia.75/Fotos Públicas
Elineudo Meira/@fotografia.75/Fotos Públicas
Segundo o grupo o retorno obrigatório "é uma decisão autoritária que deixa a comunidade escolar insegura"

São Paulo – Contrários à decisão do governo de São Paulo que determinou a obrigatoriedade da volta obrigatória às aulas presenciais a todos os alunos das redes estadual e privada, sem rodízio, a partir da quarta-feira (3), o movimento Famílias pela Vida – que reúne pais, parentes e responsáveis por estudantes do ensino público do estado – protestou hoje (29) em frente à secretaria estadual de Educação, no centro da capital. Eles se queixam da “falta de diálogo” da gestão de João Doria (PSDB) e afirmam que o retorno obrigatório “é uma decisão autoritária que deixa a comunidade escolar insegura”. 

Para mães e pais, o atual estágio da pandemia de covid-19 ainda é delicado para a volta às aulas o sem que o Estado tenha garantido uma reforma estrutural nas escolas públicas. Os relatos de medo e insegurança de encaminhar os filhos à escola estão baseados principalmente na falta de recursos humanos, de monitoramento da qualidade do ar, na ausência de uma política de testagem, de distanciamento e uso correto da máscara e na lotação das salas de aula.

O movimento também contesta a falta de distanciamento entre os estudantes, em ambientes muitas vezes mal ventilados, que deixará de ser regra a partir de quarta. 

Abaixo-assinado e ação no MP

As aulas deixaram de ser facultativas desde o dia 18 de outubro. Mas a secretaria manteve a regra de distanciamento social de um metro entre as carteiras. A medida, no entanto, será extinta no dia 3 por conta da falta de capacidade física das escolas para receber todos os alunos. Dados da própria secretaria de Educação apontam que entre as 5.130 escolas estaduais, apenas 1.251 – 24% do total – estão aptas a receber 100% dos alunos com distanciamento. 

Para o Movimento Famílias pela Vida, o ideal seria que a decisão de tornar as aulas presenciais obrigatórias fosse revogada. Os responsáveis também estão recolhendo assinaturas para ingressar com uma ação popular e de denúncia no Ministério Público de São Paulo. A luta é para que o Estado dê continuidade às atividades remotas em caráter emergencial em toda a rede, enquanto a pandemia se prolongar. Sem que haja também reprovação ou punição aos estudantes e famílias. 

O governo de São Paulo, por outro lado, alega que o avanço da vacinação e as condições atuais da pandemia no estado permitem a retomada das aulas presenciais para todos os estudantes. A obrigatoriedade da volta às aulas também não se aplica a crianças e adolescentes com comorbidades ou que pertençam aos grupos de risco para a covid-19, gestantes ou puérperas, que devem comprovar a condição com atestado médico para poder permanecer no ensino remoto. 

Crianças em risco

A preocupação dos responsáveis, contudo, é também com as crianças menores de 12 anos que ainda não estão no plano de vacinação. Nesta semana, a Rede de Pesquisa Solidária divulgou nota técnica, alertando que a falta de imunização e o retorno às aulas presenciais podem colocar essa população em maior risco para a covid-19. De acordo com o IBGE, as crianças de 0 a 11 anos representam 16,6% do total de habitantes no país. O equivalente a 35,2 milhões de brasileiros. 

O documento também adverte os governos estaduais e municipais estão “flexibilização precocemente a política de fechamento das escolas sem ampliar a testagem e reforçar as medidas preventivas”. “Com a reabertura das escolas era esperado que o números e testes aumentasse. Mas não é isso que encontramos”, aponta a sanitarista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Rede de Pesquisadora Solidária, Tatiane Moraes. 

Ela participou de uma live promovida pelo movimento Famílias pela Vida, nesta quinta, e alertou que “não há um esforço de testagem que indique que os testes são usados como estratégia de vigilância para evitar surtos e o aumento de transmissão da Sars-CoV-2”. 

Projeto eleitoral

A falta de consenso sobre a volta às aulas presenciais também ficou evidente em debate organizado pelo Senado nesta semana. Especialistas da educação divergiram quanto à questão da obrigatoriedade. O único ponto de convergência foi quanto à avaliação de que a pandemia ocasionou um atraso educacional, sobretudo para os mais pobres.

Do “chão” da escola, a conselheira estadual do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp) e professora da rede pública de Osasco, Ana Paula Lima, garante que a manutenção do ensino remoto, com as escolas abertas com rodízio de turmas e atendendo aqueles que mais precisam é o “mais próximo das condições possíveis”. 

“Todos nós queremos as escolas abertas com 100% dos alunos. Ninguém quer criança em casa. E o professor, ao contrário do que muita gente fala, quer a criança na escola. Porque o trabalho é mais fácil com 100% dos alunos em um único espaço. É um único trabalho para ser realizado. Eu não preciso atender o whatsapp, o e-mail, a plataforma e a sala de aula. Mas o Estado de São Paulo quer falar sobre uma ‘perfeição’ que não existe, porque não tem ventilação, higienização e protocolo”, critica a educadora. 

“O que tem é um grande plano de dizer ‘que tudo está funcionado’ para garantir o que o Doria quer, que não é a saúde das nossas crianças, mas um projeto político-partidário de eleição. É importante a gente entender esse movimento porque a escola está aberta e quem quer ir à escola pode ir”, finaliza Ana Paula.