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‘Nossa luta é a mesma dos trabalhadores que resistem ao corte de direitos’, dizem estudantes

Apesar de o governador Geraldo Alckmin ter vindo a público anunciar a suspensão da reorganização, os estudantes decidiram manter a mobilização até que o governador cancele definitivamente o projeto

reprodução/nãofechemminhaescola

Os estudantes marcharam por três horas, pelas principais avenidas da cidade

São Paulo – Os estudantes secundaristas de São Paulo, em luta há 31 dias contra a “reorganização escolar”, defenderam ontem (9) que o fechamento de pelo menos 93 escolas, prevista no projeto, é uma faceta do ajuste fiscal no estado e que a luta deles é a mesma da dos trabalhadores que resistem ao corte de direitos. O pronunciamento foi feito em um jogral, no vão livre do Museu de Artes de São Paulo (Masp), antes do início do maior ato do movimento, que chegou a reunir 15 mil pessoas até ser violentamente reprimido pela polícia militar.

“Em um momento de crise econômica, o governo corta gastos dos trabalhadores”, disseram. “A luta dos secundaristas de São Paulo é a luta de toda classe trabalhadora contra os ajustes que os governos nos impõe. A luta do aluno que ocupa as escolas é a mesma do operário que resiste ao programa de demissões, a ampliação das terceirizações e aos cortes de direitos trabalhistas”, disseram.

Apesar de o governador Geraldo Alckmin (PSDB) ter vindo a público na última sexta feita anunciar a suspensão da medida, após 25 dias de luta dos estudantes, os estudantes decidiram manter a mobilização até que o governador cancele definitivamente a “reorganização” e apresente um cronograma de reuniões com a comunidade. Em sua fala, Alckmin se limitou a dizer que os alunos vão continuar nas escolas que já estudam e que o governo começará a aprofundar esse debate escola por escola, “especialmente com estudantes e pais de alunos”.

“A preocupação do plano de reorganização não é a qualidade da educação. O que o Alckmin pretende é privatizar o ensino público”, bradaram estudantes, professores, pais e apoiadores, na avenida Paulista. Os manifestantes saíram do Masp pontualmente às 18h e seguiram até a Praça do Ciclista e retornaram pela via até o museu, seguindo para a avenida 9 de Julho. No trajeto, milhares de pessoas se juntaram ao movimento dos estudantes, que chegou a reunir 15 mil manifestantes, segundo os organizadores.

Para a estudante Bruna, da escola Professor Fidelino Figueiredo, no centro de São Paulo, o posicionamento de Alckmin não foi suficiente. “Ele só publicou um decreto em que revoga a transferência de professores e funcionário”, disse, em referência ao decreto 61.692, de 4 de novembro, que revogou o primeiro decreto (61.672), do último dia 30. “Nós não nos sentimos seguros porque governo só suspendeu o projeto. O que nós queremos é o cancelamento definitivo.”

“É incrível que os jovens estejam defendendo a educação pública. É impossível não apoiar”, afirmou a professora universitária Rosimere Segurado, que é mãe de uma estudante de uma das escolas que foram ocupadas na resistência ao projeto. “Eles nos mostraram que quando a sociedade se mobiliza, pode melhorar a qualidade da educação.”

Os estudantes marcharam por três horas, pelas principais avenidas da cidade. Em tom alegre, eles entoavam cantos contra o governo, reforçando a palavra de ordem do movimento: “não tem arrego!”. Os prédios, dezenas de moradores saíram nas janelas e se manifestaram em apoio aos estudantes, jogando pedaços de papel, piscando as luzes e batendo panelas.

“Nós estamos aqui mostrando nossa força. Não ficamos satisfeitos com a simples suspensão do projeto e não vamos sair das ruas”, disse a estudante Amanda, que preferiu não dizer qual o colégio estadual onde estuda. “Eu acho que eles estão dando um exemplo. É um movimento incrível, pela intensidade e pelo alcance”, disse a apoiadora do movimento Graciela Souza.

Por volta das 21h, quando os estudantes chegaram à sede da Secretaria de Educação, na praça da República, região central de São Paulo, a Tropa de Choque da Polícia Militar reprimiu violentamente a manifestações. Pelo menos três pessoas foram detidas, sendo dois estudantes e um morador da região, que foi agredido com um soco no peito.

Um grupo de black blocs teria se deslocado em direção ao portão da secretaria de Educação onde um grupo de policiais armados com escudos, cassetetes e bombas de efeito moral fazia o isolamento do prédio. A partir daí teve início um ataque de bombas por parte da polícia e de rojões por black blocs. A marcha de estudantes tentou seguir, mas não foi possível devido à grande quantidade de bombas de efeito moral. O ato acabou dispersando e a região da avenida São Luís ficou com diversas barricadas de lixo incendiado e caçambas reviradas.

“A passeata estava linda, organizada. Até chegar na praça da República, na sede da secretaria estadual. Policiais argumentaram que alguns soltaram rojões e jogaram pedras nos carros da polícia. O incidente foi suficiente para os PMs reagirem de forma extremamente violenta, com bombas e muita repressão. Vi estudantes chorando, incrédulos com a violência frente a uma manifestação pacífica. Vi a polícia cometendo excessos. Coagindo, amedrontando, empurrando”, denunciou a jornalista Elisângela Fernandes, que apoiava o movimento.

“Percorremos a avenida Paulista, passamos pela 9 de Julho e caminhamos até a Praça da República. Ao chagarmos percebi que a tropa da choque já estava presente no local e muitos outros policiais, que não estavam desde o início, começaram a lançar bombas em direção aos estudantes e cidadãos que apoiavam o ato”, conta o enfermeiro Rafael Antunes, que participava do ato. “Muitos policiais estavam sem a identificação em seu uniforme. Quando questionamos o porquê disto eles informaram que a identificação caiu durante  o tumulto.”

A “reorganização” escolar foi elaborada sem diálogo prévio com a comunidade escolar e desencadeou a ocupação de duas diretorias de ensino (Santo André e Sorocaba) e de 208 escolas, segundo o último levantamento do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), além de uma série de protestos, que foram duramente reprimidos pela Polícia Militar. Pelo menos 11 estudantes foram presos e um policial atirou contra o prédio de uma escola que estava sendo ocupada.

Na última quinta-feira (3), promotores de Justiça do Grupo Especial de Educação (Geduc) e da Promotoria da Infância e Juventude da Capital do Ministério Público de São Paulo e defensorias públicas do Núcleo da Infância e Juventude e Núcleo de Direitos Humanos entraram com um pedido de liminar, em caráter de urgência, para suspender a reorganização, exatamente por entender que não houve diálogo do governador com a comunidade escolar, o que fere a Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).

À revelia do clamor social e de críticas das principais universidades do país, o governador publicou, no dia 1º, o decreto que autorizava a transferência de professores para a implementação da reorganização escolar. Em apenas 166 palavras, o texto não era assinado nem sequer pelo secretário estadual de Educação, Herman Voorwald, e não menciona que 93 escolas serão extintas, que ciclos serão encerrados e que alunos serão transferidos, apesar de a própria Secretaria Estadual de Educação ter publicado, em 28 de outubro, a lista das escolas que serão “disponibilizadas”, segundo palavras do órgão.

Na manhã do dia 29, 40 dirigentes de ensino do estado reuniram-se com o chefe de gabinete do secretário de Educação, Fernando Padula Novaes, e receberam instruções de como quebrar a resistência de alunos, professores e funcionários. Novaes repetiu inúmeras vezes que se trata de “uma guerra”, que merece como resposta “ações de guerra” e que “vai brigar até o fim”. O áudio foi publicado pelo coletivo Jornalistas Livres, e replicado por diversos sites e blogues.

A partir daí, desencadeou-se um processo truculento de repressão aos protestos dos estudantes por parte da Polícia Militar e dos chamados “provocadores”, supostos pais e diretores que criam confusão nos prédios ocupados, para justificar a entrada da PM nas escolas. Um grupo de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo já havia proibido, no último dia 23, que fossem realizadas reintegrações de posse em escolas da capital paulista.