Histeria corporativa

Déficit zero ‘definitivamente não faz sentido’, diz Bresser-Pereira

Ex-ministro e outros economistas rebatem ataques da imprensa tradicional e dos liberais, que armaram um cavalo de batalha após Lula dizer que “dificilmente” vai zerar o déficit primário no ano que vem

Guilherme Santos/Sul21
Guilherme Santos/Sul21
Para ex-ministro, Lula foi "correto e realista" ao relativizar a busca pelo déficit zero, privilegiando investimentos

São Paulo – Bastou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sinalizar, na última sexta-feira (27), que “dificilmente” cumprirá a meta de zerar o déficit primário no ano que vem para a imprensa tradicional renovar seus ataques ao governo. “Gastança”, “rombo” e “irresponsabilidade” pulularam nas manchetes dos principais jornais e na boca dos “especialistas”.

Na ocasião, Lula afirmou que vai fazer de tudo para cumprir a meta, mas que esta não precisa ser zero. “Não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias para esse país. Eu acho que muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida”, disse o presidente. “E se o Brasil tiver déficit de 0,5%, de 0,25%, o que é? Nada”, acrescentou.

O “déficit zero”, está previsto no arcabouço fiscal, nova regra aprovada neste ano para o controle de despesas governamentais. Nesse sentido, os representantes da mercado financeiro afirmaram que Lula estaria “desautorizando” o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, autor do arcabouço.

A presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, rebateu as críticas. Ela afirmou que Lula “protegeu” Haddad ao trazer para si a responsabilidade da política fiscal. “É pura especulação a aposta de setores da mídia em uma reação negativa no Congresso. Ao contrário, quanto mais realistas as metas, menos complicadas ficam as negociações políticas”, afirmou pelas redes sociais.

Do mesmo modo, o líder do Governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), tratou de desmentir a tese de que déficit fiscal vai ampliar as despesas do governo. Ele lembrou que Lula governou por 8 anos com absoluto controle fiscal, e que a lógica de mercado não é a de governo. “Eles não podem pretender mandar no governo.”

Venceu o “bom-senso”

Ex-ministro da Fazenda e professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira criticou o alarido da imprensa. Nesse sentido, ele destacou que o “compromisso” de Haddad – e não “obrigação” – serviu para aprovar o arcabouço no Congresso. A nova regra fiscal substituiu o antigo Teto de Gastos do governo Temer, um “monstrengo fiscal” e “absurdo econômico”, sem condições de ser cumprido no médio prazo, segundo ele.

Assim, para o economista, Lula foi “correto e realista” ao relativizar a busca pelo déficit zero, privilegiando investimentos. “Como era esperado, o mercado financeiro protestou e a Bolsa caiu, enquanto os economistas e jornalistas liberais afirmavam que a política venceu a economia. Quem realmente venceu foi a inteligência e o bom-senso”, disse o ex-ministro, pelas redes sociais.

Nesse sentido, o ex-ministro afirmou que a imprensa liberal justifica a defesa do déficit zero como forma de baixar a inflação. “Mas a meta de inflação é 3,25%. Com tolerância, é de 4,75%, e a perspectiva de inflação para este ano é de 4,86%. Estamos muito próximos da meta”, frisou.

Além disso, Bresser-Pereira destacou que, os Estados Unidos, o déficit público em relação ao PIB é de 8,20%. Na zona do Euro, 3,6%. “Não estou propondo que o Brasil tenha um déficit público semelhante ao ao da Zona Euro, mas um déficit fiscal zero definitivamente não faz sentido”, afirmou.

Meta fiscal “não é sagrada”

Do mesmo modo, o economista e professor da Unicamp Pedro Rossi também rebateu as versões da imprensa de que a fala de Lula teria sido um erro ou uma desautorização a Haddad. “Nem um, nem outro. É um acerto no contexto de uma disputa de narrativa, não com a Fazenda, mas com o mercado”.

Nesse sentido, ele destaca que a Fazenda estabeleceu uma meta “ambiciosa”, mas que depende do aumento de arrecadação. “O mercado usa a meta como instrumento de pressão e quer que seja buscada independente de qualquer coisa. Já Lula deixa claro que se for pra cortar investimentos não tem déficit zero”.

Para ele, a meta fiscal “não é sagrada”, pois depende de projeções que nem sempre se concretizam. “Cortar investimentos e gastos sociais para cumprir uma meta de curto prazo é contraproducente. Tá certo o presidente. Muito calor pra pouca luz nessa discussão”.

“Dogma” do mercado

Economistas do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD) também saíram em defesa da Lula. Assim, em carta aberta, a organização classifica como um “dogma” a obsessão de setores da mídia e do mercado por metas de superávit primário. Por outro lado, afirmam que a abordagem de Lula, priorizando investimentos em obras e serviços públicos essenciais, “espelha o seu compromisso com o bem-estar e a prosperidade da população brasileira, em especial sua parcela mais desfavorecida”.

Para os economistas do IFFD, não faz sentido subordinar os destinos do país a uma meta orçamentária abstrata. “Defendemos uma abordagem orçamentária que esteja alinhada com os objetivos de promover o bem-estar social e o desenvolvimento inclusivo e sustentável. As metas desse governo, pactuadas politicamente, devem ser as do crescimento, do emprego, da assistência social, da melhoria do ensino, da saúde, das condições do meio ambiente. Aos economistas cabe oferecer ao governante as melhores alternativas para atingir essas metas que são muito concretas e afetarão de forma muito positiva a sociedade”.


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