Triste Partida

Dominguinhos, 72: isso aqui tá bom demais, só tá faltando tu

Músico foi 'afilhado musical' de Luiz Gonzaga, de quem ganhou o nome artístico e a primeira sanfona

Sanfoneiro é velado hoje na Assembleia Legislativa de São Paulo

São Paulo – Em 1954, Neném e família saíram de Pernambuco e, após 11 dias de viagem, bateram na porta do Rei do Baião, o conterrâneo Luiz Gonzaga, no Rio de Janeiro. Afinal, “seu Gonzaga” já tinha dito para procurá-lo, que ele ajudaria. Aos 6 anos, pandeiro na mão, Neném já tocava no grupo Os Três Pinguins, formado por mais dois irmãos (eram 16 ao todo). Aos 13, o garoto ganhou uma sanfona do mestre, que tempos depois anunciou em entrevista quem seria o seu sucessor. Quem conta a história é o jornalista e pesquisador Assis Ângelo. O resto da história já se sabe: além do instrumento, o menino ganhou de Gonzaga seu nome artístico: Dominguinhos.

José Domingos de Moraes Neto morreu às 18h de ontem (23), em São Paulo, onde estava internado desde o início do ano, por causa de um câncer no pulmão. Tinha 72 anos. O sanfoneiro lançou seu primeiro disco em 1964, mas ganhou fama quase dez anos depois, quando Gilberto Gil gravou Eu só quero um Xodó, parceria de Dominguinhos e Anastácia, com quem ele foi casado.

Que falta eu sinto de um bem
Que falta me faz um xodó
Mas como eu não tenho ninguém
Eu levo a vida assim tão só

Eu só quero um amor
Que acabe o meu sofrer
Um xodó pra mim
Do meu jeito assim
Que alegre o meu viver

O baiano e o pernambucano não tardaram a criar Lamento Sertanejo, uma das obras-primas da música brasileira, lançada em 1975:

Por ser de lá do sertão
Lá do cerrado
Lá do interior, do mato
Da caatinga, do roçado
Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigo
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade sem viver contrariado

Por ser de lá
Na certa, por isso mesmo
Não gosto de cama mole
Não sei comer sem torresmo
Eu quase não falo
Eu quase não sei de nada
Sou como rês desgarrada
Nessa multidão boiada
Caminhando a esmo

Da mesma dupla é Abri a Porta, outro sucesso de Dominguinhos, que em 1983 assinaria parceria com Chico Buarque (Tantas Palavras) – em 1998, eles assinariam Xote de Navegação. Com Nando Cordel nasceriam outras marcas registradas do cancioneiro popular: Isso Aqui Tá Bom Demais e De Volta pro Aconchego, popularizada por Elba Ramalho.

Numa entrevista para um documentário acadêmico publicada pela União Nacional dos Estudantes em 2012, respondeu com simplicidade sobre a importância de seu instrumento: “Se eu comprei uma casa, criei três filhos, tudo foi a sanfoninha”. No documentário O Milagre de Santa Luzia, de Sérgio Roizenblit, Domnguinhos é o contador da história da relação dos diversos ritmos regionais brasileiros com o instrumento. Ali, celebra a importância de mestres como Sivuca, Mario Zan e Patativa do Assaré na construção da identidade cultural brasileira.

Assista aqui ao filme completo e abaixo a um trecho, sobre a emoção de Dominguinhos ante a profundidade de Triste Partida, de Luiz Gonzaga:

O velório será realizado na Assembleia Legislativa de São Paulo e o corpo será enterrado em Pernambuco.