Estreia

Documentário trata sobre amor que move mulheres apaixonadas por detentos

'Cativas – Presas pelo Coração', de Joana Nin, não aborda questões ligadas ao sistema penal, os crimes cometidos pelos presos nem faz juízo de valor. O que importa são os sentimentos que elas vivem

Divulgação

Camila: “Eu sempre vou estar do lado dele. Vou dar todo o amor que sinto por ele. O amor vence qualquer coisa”

“A gente não escolhe quem a gente ama.” Se fosse para escolher uma frase que resumisse o filme Cativas – Presas pelo Coração, esta frase de Malu sintetizaria bem o que a diretora Joana Nin apresenta em seu primeiro longa-metragem, que estreia no Cine Belas Artes, em São Paulo, nesta quinta-feira (24).

O documentário que já está em cartaz em outros estados apresenta a história de sete mulheres livres que se mantêm cativas em nome do amor. Apaixonadas por presidiários, elas vivem as limitações do relacionamento e a esperança de um dia constituir uma família do lado de fora das grades.

Não vá ao cinema esperando análises de psicólogos que provavelmente diriam, “certeiros”: “estas mulheres procuram o amor dentros dos presídios porque vivenciaram relacionamentos pouco afetivos, foram abandonadas ou porque têm baixa autoestima. Pode ser que sim, pode ser que não: o filme não dá nenhum tipo de resposta pronta nem digerida, muito menos explora o senso comum. Vá aberto(a) para ouvir depoimentos singelos e profundos das próprias mulheres explicando o inexplicável. Como diria o filófofo francês Blaise Pascal, “o coração tem suas razões, que a própria razão desconhece”.

Elas contam de maneira intensa e aberta como são seus casamentos e deixam aflorar toda a subjetividade de seus amores e como, objetivamente, suas relações influenciam suas vidas. Solidão, preconceito, inseguranças, a responsabilidade de criar os filhos e cuidar de tudo sozinha, a humilhação das (curtas) visitas íntimas, a ansiedade com a espera das cartas… Joana acompanha intimamente o cotidiano de sete mulheres de presidiários da Penitenciária Central do Estado (PCE), no interior do Paraná.

RBA
Andrea: ‘Imagine ter uma pessoa que não dorme com você, que não paga tuas contas e você ama? É teu marido e manda em você mesmo vendo só uma vez por semana’

O que importa é o amor

“Eu amo ele. Eu sou mulher dele. Tenho ele como meu marido, respeito ele (sic). Imagine ter uma pessoa que não dorme com você, que não paga tuas contas e você ama? É teu marido e manda em você mesmo vendo só uma vez por semana. É muito amor, né?”, afirma a educadora Andréa que, mesmo em liberdade, se sente presa. “Mulher de cadeia tem isso: não pode olhar porque aquele cara está olhando. Não existe isso! Pro psicológico da gente, não pode. (…) Eu também estou presa e isso não é legal. Quando eu ando com a minha moto, com o vento no meu rosto, me dá uma sensação de liberdade. É o único momento em que eu me sinto livre. (…) Só nesse momento, porque eu cheguei em casa, eu tô presa; no meu serviço, eu tô presa; com o meu marido, eu tô presa. Então, eu sou uma mulher presa. É isso o que eu sinto”, desabafa. Andrea, uma das principais personagens do filme, acaba realizando, dentro da penitenciária, seu maior sonho: casar-se de véu e grinalda com o amor da sua vida e pai de seus filhos mais novos.

Para essas mulheres, não importa que crime cometeram seus amados. Camila tem esperança de que o pai do filho que carrega na barriga mude quando sair da prisão: “Eu sempre vou estar do lado dele. Vou dar pra ele todo o amor que eu tenho e que eu sinto por ele. Eu acredito que o amor vence qualquer coisa, supera qualquer coisa”. Quando a diretora pergunta: “E se ele não endireitar?”, a menina não titubeia: “Eu vou estar do lado dele (risos). Mas ele vai mudar”.

Simone tenta explicar porque se interessou por um homem que, viciado em crack, passou a roubar para sustentar o vício: “A vida dele foi só rua e presídio. Então, ele não tinha nenhuma estrutura familiar. Foi por isso que eu acho que eu me apeguei a ele, porque eu queria dar o que ele não teve”, afirma, chorando.

Pode até haver aqui e ali doses de ingenuidade, mas não pense que essas mulheres não têm consciência de suas condições e da realidade que vivem. “Ele ficou com ciúme esses dias e eu falei: ‘Se por exemplo, eu aprontasse na rua e tivesse na cadeia, será que você ia me visitar?’. ‘Claro que ia, Mari’. Ia nada, tio… Eu vi lá a cadeia das meninas e não tem nenhum homem lá. Dá pra contar no dedo, um, dois…”, afirma uma das entrevistadas, certa de que não receberia o mesmo tratatamento caso estivesse atrás das grades.

Cativas – Presas pelo Coração foi inspirado no curta-metragem Visita Íntima, com o qual Joana ganhou o prêmio de Melhor Curta Brasileiro no Festival É Tudo Verdade, em 2006.Fica evidente que o longa-metragem foi gestado ao longo de muitos anos em que a diretora e a equipe tiveram de ultrapassar barreiras burocráticas e conquistar a confiança das pessoas que se propõem a acompanhar. Trabalho tão bem sucedido, que Joana consegue até mesmo registrar momentos de paixão durante uma visita íntima.

Um filme para assistir de coração aberto e sem pré-conceitos. Assim, vai ser difícil não se emocionar com a melosa Impossível Acreditar que Perdi Você, de Marco Greyck, e com os desenhos que colorem o filme, as cartas e as vidas daquelas mulheres.

Cativas – Presas pelo Coração TRAILER OFICIAL from Sambaqui Cultural on Vimeo.

Cativas – Presas pelo Coração
Direção e produção executiva: Joana Nin
Produção: Joana Nin e Ade Muri
Direção de fotografia: Luciano Coelho
Roteiro: Joana Nin e Sandra Nodari
Pesquisa e assistência de direção: Sandra Nodari
Som direto: Robertinho Oliveira
Montagem: Jordana Berg, edt.
Produtor de finalização: Ade Muri
Direção de produção: Sônia Procópio
Preparação de filmagens com presos: Sheylli Caleffi
Fotografia still: Lauro Borges
Assistente de produção e pesquisa: Raquel Zanotelli
Assistente de câmera: Eduardo Azevedo
Design gráfico: Marcellus Schnell
Videografismo créditos: Liana Lessa
Trilha Original: Cesinha Mattos