Cinema

Dignidade, heroísmo e trabalho duro: o silencioso trio de ‘A Ilha do Milharal’

Filme de George Ovashvili retrata a vida de um camponês e sua neta em uma extenuante luta contra a fome, os conflitos políticos e as forças da natureza. Longa estreia no Brasil nesta quinta-feira (19)

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Mesmo com poucos diálogos, o espectador embarca neste universo regido pelas forças incontroláveis da natureza

“Todos os anos na primavera, a corrente do Rio Inguri lava as rochas e o solo do Cáucaso até o Mar Negro, formando pequenas ilhas em seu curso. Essas ilhas são uma benção para os camponeses da região, que trocam as margens enxarcadas pelo sólo firme e fértil da ilha. Entre a primavera e o outono, eles podem cultivar milho suficiente para alimentar suas famílias durante o longo e frio inverno. Mas somente se a natureza permitir…” A apresentação do longa-metragem A Ilha do Milharal, do diretor George Ovashvili, prepara o espectador para uma história sobre a luta por sobrevivência em um país em conflito.

Com estreia nesta quinta-feira (19) no circuito comercial brasileiro, o filme faz um retrato silencioso e profundo sobre uma realidade da qual pouco se ouve falar por aqui, tanto no que diz respeito ao fenômeno cíclico da natureza, quanto à situação social e política daquela região.

A trama toda se passa em apenas um local: uma ilha temporária, situada na divisa entre a Geórgia e a república independente da Abecásia, em conflito desde a guerra de 1992 e 1993. É lá que se instalam um senhor (Ilyas Salman) e sua neta (Marian Buturishvili) para cultivar milho enquanto as águas não inundam novamente toda a área.

Milharal

Quando eles chegam naquele minúsculo pedaço de terra, não há nada além de troncos de árvores e pedras. O senhor começa do zero a construir um abrigo onde eles passarão os próximos meses esperando e trabalhando pesado para que a natureza lhes permita uma colheita farta. A passagem do tempo se mostra tanto pelos pés de milho quanto pelo amadurecimento da neta adolescente.

Um senhor obstinado. Uma jovem obediente. Os riscos trazidos pela natureza e pelos conflitos locais. Tudo em A Ilha do Milharal é costurado pela ameaça e pelo silêncio. A dureza de suas vidas faz com que os personagens digam apenas o estritamente necessário. É preciso concentrar as energias para as atividades fundamentais: a pesca para a alimentação diária, a preparação e a proteção da terra.

Nela, tudo exala ameaça: os soldados que sobem e descem o rio a procura de suspeitos e de diversão, a presença frequente dos caçadores, a vulnerabilidade da menina naquele ambiente agressivamente masculino, a fome e as chuvas que não param de cair…

A angústia é crescente do início ao fim. O tempo do longa-metragem é proporcional ao tempo da colheita. A lentidão e a escassa comunicação verbal produzem um filme tenso e intenso. Mas, apesar da ausência de diálogos, o espectador consegue penetrar profundamente naquele universo rude regido principalmente pelas forças incontroláveis da natureza. É ela que molda todas as relações.

A Ilha do Milharal pode até ter um título que lembra os de filmes “B” de terror, mas definitivamente não é o caso. O longa-metragem de George Ovashvili é uma obra impregnada de humanidade, de trabalho duro, de um heroísmo humilde e de uma dignidade que, ao final, chega a doer. Impossível não terminar o filme com muitas perguntas sobre este pedaço de mundo que não vemos nas notícias. Seu nome em francês, Terre Éphémère (Terra Efêmera), seria muito mais adequado às sensações que o filme traz.

O longa está na pré-lista do Oscar 2015, recebeu o Crystal Globe (grande prêmio no Karlovy Vary International Film Festival) e foi exibido na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e no Indie 2015, em Belo Horizonte e na capital paulista.

A ILHA DO MILHARAL _ trailer from Zeta Filmes on Vimeo.

 

A Ilha do Milharal
Direção: George Ovashvili
Roteiro: Nugzar Shataidze, George Ovashvili, Roelof Jan Minneboo
Fotografia: Elemer Ragalyi
Montagem: Sun-Min Kim
Elenco: Ilyas Salman, Marian Buturishvili, Irakli Samushia, Tamer Levent
Distribuição: Zeta Filmes
País: DCP, Geórgia/Alemanha/França/República Tcheca/Cazaquistão/Hungria
Ano: 2014
Duração: 100 minutos
Classificação: 12 anos

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Mesmo com poucos diálogos, o espectador embarca neste universo regido pelas forças incontroláveis da natureza