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Começa a 51ª edição do Festival de Cinema de Gramado em clima de reconstrução

Após os duros anos de ataques bolsonaristas contra a Cultura, o maior festival de cinema do Brasil começa com uma reflexão sobre cinema de Kleber Mendonça Filho

Arquivo/EBC
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Entre os destaques, holofotes voltados ao documentário que abriu o festival deste ano. "Retratos Fantasmas" do cineasta recifense Kleber Mendonça Filho

São Paulo – Começou hoje (12), oficialmente, a 51ª edição do Festival de Cinema de Gramado. Um dos mais tradicionais eventos do audiovisual brasileiro (se não o mais) vai até o próximo sábado (19). Mais de mil títulos concorrerão aos prêmios, os troféus chamados de Kikitos. O festival acontece na cidade da Serra Gaúcha desde a década de 1970.

Entre os destaques, holofotes voltados ao documentário que abriu o festival deste ano. “Retratos Fantasmas”, do cineasta recifense Kleber Mendonça Filho (“Bacurau”, “Aquarius”, “O Som ao Redor”), contou com sua premier na noite dessa sexta-feira (11). Trata-se de uma ode nostálgica ao cinema brasileiro, particularmente às instalações de rua. Mendonça Filho, premiado em festivais como Cannes, apresenta uma visão ao mesmo tempo íntima e abrangente da condição do audiovisual.

Em pauta, salas abandonadas de cinema de Recife que sofrem há décadas com o descaso. “O ponto de vista é sempre o do mercado. A ideia é assim: ‘Qual o sentido de se manter um São Luiz (cinema de rua, no bairro Boa Vista, no Recife) aberto se tem tantas salas no Multiplex?’. A ideia não é essa. A ideia, na verdade, é um investimento em cultura, é um investimento em educação e formação de público”, revelou em entrevista recente ao Brasil de Fato.

“No mundo inteiro, isso não é só no Brasil, na Austrália, no próprio Estados Unidos, na França, na Inglaterra… Quando uma sala como essa é salva, e ela volta como uma sala – essa é a questão –, uma sala pública, esse é um investimento que precisa acontecer”, completou.

Cinema e resistência

De certa forma, o filme apresenta uma perspectiva nostálgica própria do período. Após quatro anos de governo de extrema direita, o audiovisual brasileiro – e a Cultura em geral – se virou como pôde. O projeto do ex-presidente inelegível Jair Bolsonaro (PL) era de destruição cultural. Artistas das mais diferentes vertentes tornaram-se inimigos daquele inquilino do Planalto.

Mendonça Filho também lembra da pandemia de covid-19, que ajudou a desmontar a cadeia de produção cultural. “Durante a pandemia de covid-19 e a pandemia política pela qual o Brasil passou, todo mundo meio que se segurou para não entrar em colapso. (…) Não foi fácil, eu trabalho com muita gente, já trabalhei com muita gente, e você fica sabendo que ‘fulano está fazendo Uber’, que ‘fulana está cozinhando’, porque simplesmente os projetos todos secaram”.

Agora, o momento é de reconstrução. O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já rearticulou o extinto Ministério da Cultura e lá posicionou como chefe da pasta Margareth Menezes. Os investimentos voltaram e o setor começa a dar sinais de aquecimento, como um dos que mais emprega no Brasil.

Durante todas as edições do festival de Gramado sob governo Bolsonaro, não faltaram manifestações de diferentes artistas em repúdio ao extremista. Então, será a primeira em anos com um novo ar, um ar de esperança.

O festival de Gramado

A história do Festival de Cinema de Gramado é um espelho das diferentes fases do cinema nacional, proporcionando uma janela para entender o Brasil e sua cinematografia nas últimas quatro décadas, como afirmou o diretor Fernando Meirelles. Desde sua internacionalização em 1992, o festival expandiu seus horizontes para abranger a produção ibero-americana, solidificando-se ao longo dos anos como o principal festival de cinema contínuo do Brasil, mantendo-se flexível diante das novas tendências do audiovisual e incorporando as perspectivas do cinema brasileiro contemporâneo, que está sempre em evolução.

Apesar das transformações necessárias, a essência do festival perdura. Ao longo de mais de quatro décadas, o Festival de Cinema de Gramado testemunhou momentos marcantes que contribuíram significativamente para a história e consolidação da arte cinematográfica no país. Sua trajetória teve início em 1973, quando o evento foi oficialmente estabelecido pelo Instituto Nacional de Cinema. A primeira edição ocorreu de 10 a 14 de janeiro de 1973, resultado da colaboração entre a Prefeitura Municipal de Gramado, a Companhia Jornalística Caldas Júnior, a Embrafilme, a Fundação Nacional de Arte e as secretarias de Turismo e Educação e Cultura do Estado. Desde então, a competição pelo prêmio Kikito, também conhecido como o “Deus do Bom Humor”, e cuja estatueta foi criada por Elizabeth Rosenfeld, uma grande defensora do artesanato local, tem sido uma parte essencial desse evento cultural.

Desde então, o festival já premiou de clássicos nacionais ao cinema experimental.

A 51ª edição

A curadoria desta edição ficou por conta dos atores Caio Blat e Soledad Villamil, dos jornalistas Marcos Santuario e Mônica Kanitz e do programador Leonardo Bomfim. O festival também seguirá com as tradicionais homenagens. Neste ano, a atriz Alice Braga receberá o Kikito de Cristal pela sua carreira sólida no cinema, tendo participado de mais de 30 produções no Brasil e no exterior.

Outra homenagem, o Troféu Oscarito, será entregue a duas atrizes nonagenárias que ainda estão em atividade. Laura Cardoso, com 95 anos, e Léa Garcia, com 90 anos, serão homenageadas pela grande contribuição ao cinema nacional.

Confira abaixo as principais produções selecionadas:

Longas-metragens brasileiros

  • “Angela” – São Paulo
  • “Mais Pesado é o Céu” – Ceará
  • “Mussum, O Filmis” – Rio de Janeiro
  • “O Barulho da Noite” – Tocantins
  • “Tia Virgínia” – Rio de Janeiro
  • “Uma Família Feliz” – Paraná

Longas-metragens documentais

  • “Anhangabaú” – São Paulo
  • “Da Porta Pra Fora” – Brasília
  • “Luis Fernando Verissimo – O Filme” – Rio Grande Do Sul
  • “Memórias da Chuva” – Ceará
  • “Roberto Farias – Memórias de Um Cineasta” – Rio De Janeiro

Longas-metragens gaúchos

  • “Céu Aberto” – Dom Pedrito
  • “Hamlet” – Porto Alegre
  • “O Acidente” – Porto Alegre
  • “Sobreviventes do Pampa” – Porto Alegre
  • “Um Certo Cinema Gaúcho de Porto Alegre” – Porto Alegre

Curtas-metragens gaúchos

  • “As Ondas” – Porto Alegre
  • “Aurora” – Pelotas
  • “Carcinização” – Pelotas
  • “Centenário da Minha Bisa” – Alvorada
  • “Colapso Terra em Chamas” – Porto Alegre
  • “Combustão Espontânea” – Pelotas
  • “Concha de Água Doce” – Porto Alegre
  • “Concorso Internazionale” – Porto Alegre
  • “Eu Tibano” – Santa Cruz Do Sul
  • “Fiar O Vento” – Porto Alegre
  • “Fitoterapia” – Porto Alegre
  • “Flora” – Porto Alegre
  • “Glênio” – Santa Maria
  • “Livra-Me” – Santa Cruz Do Sul
  • “Messi” – Encantado
  • “Meu Nome É Leco” – Porto Alegre
  • “Nau” – Porto Alegre
  • “O Tempo” – Porto Alegre
  • “Os Féders Vão Dormir” – Esteio
  • “Rasgão” – Porto Alegre
  • “Restaurante” – Taquari
  • “Sabão Líquido” – Porto Alegre
  • “Tremendo Trovão” – Porto Alegre