A elegância decadente de uma imigrante argentino-brasileira em Nova York
Documentário Laura revela, além da excentricidade, a relação conflituosa entre diretor e personagem
Publicado 01/11/2013 - 16h57
Laura é uma mulher de quase 60 anos que vive em um hotel barato às margens de uma Nova York que fervilha glamour. Durante o dia, uma mulher comum, rodeada de tranqueiras que acumula em um quartinho minúsculo guardado a sete chaves. À noite, uma dama elegante. Frequentadora de casas chiques e festas grã-finas.
Primeiro longa-metragem de Fellipe Barbosa, Laura estreia nos cinemas nesta sexta (1º). O filme foi feito sob o embate permanente entre ele e sua personagem: entre o que ela quer que o filme mostre e o que ele quer mostrar. A relação dos dois parece ser antiga, apesar de ficar completamente incógnita no filme: não se sabe se são amigos, parentes ou algo mais… Isso não importa para Fellipe.
Talvez a história tenha nascido de sua percepção sobre a riqueza de um personagem ambíguo e excêntrico mas, no meio do caminho, com as discussões acaloradas entre ambos, o roteiro tenha sido adaptado.
O documentário começa com uma câmera estática dentro do quarto da bagunça. Laura se move entre um amontoado interminável de roupas e objetos, uma enorme coleção de coisas inúteis que ela recolhe das ruas e acumula há anos. Em seguida, o off: “Quando meu marido me deu um pontapé e me botou no meio da rua, eu voltei de Buenos Aires, eu não tinha casa, eu não tinha roupa, eu não tinha nada… O apartamento vazio. Eu falei: ‘Bom, não adianta planejar porra nenhuma. Você virou, o mar veio e destruiu todo o seu castelinho’. Eu vivia pra minha casa e pro meu marido. Desse dia em diante, eu falei: ‘Deixa rolar’. Eu entrego a vida a Deus e vim aqui pra me divertir”.
Aos poucos, ela mostra como realmente é. “Agora eu preciso que vocês cortem, por favor. (…) Você é idiota mesmo, não? Quantas vezes eu disse que não dá para entrar no quarto? Quantas vezes eu tenho que falar a mesma coisa?” E assim começa o embate. Discussões e mensagens ameaçadoras deixadas no telefone intercalam momentos glamourosos e decadentes, além de cenas espontâneas e encenadas.
De cara, Fellipe parece submisso às vontades de sua personagem, mas ao mostrar o lado grosseiro e freak de Laura, se sobrepõe aos limites que ela faz questão de colocar no filme que, orgulhosamente, chama de seu.
No mesmo tempo de mostrar uma pessoa egocêntrica e arrogante, Fellipe traz à tona a fragilidade de sua personagem nas conversas por telefone com a mãe, quando é ignorada pelo ator Clive Owen e nas lágrimas sinceras da missa de Natal. Laura incorpora os extremos das contradições humanas e fica claro que toda sua agressividade, é na verdade, uma proteção de quem já sofreu muito na vida.
Impossível ver esse filme e não lembrar de Holly Golightly, interpretada por Audrey Hepburn em A Bonequinha de Luxo, de Blake Edwards. Assim como Holly tomava seus cafés da manhã em frente à famosa joalheria Tiffany’s para esquecer dos problemas, Laura frequenta festas exclusivas para fugir da dureza da vida que, em seu caso, é materializada em seu quartinho entulhado.
Assista ao trailer
Laura
Direção: Fellipe Barbosa
Produção: Fernanda de Capua
Roteiro: Karen Sztajnberg e Lucas Paraizo
Fotografia: Pedro Sotero
Montagem: Karen Sztajnberg
Produtora: Gamarosa Filmes e Vermelho Filmes
Duração: 78 minutos
País: Brasil/EUA
Distribuição: Vitrine Filmes