Estreia

A elegância decadente de uma imigrante argentino-brasileira em Nova York

Documentário Laura revela, além da excentricidade, a relação conflituosa entre diretor e personagem

Divulgação

À noite Laura se transforma em dama elegante. Frequentadora de casas chiques e festas grã-finas…

Laura é uma mulher de quase 60 anos que vive em um hotel barato às margens de uma Nova York que fervilha glamour. Durante o dia, uma mulher comum, rodeada de tranqueiras que acumula em um quartinho minúsculo guardado a sete chaves. À noite, uma dama elegante. Frequentadora de casas chiques e festas grã-finas.

Primeiro longa-metragem de Fellipe Barbosa, Laura estreia nos cinemas nesta sexta (1º). O filme foi feito sob o embate permanente entre ele e sua personagem: entre o que ela quer que o filme mostre e o que ele quer mostrar. A relação dos dois parece ser antiga, apesar de ficar completamente incógnita no filme: não se sabe se são amigos, parentes ou algo mais… Isso não importa para Fellipe.

ReproduçãoBonequinha de Luxo
…como Audrey Hepburn toma seu café diante da vitrine, em ‘Brackfeast at Tiffany’s’ (Bonequinha de Luxo, 1961)

Talvez a história tenha nascido de sua percepção sobre a riqueza de um personagem ambíguo e excêntrico mas, no meio do caminho, com as discussões acaloradas entre ambos, o roteiro tenha sido adaptado.

O documentário começa com uma câmera estática dentro do quarto da bagunça. Laura se move entre um amontoado interminável de roupas e objetos, uma enorme coleção de coisas inúteis que ela recolhe das ruas e acumula há anos. Em seguida, o off: “Quando meu marido me deu um pontapé e me botou no meio da rua, eu voltei de Buenos Aires, eu não tinha casa, eu não tinha roupa, eu não tinha nada… O apartamento vazio. Eu falei: ‘Bom, não adianta planejar porra nenhuma. Você virou, o mar veio e destruiu todo o seu castelinho’. Eu vivia pra minha casa e pro meu marido. Desse dia em diante, eu falei: ‘Deixa rolar’. Eu entrego a vida a Deus e vim aqui pra me divertir”.

Aos poucos, ela mostra como realmente é. “Agora eu preciso que vocês cortem, por favor. (…) Você é idiota mesmo, não? Quantas vezes eu disse que não dá para entrar no quarto? Quantas vezes eu tenho que falar a mesma coisa?” E assim começa o embate. Discussões e mensagens ameaçadoras deixadas no telefone intercalam momentos glamourosos e decadentes, além de cenas espontâneas e encenadas.

De cara, Fellipe parece submisso às vontades de sua personagem, mas ao mostrar o lado grosseiro e freak de Laura, se sobrepõe aos limites que ela faz questão de colocar no filme que, orgulhosamente, chama de seu.

No mesmo tempo de mostrar uma pessoa egocêntrica e arrogante, Fellipe traz à tona a fragilidade de sua personagem nas conversas por telefone com a mãe, quando é ignorada pelo ator Clive Owen e nas lágrimas sinceras da missa de Natal. Laura incorpora os extremos das contradições humanas e fica claro que toda sua agressividade, é na verdade, uma proteção de quem já sofreu muito na vida.

Impossível ver esse filme e não lembrar de Holly Golightly, interpretada por Audrey Hepburn em A Bonequinha de Luxo, de Blake Edwards. Assim como Holly tomava seus cafés da manhã em frente à famosa joalheria Tiffany’s para esquecer dos problemas, Laura frequenta festas exclusivas para fugir da dureza da vida que, em seu caso, é materializada em seu quartinho entulhado.

Assista ao trailer

Laura
Direção: Fellipe Barbosa
Produção: Fernanda de Capua
Roteiro: Karen Sztajnberg e Lucas Paraizo
Fotografia: Pedro Sotero
Montagem: Karen Sztajnberg
Produtora: Gamarosa Filmes e Vermelho Filmes
Duração: 78 minutos
País: Brasil/EUA
Distribuição: Vitrine Filmes

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